ERUDITO

Músicos pedem concurso para Orquestra Sinfônica do Recife

Para continuar a reestruturação, eles ainda demandam um calendário mais cheio e planejado, além de condições de infraestrutura

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 17/01/2018 às 7:44
Andrea Regos Barros/PCR/Divulgação
Para continuar a reestruturação, eles ainda demandam um calendário mais cheio e planejado, além de condições de infraestrutura - FOTO: Andrea Regos Barros/PCR/Divulgação
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A Orquestra Sinfônica do Recife (OSR), a mais antiga em atividade no Brasil, enfrenta um impasse. Apesar de ter iniciado, a partir de 2013, sua reestruturação, o processo ficou estagnado após a importante aprovação, em 2015, do Plano de Cargos e Carreiras. Músicos reclamam que a OSR conta hoje com cerca da metade dos músicos concursados previstos no seu quadro funcional e cobram a realização de concurso para a contratação de novos instrumentistas. Outras demandas são uma melhor infraestrutura e um calendário mais organizado e mais ativo para a orquestra, que apresentou apenas dez repertórios no ano passado, número considero baixo para o seu porte.

Os números explicam a preocupação dos músicos. A OSR, regida e comandada atualmente pelo maestro Marlos Nobre, vai trabalhar em 2018 com apenas 61 músicos concursados, ou seja, cerca de 50% do seu tamanho previsto de 120 instrumentistas. A prefeitura fala em um número total de 85 integrantes, mas o levantamento da comissão representativa de músicos da OSR contabiliza 72, onde pelos menos 11 deles são “estagiários” que desempenham a função de profissionais e são contratados como prestadores de serviço. O último concurso para a orquestra foi realizado há 15 anos e, desde então, muitos saíram para outras filarmônicas ou para se aposentarem. A fim de continuar funcionando, explicam os membros da comissão, tem sido necessário contar com músicos temporários.

“A orquestra precisa de uma reestruturação. Não é uma questão de substituir um maestro ou dar um aumento de salário. O que é preciso é dar continuidade a essa reestruturação, que foi um compromisso firmado com o prefeito Geraldo Júlio”, contra o clarinetista e membro da comissão representativa dos músicos da OSR Gueber Santos.

Segundo ele, o plano de cargos e carreiras foi um primeiro passo importante, que atendeu uma demanda de mais de uma década, mas pouco foi realizado após isso. “São 15 anos sem concursos. Existe toda uma geração formada que não está no quadro da OSR. A prefeitura paga um cachê de apenas mil reais para jovens músicos, valor que ainda sofre descontos e, às vezes, só é pago depois de dois meses”, comenta.

A violinista Andressa D’Ávila, outra integrante da comissão representativa dos músicos, também vê o concurso como prioridade. “O quadro da orquestra precisa ser refeito depois das perdas dos últimos anos”, afirma. Além disso, cita o mau estado dos aparelhos de percussão – responsabilidade da prefeitura, ao contrário de outros instrumentos – e a falta de estantes para as partituras. “As apresentações não foram tantas, mas o que podemos fazer com esse quadro reduzido? O repertório fica limitado, não há como balancear o som”, critica.

O trombonista e membro da comissão representativa Mizael França reitera a sensação de estagnação da orquestra. “A proposta da chegada do maestro (Marlos Nobre) era a reestruturação. Tivemos o plano de cargos e salários, que comemoramos. Fomos bem tratados pela prefeitura e bem representados pelo maestro. Mas o prometido foi uma reestruturação, que não aconteceu”, lamenta.

Além dos pontos já citados, ele alerta que o arquivo de partituras está defasado. “Algumas são as originais do início do século 20”, diz. A pedra no sapato, no entanto, é o tamanho da OSR hoje. “Estamos perdendo músicos para outros Estados. Existem músicos que estagiaram na sinfônica daqui e hoje estão em Israel, Aracaju ou Goiás, porque não houve concurso aqui”, explica.

ESTAGNAÇÃO

A pequena quantidade de apresentações – uma por mês, com dois meses de recesso – também é pontuada por músicos e por pessoas que seguem a OSR. Para o vereador André Régis (PSDB), que acompanha as atividades da orquestra, a sinfônica tem falhado em cumprir o seu papel de formação cultural na cidade. “Fui o relator do Plano de Cargos e Salários e vi que a OSR tinha ganhado um novo alento na época. Percebo hoje que não houve uma grande alteração, porque a orquestra tem tocado muito pouco – dez concertos em um ano é muito pouco. Uma sinfônica deveria se apresentar 35 vezes ao ano. Isso me preocupa porque temos que cuidar da orquestra, senão ela acaba”, afirma, em entrevista ao JC, criticando ainda a ausência de um calendário anual e de um site.

A queixa também se vê entre os músicos. Nos números oficiais, foram 19 apresentações, mas nove delas foram concertos para jovens, que funcionam como um ensaio final aberto para o público, como o mesmo repertório. Para Mizael, o tamanho é um fator que prejudica a capacidade da OSR de se apresentar mais. “Existem obras que o maestro falou no ano passado que não temos condições técnicas de executar, e não por falta de capacidade dos músicos, mas pelo tamanho da orquestra”, comenta o trombonista. “Além da limitação da OSR, há a questão da programação. Vamos tocar em março e ainda não sabemos o repertório. Acho que a orquestra precisa tocar para mostrar para o público que dá retorno do investimento que recebe.”

O funcionamento imediato da OSR ainda enfrenta outro problema. Atualmente, a orquestra está sem um regente assistente, e Marlos Nobre acumula o posto de maestro e diretor artístico. “O maestro chegou como um provisório, como um CEO que veio diagnosticar o que deveria ser feito”, explica Gueber. Assim, o posto de regente assistente nunca foi preenchido. “O provisório terminou ficando permanente. É injustificável que não haja um regente assistente. Se, no dia do concerto, houver um problema com o maestro titular, a orquestra vai simplesmente parar”, reclama André Régis.

Os músicos ainda reclamam do isolamento da orquestra do panorama nacional. Há mais de dez anos que a OSR quase não trabalha com regentes e solistas convidados. “O regente convidado traz para a orquestra sua experiência. A sinfônica hoje se vê totalmente desconectada da vida musical da cidade e do cenário de música erudita do Brasil”, vaticina Gueber. O diagnóstico é reverberado por André Régis: “Ela tem perdido espaço. Não tem trazido solistas, tem muita repetição no repertório. A OSR não tem sido capaz de entrar no circuito nacional”.

Recentemente, houve uma mudança na locação da orquestra dentro da estrutura da prefeitura. Antes ligada à Secretaria de Cultura, ela vai ficar vinculada à Fundação de Cultura, o que, para os músicos, traz boas perspectivas. “Estamos com uma boa expectativa. Acreditamos que a fundação tem mais agilidade para gerir a orquestra, e essa mudança vai facilitar trazer convidados, comprar passagens e reservar hotéis, algo que era mais difícil na Secretaria”, comenta Gueber. Andressa acredita que a mudança pode ajudar a captação de recursos e patrocínios. “O processo fica menos burocrático. Seria ótimo receber solistas, como já recebemos Antonio Carlos Martins, Nelson Freire”, pondera a violinista. Mizael concorda: “A possibilidade de parcerias pode render dividendos artísticos para a orquestra”.

Gueber Santos ainda sugere a criação de um regimento para a orquestra. Segundo ele, os músicos obedecem ao regimento geral da prefeitura, que não aborda as responsabilidades específicas de uma orquestra. “Precisamos de um regimento que fale do funcionamento regular da OSR sem, é claro, ir contra o estatuto da prefeitura. O regimento deve servir para falar quais os cargos e hierarquias necessários, o perfil profissional de cada um deles”, comenta o clarinetista.

Mais do que críticas, os integrantes da comissão representativa buscam que a orquestra discuta abertamente a sua função e o seu futuro. “Precisamos sair um pouco mais do teatro, por exemplo, sair do padrão de que a música clássica deve ser elitizada. “Não se funciona assim em nenhuma parte do mundo hoje”, comenta Mizael.

André Régis acredita que a OSR poderia realizar atividades na rede municipal de ensino, por exemplo. “A orquestra não toca o suficiente, não cumpre seu papel de educação musical e difusão da cultura erudita. Ela poderia ser até um dos instrumentos de atração de pessoas de fora do Estado para o Recife”, comenta o vereador.

Para Mizael, esse é o ponto fundamental. “Queremos que a sinfônica, a mais antiga do Brasil, volte a ser parte do marketing cultural do Recife. Estamos em uma das cidades mais promissoras, se não a mais promissora, no campo musical, e temos uma orquestra que está resumida a dez concertos anuais, sempre dentro do Teatro de Santa Isabel”, lamenta o músico.

Procurado para falar sobre a OSR, o maestro Marlos Nobre disse que não comentaria o assunto. Já a Fundação de Cultura, por meio de nota, destacou a atuação da OSR, mesmo em um “delicado momento econômico”.

“A Prefeitura do Recife assegurou o pleno funcionamento da Orquestra Sinfônica do Recife, com remuneração garantida e definida pelo Plano de Cargos e Carreiras implantado em 2015, para atender um pleito histórico dos músicos, que praticou reajustes de até 50% nos salários. Também foi assegurado um calendário regular com apresentações mensais para o público em geral, no Teatro de Santa Isabel, precedidas sempre por concertos-aulas, dedicados à formação de público. Foram 19 encontros com o público no ano passado”, diz o texto. “Sobre concursos, contratações e eventuais mudanças no calendário de apresentações da Orquestra Sinfônica do Recife, a Prefeitura do Recife mantém permanente diálogo com os músicos e maestro sobre adequações necessárias e possíveis.”

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