COMBATENDO FAKE NEWS

Conheça o Sleeping Giants: iniciativa que ataca o "bolso" de quem propaga fake news

Coletivo de ciberativistas trabalham para desmonetizar sites que propagam desinformação

Carolina Fonsêca
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Carolina Fonsêca
Publicado em 29/05/2020 às 19:47 | Atualizado em 29/05/2020 às 23:07
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Os perfis brasileiros dos ciberativistas já tem mais de 300 mil seguidores no Twitter e passa dos 110 mil no Instagram - FOTO: REPRODUÇÃO/TWITTER

Com o objetivo de combater sites que publicam fake news, uma iniciativa que surgiu nos Estados Unidos, após as eleições presidenciais de 2016, foi importada para o Brasil há menos de duas semanas. Em pouco tempo a iniciativa já colhe resultados expressivos e protagonizou um episódio envolvendo, inclusive, dinheiro público investido em publicidade pelo Banco do Brasil. O Sleeping Giants, "Gigantes Adormecidos", em tradução livre, que utiliza um método simples, mas até o momento eficaz para combater fake news, ataca o bolso dos sites que veiculam notícias falsas. Os perfis brasileiros dos ciberativistas já têm mais de 300 mil seguidores no Twitter e passam dos 110 mil no Instagram. 

Eles identificam a publicidade de grandes marcas em sites que publicam fake news, printam as páginas e jogam nas redes sociais, marcando as empresas e pedindo que removam o anúncio para, dessa forma, desmonetizar esses canais de notícias falsas. Tanto os administradores da conta quando apoiadores da iniciativa são estimulados a printar os anúncios em sites desse tipo e compartilhar nas redes sociais marcando o Sleeping Giants e as empresas em questão.

No Twitter, o perfil em português foi criado no dia 18 de maio deste ano e se descreve como "um coletivo de ciberativistas que combate discursos de ódio e notícias falsas. Visa persuadir empresas a removerem suas propagandas dos meios de comunicação de extrema-direita e que publicam notícias falsas."

Em seus primeiros tweets, o Sleeping Giants do Brasil informou aos seguidores que têm o foco em "sites extremistas ou de fake news que contenham propaganda de alguma marca real".

No Instagram, um dos destaques explica que, ao investigar quem eram os responsáveis por patrocinar notícias racistas, sexistas, xenofóbicas, homofóbicas e antissemitas, significativamente proliferadas nas eleições estadunidenses de 2016, a iniciativa descobriu que os anunciantes eram muitos. Mas nem todos sabiam que estavam pagando anúncios em sites que publicavam este tipo de conteúdo em razão da sua "publicidade programática", que é "uma rede de algoritmos complexos que segmenta indivíduos ao invés de sites específicos" detalha. Com esta informação, o Sleeping Giants começou a avisar as empresas sobre a existência desses anúncios, enfraquecendo os portais que publicam fake news.

"Nossa missão é fazer com que o fanatismo e o ódio não sejam lucrativos", explicou em entrevista ao Jornal do Commercio Nandini Jammi, publicitária e co-fundadora do Sleeping Giants dos Estados Unidos, perfil que desencadeou o movimento no mundo. Os responsáveis pelo perfil brasileiro preferem não se identificar para não sofrerem ameaças, mas também responderam perguntas do JC. "O povo está cansado de ver mentiras sendo propagadas como se fossem verdade, tendo identificado no movimento uma forma de combater o discurso de ódio e a propagação de Fake News, inclusive do governo", disse em contato via e-mail, intermediado pelos norte-americanos. 

O Jornal da Cidade Online

O alvo número 1 do Sleeping Giants Brasil foi o portal de notícias Jornal da Cidade Online. Depois de identificar que o veículo em questão publica notícias falsas, o perfil do SG postou prints de tela dos anúncios aparecendo nas páginas do portal nas redes sociais e marcou as empresas anunciantes, pedindo que elas removessem as propagandas.  

"Nos embasamos em um relatório organizado pelo site “Aos Fatos”, especialista em fact checking. Eles constataram que aquele site foi o que mais divulgou notícias falsas nas eleições de 2018. Para se ter uma ideia do forte alcance do site, em abril, por exemplo, ele chegou a alcançar cerca 34 milhões de acessos, tornando-se uma grande fonte de falsidades. Vale lembrar que as eleições de 2018 estão sendo, neste momento, investigadas por uma comissão parlamentar de inquérito, em face das denúncias de que os candidatos teriam se aproveitado da propagação de Fake News", disse o Sleeping Giants sobre o caso do Jornal da Cidade. 

O coletivo de ciberativistas já alertou mais de 30 empresas sobre publicidade veiculada a portais conhecidos por propagar notícias falsas. Marcas como Mercado Livre, Domino's, McDonald's, Senac São Paulo, Nescafé, Dell, Claro, Tim, Submarino, Samsung, Fiat e Banco do Brasil já foram avisadas pela iniciativa. O Sleeping Giants também mencionou anúncios de veículos de comunicação e audiovisuais como a Folha de São Paulo, Telecine e Canal History Brasil.

Em nota, o Jornal da Cidade Online chamou o movimento de "pura canalhice" e afirmou que o Sleeping Giants promove censura. 

"As fake news, aliás, são perigosas para o País de várias formas, pois impactam desde questões políticas até a própria saúde pública. Não é coincidência que, desde que o coronavírus chegou ao Brasil, já tenhamos tido dois ministros da saúde e, enquanto escrevo isso, faz 12 dias que o Brasil não tem um ministro definitivo da saúde no cargo. É como se a covid-19 e as fake news competissem para ver quem se espalha mais rapidamente pelo Brasil afora. Como resultado, não há qualquer segurança nas informações, seja do lado político ou da saúde. Não sabemos em quem confiar", afirmou o representante.

 

Anúncios do Banco do Brasil e o dinheiro público financiando fake news

O Banco do Brasil foi uma das empresas alertadas por ter publicidade no Jornal da Cidade Online. O BB retirou o conteúdo, mas o vereador Carlos Bolsonaro (Podemos), contrário ao movimento Sleeping Giants, criticou a retirada do anúncio. Depois disso a empresa decidiu voltar atrás e restabelecer a publicidade no portal acusado de produzir desinformação.

O presidente do banco, Rubem Novaes, defendeu o desbloqueio e o Banco do Brasil restabeleceu a verba no mesmo dia da denúncia de Carlos Bolsonaro, até que o Ministério Público Federal (MPF) interviu. "Felizmente, essa questão foi revista no dia de hoje (27 de maio). A pedido do Ministério Público Federal, o Tribunal De Contas da União determinou que o Banco do Brasil suspendesse a veiculação de seus anúncios em portais de reputação duvidosa. Essa suspensão demonstra que a suspeita de interferência foi clara e só podemos esperar que seja apurada com a devida importância", contou o administrador.  

"Acreditamos que estamos, na verdade, ajudando o País, ao alertar sobre certas aplicações do dinheiro público. Os governantes sempre dizem que o dinheiro público está escasso, mas sendo bem empregado; porém, ao contrário de suas declarações, ele está financiando portais que promovem a desinformação e atentam contra a estabilidade democrática. É realmente triste assistir o aparelho governamental interferir e fazer uso do dinheiro do povo para emprega-lo em discursos odiosos e na disseminação de notícia falsas, visando apenas o ganho político em seu favor", acrescentou.

Sleeping Giants norte-americano, o início de tudo

Logo após a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, Nandini e Matt Rivitz, também publicitário, notaram a presença de propagandas de grandes empresas em sites que propagavam ódio, racismo, sexismo e notícias falsas. Então, iniciaram o movimento nas redes sociais, printando os anúncios, postando e marcando as empresas para que pudessem ver e adicionar os sites em questão nas suas "blacklists", uma lista de bloqueio da programação de anúncios online.

Não é um boicote - sabemos que as marcas não sabem onde seus anúncios estão sendo exibidos e querem dar a eles a oportunidade de responder e agir"
Nandini Jammi, publicitária e co-fundadora do Sleeping Giants

A dupla comandou os ciberativistas de forma anônima por dois anos, quando o The Daily Caller revelou a identidade de Matt. Jammi contou que tanto ela quanto Matt já receberam ameaças, mas nunca foram atingidos fisicamente. Ela disse ainda que o Sleeping Giants é feito por voluntários e que há uma loja de produtos do coletivo cujo lucro é investido na campanha. 

"Também nos concentramos em tecnologia e mídia. Por exemplo, alertamos os anunciantes de que seus anúncios estão sendo exibidos em sites que disseminam ódio, pressionamos as plataformas tecnológicas para impor seus Termos de Serviço/Diretrizes da comunidade, removendo supremacistas brancos, teóricos da conspiração e outros maus atores. Também lideramos campanhas pedindo aos anunciantes que deixassem de lado apresentadores da Fox News, como Bill O'Reilly e Tucker Carlson. (O'Reilly era culpado de assédio sexual e Carlson usa seu programa para promover propaganda nacionalista branca.)", detalhou Nandini. 

"Não é um boicote - sabemos que as marcas não sabem onde seus anúncios estão sendo exibidos e querem dar a eles a oportunidade de responder e agir", destacou.

 

Publicidade programática

Esse tipo de anúncio em sites é feito por meio do Google, utilizando a publicidade programática. Com esse método de anunciar, não é a empresa que decide em qual site específico seu anúncio irá aparecer, mas sim uma ferramenta do Google que direciona os anúncios a partir de filtros pré-definidos pelas empresas.

Em entrevista a Folha de S. Paulo, Matt Rivitz afirmou que é contrário a essa forma de operar. “O Google faz o mínimo possível para punir e evitar que anúncios financiem sites com visões extremistas, eles não querem nunca assumir o papel de moderar conteúdo", disse.

O Google tem um filtro que barra automaticamente sites que divulgam conteúdo relacionado a violência, incitação ao ódio, drogas e temas adultos de cunho sexual. Entretanto, conteúdos políticos não tem esse filtro: a regra é não atuar como regulador. A empresa afirma ter políticas contra conteúdo enganoso nas plataformas e trabalhar para destacar conteúdo de fontes confiáveis.

O bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, porém, é permitido. Além disso, o Google gera relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.

Citação

Não é um boicote - sabemos que as marcas não sabem onde seus anúncios estão sendo exibidos e querem dar a eles a oportunidade de responder e agir"

Nandini Jammi, publicitária e co-fundadora do Sleeping Giants

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