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Estudos mostram por que caímos em notícias falsas

Pesquisas sugerem que o ambiente onde consumimos notícias e processos cognitivos influem para que caiamos em desinformações

Débora Oliveira
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Débora Oliveira
Publicado em 01/07/2020 às 11:36 | Atualizado em 10/12/2020 às 15:24
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Segundo estudo, pessoas mais jovens consomem menos páginas hiper-partidárias que os mais velhos - FOTO: Reprodução: Unsplash

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Matéria produzida pelo projeto Confere.ai em parceria com o Jornal do Commercio. - confere.ai

Cair em desinformação não é consequência de burrice. Um estudo publicado pelo pesquisador em desinformação da Universidade de Regina, nos Estados Unidos (EUA), Gordon Pennycook, sugere que há um papel causal entre o uso da emoção e a crença de que informações falsas são verdadeiras.

No estudo de Pennycook, um grupo de pessoas analisou algumas manchetes verdadeiras e falsas sobre o novo coronavírus. Quando questionados sobre a precisão das declarações, em cerca de 25% das vezes os participantes julgaram uma notícia falsa como verdadeira. Ao serem questionados se compartilham as manchetes falsas, no entanto, 35% afirmaram que sim.

Os resultados parciais do estudo (ainda sem peer review, uma revisão da pesquisa feita por outros cientistas) sugerem que a confiança em nossos instintos pode potencializar a crença na desinformação no ambiente online. Pois, como disse Pennycook à BBC: "As mídias sociais não incentivam a verdade, o que elas incentivam é o engajamento”.

As redes sociais e a polarização do debate

Desde 2016, o projeto Monitor do Debate Político no Meio Digital, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo, estuda como os usuários de redes sociais têm se comportado em relação ao conteúdo político disponível na rede. “O fenômeno central [das pesquisas do Monitor] é o que a gente chama de mídia hiper-partidária. Quando você tem veículos de mídia produzindo um conteúdo com uma carga muito forte em uma certa narrativa”, explica o coordenador do projeto, Márcio Moretto.

No livro Network Propaganda: Manipulation, Disinformation and Radicalization in American Politics, do Yochai Benkler, Robert Faris e Hal Roberts, os autores argumentam que no ambiente informacional os meios de comunicação competem pelo ineditismo e veracidade dos conteúdos. “Quando isso acontece com os meios que chamamos de hiper-partidários, eles não estão competindo pela veracidade e ineditismo, eles competem para quem melhor se adequa às identidades do público deles”, afirma Moretto. Nesses casos, a veracidade é menos importante para os produtores de conteúdo que o impacto causado no público.

Em uma pesquisa de 2018, o Monitor do Debate Político identificou que pessoas mais velhas, entre 41 e 60 anos, interagem mais com páginas hiper-partidárias. Dos entrevistados, 70% tinham ensino superior.

Atualmente, o grupo investiga algumas hipóteses para definir as razões pelas quais os mais velhos tendem a engajar com páginas mais polarizadas. Uma delas aponta que há uma questão de idade no sentido de acesso aos meios informacionais. Então esta hipótese seria de que os mais jovens estariam mais acostumados aos meios de comunicação. “É uma questão de media literacy, os mais jovens cresceram no ambiente da internet e teriam mais facilidade para lidar com esse ambiente informacional novo e seriam menos suscetíveis a esse tipo de comunicação apelativa. Eles interpretariam esse conteúdo como uma espécie de spam e não consumiriam esse tipo de informação ”, conta Moretto.

Em 2016, cerca de 12 milhões de usuários do Facebook acompanhavam páginas hiper-partidárias na rede social. Para Moretto, esse é um terreno propício para a circulação de desinformação. “No ambiente polarizado, as pessoas estão tão apaixonadas por suas posições políticas que se preocupam mais em reforçar suas identidades do que em receber um conteúdo que desafie suas crenças. Então esses 12 milhões de usuários seriam usuários que estão propensos de alguma forma a consumir desinformação”, comenta. A partir de parcerias com agências de checagens, os conteúdos acompanhados pelo Monitor são classificados como desinformações ou verídicos.

Apesar disso, a orientação partidária em si não é um vetor de desinformação, mas o processo de produção do conteúdo, quando fundamentado no apelo às emoções, é que pode influenciar os usuários a acreditarem em notícias deturpadas.

O que diz a psicologia

Quando as emoções são o fator chave de competitividade pela atenção, e o usuário ignora uma leitura crítica da mídia, o lado irracional se encarrega da tarefa de examinar o conteúdo das informações. Alguns conceitos da psicologia social estudados há décadas examinam quais aspectos humanos influenciam as decisões sobre o que considerar verdadeiro ou falso. Conheça-os:

Viés de confirmação: É definido como uma tendência humana a buscar a confirmação de crenças preexistentes. O conceito foi proposto na década de 60 pelo psicólogo norte-americano Peter Wason.

Em um estudo de 1979, pesquisadores da Universidade de Stanford, nos EUA, identificaram que pessoas com convicções fortes sobre determinado assunto tendem a interpretar evidências de forma enviesada. O experimento reuniu dois grupos de universitários: um era a favor da implementação da pena de morte nos Estados Unidos e o outro, contra. Quando os participantes foram solicitados a classificar duas pesquisas com argumentos opostos em relação ao assunto, as hipóteses iniciais dos pesquisadores foram confirmadas. O grupo a favor da pena capital atribuíra melhor qualidade à pesquisa que confirmava a eficácia do processo enquanto o outro valorizou o estudo com posições contrárias.

Quando confrontamos esse viés com um desmentido de uma notícia falsa, causamos um desconforto psicológico, denominado dissonância cognitiva.

Para reduzir esse desconforto, o cérebro busca alternativas que sustentem nossas crenças. Em uma série de artigos para a Rede de Blogs da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) o cientista social Davi Carvalho expõe três processos comuns que podemos adotar involuntariamente:

  • Alterar a crença inicial, sem abandoná-la: quando fazemos isso, adaptamos nossa convicção inicial para se adequar ao novo contexto.
  • Banalizar a contradição: acontece quando o cérebro rejeita as fontes das evidências.
  • Raciocínio motivado: nesse caso, analisamos os dados da informação para identificar contradições e falhas que nos ajudem a descartar a informação de forma “justificável”.

Realismo ingênuo: O realismo ingênuo revela uma predisposição humana a considerar nossa percepção da realidade como um retrato preciso. De acordo com o professor Adam Waytz, da Kellogg School Of Management At Northwestern University, nos EUA, “o realismo ingênuo ajuda a explicar a discrepância em nosso discurso político: em vez de não concordarmos com nossos adversários, nós o difamamos”.

Um exemplo dele, talvez, esteja atrelado à popularização do termo “fake news” durante as eleições presidenciais dos EUA em 2016, quando o então candidato republicano, Donald Trump, utilizava a expressão como ofensiva ao conteúdo de jornais norte-americanos cujo teor não fosse de seu agrado.

Como contornar os vieses psicológicos ao consumir informações


Segundo Pennycook, entender quais fatores nos impulsionam a compartilhar desinformação é essencial para pensarmos em intervenções. No contexto da pandemia, isso é ainda mais importante, defende o pesquisador.

Para mitigar os efeitos desses fatores, o professor Waytz defende que alertar as pessoas sobre eles é um caminho possível. “Um fato encorajador é que há provas de que, quando alertamos as pessoas sobre seus preconceitos, elas tendem a sucumbir menos a eles. Um estudo envolvendo israelenses e palestinos — dois grupos que são notoriamente entranhados em um realismo ingênuo — demonstraram que, quando o conceito de realismo ingênuo foi explicado a eles, os grupos se tornaram menos hostis um com o outro. Quando foi dito a eles: 'Ei, existe este viés', até os mais radicais entre eles se tornaram mais conciliadores”, escreveu Waytz.

Carvalho indica a consulta a agências de verificação de fatos e, no caso de uma provável dissonância cognitiva, buscar outras fontes que provem a falsidade do conteúdo. “Há evidências de que existe um ‘tipping point’ (ponto de inflexão) do raciocínio motivado, isto é, ele não segue ocorrendo para sempre”, escreveu o pesquisador.

Como apontado por Moretto, os usuários cuja compreensão dos meios de comunicação é maior podem ter mais facilidade para distinguir informações polarizadas na rede e não cair em mentiras. Nesse sentido, ter o domínio de habilidades de análise crítica sobre os produtos e serviços que consumimos na mídia pode diminuir nossa probabilidade de cair em desinformação em ambientes hiper-polarizados.

>> Saiba como a educação midiática pode ajudar no combate às desinformações

É importante, também, checar as informações que você recebe, seja das páginas que você segue, ou de seus contatos. Nem tudo poderá ser checado pelas agências de verificação. Para isso, existem alguns hábitos que você pode inserir na sua rotina de consumo de notícias:

Busque a autoria da notícia

Frequentemente, as notícias falsas não reivindicam uma autoria de seu conteúdo. Quando uma matéria não vem assinada por um autor, pode ser uma desinformação. Além disso, verifique se o título da notícia possui um apelo emocional. Matérias com manchetes “bombásticas” tendem a terem maior preocupação com os cliques no link do que com a veracidade do conteúdo.

Procure outras fontes

Se a notícia é verídica, provavelmente outros meios de comunicação ou órgãos oficiais estão falando sobre o assunto. Para checar outras fontes, você pode copiar o título da notícia, jogar em um buscador, ver se algum site confiável noticiou ou se alguma agência de checagem já desmentiu. Se nenhum outro site está falando sobre o evento, pode não ter acontecido.

Utilize ferramentas digitais para checar

Quando a notícia utiliza recursos como imagens e áudio, você pode usar o google busca reversa e conferir se a imagem já foi publicada antes, em outro contexto. Para a checagem de vídeos, você pode utilizar o invid, uma extensão para o google chrome ou firefox. Nesta ferramenta você pode checar os metadados do vídeo e ver, por exemplo, onde aquele vídeo foi originalmente publicado. Além disso, pode ver o vídeo por frames e checar uma imagem em separado, ou utilizar a função "zoom" e ver a imagem detalhada.

Confere.ai

Uma nova ferramenta está sendo desenvolvida pelo SJCC em parceria com a Universidade Católica de Pernambuco e a startup Verific.ai: o Confere.ai. Na ferramenta, que pretende se juntar a opções de checagem disponíveis, você poderá checar automaticamente se um link ou texto que recebeu têm indícios ou não de desinformação, de acordo com os critérios do Confere.

Caso tenha interesse em ser um dos primeiros a testar a plataforma, e receber notícias sobre o projeto em primeira mão, cadastre-se no formulário abaixo:

Fontes:

Psychology Today, Kellogg School Of Management At Northwestern University, Blogs Unicamp, Monitor do Debate Político no Ambiente Digital e BBC.

 

Conheça o Confere.ai

O Confere.ai, uma ferramenta de checagem automática de notícias e de produção de conteúdos sobre desinformação desenvolvida pela startup Verific.ai e pesquisadores da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) junto ao Sistema Jornal do Commércio de Comunicação (SJCC). O projeto tem o objetivo de ampliar a cultura da verificação e criar mecanismos para ajudar a audiência a identificar de forma mais rápida e segura conteúdos falsos ou enganosos. Para acessar, basta entrar no site confere.ai ou buscar nas páginas iniciais dos sites do SJCC.

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Matéria produzida pelo projeto Confere.ai em parceria com o Jornal do Commercio. - FOTO:confere.ai

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