Rei, Roberto Carlos chega aos 80 anos sem deixar a coroa cair
Nesta segunda-feira (19), Roberto Carlos celebra 80 anos e mantém, dos shows em Cruzeiros ao Spotify, sua coroa em meio às transformações musicais vividas neste início de século. Como Rei, o líder da chamada Jovem Guarda chega à marca de oito décadas de vida com legado e história inigualáveis (e muito bem controlados por ele), assim como polêmicas, preservando sua imagem como figura lendária da música brasileira, cuja voz segue atingindo gerações.
Roberto Carlos Braga nasceu no dia 19 de abril de 1941, em Cachoeiro do Itapemirim (ES). Ele foi o quarto filho de Robertino Braga e Laura Moreira Braga, respectivamente relojoeiro e costureira. Aos seis anos, ele sofreu um grave acidente enquanto brincava na linha do trem, o que ocasionou amputação de parte da perna direita. O acidente é tabu nas conversas com o Rei.
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Pode-se dizer que o embrião da sua carreira foi a entrada no Conservatório Musical de Cachoeiro do Itapemirim, o que lhe lançou, aos 9 anos, como a principal atração da Rádio Cachoeiro, onde imitava Bob Nelson. Aos 12, a família se mudou para Niterói (RJ), o que lhe aproximou dos programas de jovens, onde cantava cantando bolero e samba-canção.
Mas foi nos subúrbios da capital carioca que Roberto Carlos conheceu Tim Maia, com quem formou, em 1957, a banda The Sputniks, junto com Arlênio Lívio e Wellington Oliveira. O grupo, que nasceu com a popularização do Rock'n roll, foi batizado com o nome do primeiro satélite artificial da Terra, lançado pela União Soviética em outubro daquele ano. O conjunto fez bastante sucesso, chegando a participar do programa de Carlos Imperial, na Rádio Tupi.
A ânsia pela carreira solo, porém, falou mais alto e o grupo rachou. Há quem fale em desprezo de Roberto Carlos por Tim Maia quando o soulman foi deportado dos EUA e retornou ao Brasil, onde teria pedido ajuda ao "rei". Depois do fim dos Sputniks, o capixaba cantou na boate do Hotel Plazza, imitando João Gilberto.
Foi com Carlos Imperial que ele foi à gravadora Copacabana para tentar lançar um compacto, mas foi aconselhado a desistir da carreira, Em 1960, após outros percalços, conseguiu gravar com a Colúmbia e lançou as músicas Canção do amor nenhum e Brotinho sem juízo.
"Nestas coisas, talento tem importância, mas sorte também conta. Os dois primeiros ídolos do rock nacional, Celly Campelo e Sergio Murilo, saíram da raia; Celly se casou e Sergio Murilo brigou com a Columbia, mesma gravadora de Roberto. Coincidiu também com a proliferação dos artistas de rock no país e das gravadoras entenderem que existia um publico consumidor pra este tipo de música. Todo um contexto estava pronto para um ídolo de rock brasileiro e Roberto tinha tudo pra isto", comenta José Teles, experiente crítico de música, escritor e pesquisador de música popular, ao Social1.
Roberto Carlos e a jovem guarda
Seu primeiro disco, Louco por você (1961), era algo entre o bolero e bossa, com pitada de rock, ritmo que iria lhe conceder espaço na gravadora CBS. O sucesso chegou com Splish splash (1963), no qual destacam-se a faixa-título e Parei na contramão. Seu espaço na música foi confirmado com os hits O calhambeque, É proibido fumar e Quero que vá tudo pro inferno.
Em 1965, estreou no programa Jovem guarda junto com Wanderléa e Erasmo Carlos. Foi com Erasmo, inclusive, que compôs diversas canções de sucesso (como Quero que vá tudo pro inferno), criando uma relação que foi retratada no filme Minha fama de mau (2019). Com a chegada dos anos 70, o músico sentiu a mudança nos ventos e apostou no romantismo, ritmo no qual ganhou sua coroa.
Foi depois do sucesso que houve uma certa aproximação de Roberto Carlos com a ditadura militar. Como conta publicação da Época, o músico, aos 38 anos, fazia visitas pontuais, junto com o sócio Cayon Gadia, pelo Planalto na tentativa de conseguir concessão de emissora de rádio. Nos anos de chumbo, ele recebeu dos militares a Medalha do Pacificador, em 1973.
"Associação mesmo não [é possível fazer]. Roberto Carlos era de classe média baixa, de uma família não politizada. Isto nos anos 60, quando ele de vez em quando elogiava o governo numa coluna que mantinha no Diário da Noite, em São Paulo. Já nos anos 70, embora tenha participado de coisas feito as Olimpíadas do Exercito, se ele fosse simpatizante da ditadura não transitaria pela esquerda, com o povo do Pasquim, com os tropicalistas etc. Ele teve algumas atitudes reacionárias, já no governo Sarney quando aprovou a censura ao filme Je vous salue, Marie (1985), de Goddard", recorda Teles.
Prestigiado e em alta o músico ganhou espaço no novo ritmo com Detalhes e Como vai você, consolidando seu reinado com Falando sério, Na paz do seu sorriso, Emoções e Fera ferida. Em 1993, com o sucesso de Nossa senhora, passou a incluir uma música religiosa em todos os seus discos. Em 1994, bateu a marca de 70 milhões de discos vendidos.
O zelo pela coroa
Nossa senhora, inclusive, iria lhe render polêmicas décadas depois. É que, no cenário musical, há quem aponte uma superproteção de Roberto Carlos com suas letras religiosas.
Em 2019, quando Nando Reis lançou Não sou nenhum Roberto, mas às vezes chego perto em homenagem ao Rei, a versão em vinil do álbum saiu sem a canção Nossa senhora. É que o veterano não teria gostado da intervenção de Nando, ateu, na canção. Ele trocou os versos, religiosos, por um "nananana".
Ainda no sentido de proteger o que julga correto, ele também teria negado diversos pedidos de artistas para regravar Quero que vá tudo pro inferno, num comportamento que se tornaria mais evidente quando ele começou a evitar a palavra "inferno" nas suas canções.
"Ele tem esta coisa de não querer que se gravem certas músicas e há muitos anos. Que tudo mais vá pro inferno era uma música que ninguém queria gravar, ele chegou a dar prejuízo a alguns cantores por vetar músicas que já estavam em disco", comenta José Teles.
Além de tentar controlar seu legado musical, há quem chame o músico de "mãos de tesoura" no mercado editorial pelas suas tentativas de impedir a circulação de livros nos quais é citado. Aconteceu com Jovem Guarda: moda, música e juventude (Maíra Zimmermann), Roberto Carlos em detalhes (Paulo Cesar de Araújo) e O Rei e eu (Nichollas Mariano).
O apego às suas tradições e a vontade de controlar o próprio legado talvez façam parte da formação do Rei. Fato é, porém, que Roberto Carlos é segue sendo religiosamente escutado por milhões de brasileiros no fim do ano (época na qual costumava lançar seus discos), continua lotando Cruzeiros em alto-mar e é figura indispensável no cenário musical nacional.
Questionado sobre o porquê de, na sua opinião, Roberto Carlos manter a coroa de "rei" aos 80 anos, José Teles pontua: "Esta coisa de Rei é mais um rótulo de imprensa. Roberto se mantém pelo carisma, pelo talento, pelo profissionalismo, por cantar exatamente o que a maioria da classe média adulta gosta. Ele está no mesmo nível intelectual da maioria dos fãs".
O crítico continua: "Ele merece todas as homenagens, por ser o ídolo da música popular que mais permaneceu no topo durante tantas décadas. Sua música é de altos e baixos (embora continue sendo um grande cantor), a partir dos anos 90 torna-se repetitiva, conservadora, mas ele continua cantando o que seu público quer. Pode ser que ainda se reacenda nele a chama da criatividade, mesmo que não ele tenha um obra consistente, e dificilmente será esquecido".
O plano para a celebração dos 80 anos era a realização de um show na sua cidade natal, Cachoeiro do Itapemirim. Com a pandemia, o plano foi adiado para 2022, quando Roberto Carlos completará 81 anos. Neste mesmo ano, o Rei ainda deve lançar uma autobiografia.
Até o reencontro do cantor com os palcos, a saída é escutá-lo nas plataformas digitais de música, onde seu reinado também alcança, Só no Spotify, o ídolo sustenta a marca de 3 milhões de ouvintes mensais.