Você sabe o que é comunismo? Após episódio com Juliana Paes, nós explicamos
O vídeo de Juliana Paes afirmando não ser "bolsominion" nem apoiadora de "delírios comunistas" trouxe inúmeros debates nas redes sociais. Após a confusão, cresceram notavelmente as buscas pelo significado da ideologia no Google. Mas você sabe o que é comunismo? Para entender a relação do Brasil com essa ideia, conversamos com Pablo Porfírio, professor do Programa de Pós graduação em História da UFPE.
O pesquisador alerta para a necessidade de atenção à falas como a de Juliana Paes. Na sua opinião, mesmo tratando-se de uma falsa questão no sentindo histórico e político, o discurso não pode ser tratado como piada: "É muito sintomático como um determinado debate político sobre o comunismo ganha leituras, interpretações e cria comportamentos dentro da sociedade. (...) Essa fala dela deixa escapar uma leitura de mundo que ela e outras pessoas têm do Brasil. Pra quem pensa política no país, isso não pode ser desmerecido ou tratado como um defeito individual, é um sintoma social".
O professor explica: "Na história do Brasil, desde o final do século XIX até hoje, há uma recorrência à produção do medo político à ideia do comunismo, que vai justificar a mobilização de diversos setores sociais e políticos. Há momentos clássicos disso, como o golpe de 64. Então é importante a gente entender o que leva pessoas dos mais diversos grupos sociais compartilharem desse medo".
O comunismo é uma ideologia política e socioeconômica. De acordo com a teoria marxista, trata-se de uma etapa posterior ao socialismo, onde o Estado poderia ser abolido. Sua premissa é a autogestão dos trabalhadores através da criação de um regime político e econômico para o estabelecimento da justiça social plena entre os homens com a abolição sistemática da desigualdade. Seus precursores, em relação às formulações teóricas e doutrinárias, são Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), criadores do socialismo científico.
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No marxismo, entende-se a luta de classes como marca de todas as épocas da História. Isso seria resultado do antagonismo entre a classe opressora e a oprimida. Partindo desse pensamento, os opressores na sociedade capitalista seriam a burguesia, detentora dos meios de produção e, consequentemente, da maior parcela da riqueza gerada pela sociedade. O proletariado, dono apenas da sua força de trabalho, produz a riqueza a partir de um esquema de exploração da sua mão de obra.
Nesse sentido, a teoria marxista aponta a abolição da propriedade privada e a socialização dos meios de produção como caminhos para se atingir o fim da divisão de classes e a abolição da exploração do trabalho. Esse estado seria atingido, segundo Marx, após os trabalhadores tomarem consciência da exploração e se revoltarem.
Pode-se dizer que a Revolução Industrial colocou combustível na disseminação dessa ideologia no século XIX. O período transformou o contexto econômico europeu, possibilitando o desenvolvimento do capitalismo enquanto a pobreza se acentuava.
Nesse sentido, o comunismo nasce como uma alternativa ao sistema capitalista. No socialismo, etapa anterior, o Estado controla a sociedade, mas com participação dos trabalhadores, diferentemente da organização rival. Para isso, seria instaurado um sistema de partido único para democratizar a riqueza gerada.
Comunismo na prática e na cabeça da sociedade
Dessa forma, o comunismo seria o planejamento ou modelo de uma sociedade nunca efetivada. Mas isso não impediu o medo de se espalhar. Pablo Porfírio encara que, após 64, a volta do anticomunismo deu-se através de discursos rasos que circulam livremente, fato visto na contemporaneidade através das redes sociais.
"O que a Juliana Paes coloca tem toda uma historicidade. (...) A ascensão do Bolsonaro vem do anticomunismo, mas também ao antipetismo e a ideia de uma esquerda muito generalizada como comunista. Dessa forma, não se sabe bem o que é o comunismo, mas se sabe do medo que ele provoca. Esse é um dos elementos mais interessantes da história do Brasil", aponta o professor, autor do livro Medo, comunismo e revolução (Universidade Federal De Pernambuco, 2009).
Nesse sentido, a generalização das esquerdas sob uma única bandeira versus a ideia da extrema-direita acaba por alimentar a polarização. "Apesar de ela ter dito não querer ficar na polarização, o argumento utilizado por ela é o argumento da polarização. Dessa forma não é possível sair dessa armadilha", argumenta o professor.
Dentre os mitos mais fortes atrelados ao comunismo, estão o fim da família, a tomada de bens particulares (como carros, smartphones etc) e a destruição da religião. Questionado se esses temores encontram base na realidade, Pablo argumenta: "Essas ideias não são comunistas, mas um imaginário criado a partir das experiências socialistas. Mas, se pegarmos a China, governada por um partido comunista, podemos ver que o que se mais tem na China é propriedade privada e desenvolvimento tecnológico. Não há nenhuma ameaça pra esses medos".
Para o pesquisador, inclusive, o comunismo passa longe das terras tupiniquins. A despeito das falas ensandecidas de usuários nas redes sociais, a ideologia não está presente de forma expressiva no Brasil e nem mesmo o PT, partido taxado como comunista, tem ideais próximos.
"Era um governo associado à centro-esquerda, que presava pelas políticas de assistência, de igualdade social, mas muito longe da reestruturação do país, com reforma agrária radical ou acabar com a concentração monetária dos bancos, etc. (...) Não é bem uma questão da realidade, mas do efeito que esse medo provoca", analisa o professor do Programa de Pós graduação em História da UFPE.