Na última segunda, mais de um milhão de pernambucanos pararam diante da TV para conhecer Vicente. Interpretado por Jesuíta Barbosa, o ator nascido em Salgueiro e revelado para o cinema brasileira através do longa Tatuagem, o playboy falido que mata a namorada por ciúmes marcou a estreia da minisssérie Justiça, produção da Rede Globo de Televisão gravada entre o Recife e Olinda sobre quatro personagens que, em situações diversas, retemomam a vida depois de sete anos presos. Como no clássico cinematográfico Short Cuts, do americano Robert Altman, histórias parelas que se entrecruzam em construções simultâneas de sentido. Dono do par de olhos mais narrativos do recente cinema brasileiro - característica dos intérpretes que falam com a retina antes mesmo de abrirem a boca - Jesuíta vem colecionando elogios através de projetos fora da curva mais comum da produção nacional. Nesta segunda, a história de Vicente continua no ar (cada núcleo da história é exibido num dia específico da semana). Neste intervalo, o ator encontrou tempo para conversar com o repórter Bruno Albertim sobre o personagem e os rumos da nova TV que ele tem, a seu modo, ajudado a construir: “Vicente é o retrato da caretice do homem machista: ignorante e preconceituoso”.
JORNAL DO COMMERCIO – Vicente, seu personagem, parece mimetizar muito bem um certo segmento da elite jovem pernambucana: hedonista e excludente, arrogante ao ponto de sentir-se no direito de andar armado, de um machismo internalizado pelos velhos padrões patriarcais....você, que morou no Sertão e no Recife, que memória traz desse tipo de personagem? Que referências usou além do texto?
JESUÍTA BARBOSA - Minha memória sertaneja é a de menino, ouvindo estórias de pistoleiros e brigas de família que somavam sangue. É o contato com o típico (não único) macho sertanejo que me deu uma abertura para arquitetar a personagem, que é forte em bravura e fraca para o amor como fonte de liberdade. Esse padrão masculino está não só para o sertão central ou para o Recife, mas no país como um todo. Vicente é o retrato da caretice do homem machista: ignorante e preconceituoso.
JC - Como foi a parceria com o preparador Chico Aciolly para a construção da personagem?
JESUÍTA - Criamos muito entrosamento na preparação, por conta dos exercícios propostos pelo Chico, que eram quase sempre praticados em cima de improvisos que duravam mais de uma hora cada. Tínhamos um tema como fio condutor e a partir daí as personageNS tinham espaço para acontecer, fluindo naturalmente. Esse trabalho foi fundamental para entender o tipo de "realismo" necessário das cenas.
JC - Inicialmente, Jose Luiz Vilamarim, o diretor, tinha pensando em filmar uma trama ambientada na cidade que, no entanto, pudesse se passar em qualquer parte do Brasil. Não se tem ali os estereótipos de sempre, mas, me parece, uma tentativa de dar conta das contradições de um Recife mais contemporâneo...
JESUÍTA - As estórias dessa trama são, ainda que críveis e até cotidianas, por vermos e presenciarmos todos os dias casos parecidos, são muito particulares, cheias de uma tensão extemporânea. A narrativa, que entrelaça e faz a trama, me parece que só poder acontecer fora desse eixo Rio/São Paulo, num lugar exatamente como o Recife, ou como Maceió, ou Belém do Pará (que era o lugar onde filmaríamos antes de visitar o Recife), cidades que despertam a curiosidade do povo Brasileiro, por não serem visitadas comumente pela TV. O Recife é o berço da revolução no Brasil, e Justiça é também um tipo de evento vanguardista para a televisão, tanto pela plástica quanto pelo viés político, porque desperta o olhar e provoca a discussão de alguns problemas sociais.
JC - Como foi filmar com Debora Bloch e Marina Ruy Barbosa?
JESUÍTA - Deborah é uma grande atriz, mulher forte e com uma personalidade que cativa facilmente. Gosto muito de observá-la e perceber a tranquilidade que emana de seu corpo. Marina é uma menina que cintila talento.
JC - Ainda sobre as filmagens: que tipo de estímulo ou dificuldade você teve, como ator, em atuar em locações reais em vez de estúdio?
JESUÍTA - Estar em lugares vivos é sempre mais interessante porque é onde habita gente de verdade, onde há possibilidade de encontros reais. Isso engrandece a cena, instiga o trabalho.
JC - O que mais te estimula a fazer a série?
JESUÍTA - Percebo que, além de provocar o o olho do espectador (por vezes, viciado num tipo de entretenimento água com açúcar) para a perspectiva política de uma obra ficcional, a equipe técnica, os atores, os fazedores do projeto começaM a entender um caminho interessante de preparação e construção cênica.
JC - É um formato bastante novo para os padrões um tanto rígidos da TV brasileira: episódios e tramas paralelas que se permeiam...Sente que, apesar de ser relativamente novo no meio, que a TV está mudando e procurando novos formatos? O cinema ou as produções para streamming estariam influenciando?
JESUÍTA - A influência da internet tem colocado os projetos da televisão num outro eixo de produção. Vejo que o rigor de qualidade, de inteligência narrativa está despertando vontade nos assinantes de streaming. A TV começou a entender isso. Talvez o Justiça seja uma das primeiras produções realmente inovadoras que apareceram na TV aberta. O necessário é ter o governo como facilitador para abrir espaço também para produções independentes nos canais de televisão aberta e por assinatura.
JC - Além da série feita com Hilton Lacerda, quais teus próximos passos no cinema ou na TV? Algum projeto pra voltar a fazer teatro?
JESUÍTA - Tenho lido bastante teatro, faço estudos de peças e projeto um espetáculo para o ano que vem.
Jesuíta Barbosa: Vicente é o retrato da caretice do homem machista
Ator pernambucano fala, em entrevista ao repórter Bruno Albertim, sobre o sucesso de sua atuação na minissérie Justiça