Tristes esperanças. Por José Paulo Cavalcanti Filho

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José Matheus Santos

Publicado em 04/06/2021 às 7:28
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Por José Paulo Cavalcanti Filho*, no artigo semanal no Jornal do Commercio

Patrícia levantava cedo, como todos os professores, e voltava para casa à noitinha. História de antes da pandemia. Em verdade, quase mais ninguém volta para casa. Nos dias que correm, volta-se para apartamento. O de Patrícia fica no Edifício Simone de Beauvoir, no Parnamirim (Recife). Zefinha trabalha nesse apartamento. Não sabe ler. E decidiu que precisava aprender. Para anotar os recados. Para entender as receitas, na cozinha. Para andar de ônibus sem ter que pedir favor a quem está na fila, querendo saber qual é. Mas, sobretudo, porque seu filho, Luiz Henrique, começou a ser alfabetizado na escola. E seria uma vergonha, para ela, não ser capaz de ajudá-lo nos deveres-de-casa. Várias colegas de profissão, no edifício, também não haviam estudado antes por quase as mesmas razões dela: horários das aulas incompatíveis com o trabalho, não conseguir aprender na mesma velocidade que a das crianças, vergonha por estar em classe com pessoas tão mais jovens.

Patrícia decidiu ajudar essa gente. Sem intenção de reproduzir, nas aulas que daria, os currículos escolares tradicionais. Não fazia sentido, para ela. Passou a ensinar, apenas, o fundamental para ser cidadão. Ler e escrever. Saber digitar calculadoras (baratas, no mercado) em vez de exigir, dos próprios alunos, que soubessem fazer as complicadas 4 operações matemáticas. Além de conceitos econômicos como lucro, prejuízo e troco. Mesmo sem haver literatura sobre esse novo método. Assim tudo começou. E cresceu. Zefinha trouxe amigas do edifício. E mais gente foi aparecendo. Patrícia decidiu estimular outros, em edifícios próximos, a fazer o que estava fazendo.

Foi como febre. O que no começo era apenas um jeito de ajudar Zefinha, passou a ser imitado. Há uma energia enorme, no coração das pessoas comuns, esperando para ser despertada naquele momento mágico que separa o criticar do fazer. As grandes transformações começam assim. Por dentro. Conversei com Cristovam Buarque, então Ministro da Educação, que se encantou com a simplicidade do programa. E pelo fato de que funcionava, no mundo real, e a um custo muito baixo. Havia esperanças no ar.

P.S. Pouco depois, Lula demitiu Cristovam. Por telefone. E, hoje, Patrícia Cavalcanti Arruda, a professora, é só saudade. Como dizia Pessoa (O Andaime), o tempo “Leva não só as lembranças/ Mas as mortas esperanças”.

*José Paulo Cavalcanti Filho é jurista.

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