ENGANOSO

Site engana ao afirmar que há consenso médico para tratamento de covid-19

Comprova conversou com três das seis autoridades médicas citadas pelo site e nenhuma delas soube informar quem criou a página ou mesmo quem pagou para que fosse publicada

JC
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JC
Publicado em 08/07/2020 às 8:50 | Atualizado em 08/07/2020 às 9:32
Projeto Comprova
Site ficou fora do ar entre os dias 3 e 7 de julho - FOTO: Projeto Comprova

Conteúdo verificado: Site Covid Tem Tratamento Sim, que afirma que “após meses observando o desenvolvimento da covid-19 em vários países, a comunidade médica internacional tem a convicção de uma estratégia de tratamento resolutiva para a covid-19”. A página, que ficou fora do ar entre 3 e 7 de julho, informava os medicamentos para o “tratamento”.

São enganosos o conteúdo e a proposta do site “Covid Tem Tratamento Sim”, lançado em junho. A página diz que “após meses observando o desenvolvimento da covid-19 em vários países, a comunidade médica internacional tem a CONVICÇÃO de uma estratégia de tratamento RESOLUTIVA para a COVID-19”. A afirmação foi feita sem comprovação e sem a anuência mesmo de pessoas que supostamente apoiavam a iniciativa. O Comprova conversou com três das seis autoridades médicas citadas pelo site e nenhuma delas soube informar quem criou a página ou mesmo quem pagou para ela ir ao ar – uma delas não sabia nem que o endereço tinha sido lançado.

Segundo Alla Dolganova, médica que atua na Prefeitura de Porto Alegre desde 2009 e diz fazer parte do grupo central que discute as diretrizes nacionais do movimento #CovidTemTratamentoSim, o objetivo dos profissionais envolvidos era criar um site com apoiadores do tratamento precoce contra a doença. Ao Comprova, a médica afirmou que o conteúdo do site ia além disso. No dia 3 de julho, a página foi tirada temporariamente do ar e, conforme afirmou Alla, a remoção aconteceu porque o site citava um coquetel de medicamentos. De acordo com ela, informar o nome das drogas vai contra o que ela mesma e outros profissionais acreditam. “A ideia não era divulgar remédios. Dar o remédio é decisão médica”, afirmou Alla ao Comprova. O portal retornou ao ar em 7 de julho sem citar as medicações nem os profissionais de cada estado que estariam dispostos a receitá-las.

Os medicamentos citados inicialmente pelo site eram a cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e heparina. Diferentemente do que o endereço insinua, nenhum deles tem eficácia comprovada contra o novo coronavírus em nenhuma fase da doença, segundo órgãos como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Organização Mundial da Saúde (OMS).

Como verificamos?

Ao tentar localizar o responsável pelo site, o Comprova levantou dados sobre o registro da página por meio da ferramenta Whois. O conteúdo foi registrado no nome de Maicom França em 12 de junho de 2020. Além do nome, a ferramenta também forneceu o CPF e um endereço de e-mail, informações que, jogadas na busca do Google, levaram até o nome de uma empresa de Maicom – designer gráfico – e contas em redes sociais. Procurado pelo Comprova nas redes, Maicom visualizou, mas não respondeu as mensagens.

O registro também apresentou o nome da empresa Dívea como responsável pela hospedagem do portal. O Comprova identificou um perfil da companhia no Instagram, com postagens sobre o site do movimento, e utilizou as informações fornecidas na rede para entrar em contato. O CEO da empresa, Renan Corrêa, disse que não tinha autorização para divulgar quem o havia contratado.

O Comprova conversou, por telefone, com Nise Yamaguchi, umas das profissionais que aparecia entre as autoridades médicas. Ela disse não saber que o site havia ido ao ar e que não fazia parte do conselho de médicos do movimento. Informou o nome de colegas que poderiam ter mais informações sobre o site e o movimento: Paulo Porto, Dante Senra e Luciana Cruz. O primeiro conversou com a equipe por telefone. Senra não respondeu à mensagem com o pedido de entrevista enviada por Whatsapp no dia 3 de julho, nem atendeu ao telefonema no dia 6. A equipe contatou ainda Luciana Cruz por mensagem direta de Instagram, Facebook e Whatsapp desde o dia 3 de julho e, no dia 7, ela respondeu e conversou com o Comprova por WhatsApp.

Paralelamente, o Comprova entrevistou Alla Dolganova – médica citada pelo portal como defensora do “tratamento precoce” –, que indicou outro médico que seria o “Relações Públicas” do grupo. Contatado pela nossa equipe, o profissional afirmou ser apenas um dos responsáveis por reunir as informações médicas do Rio Grande do Sul e disse que a médica Vânia Brilhante, que atua no Pará, era uma das líderes. Consultada por telefone, Vânia negou a informação.

O site também fornece depoimentos de pessoas que supostamente teriam obtido sucesso no tratamento da covid-19 seguindo o protocolo defendido pelos médicos. O Comprova conversou por telefone com o autor de um dos depoimentos, Fabricio Oliveira, prefeito de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. O depoimento do prefeito foi retirado do site após ele ter ficado temporariamente fora do ar.

Também levantamos informações sobre as medicações citadas como eficazes no tratamento contra a covid-19. Utilizamos como base publicações científicas, informações da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e da Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana. Além disso, recorremos a outras investigações feitas pelo Comprova sobre medicamentos usados no combate à doença.

Por fim, questionamos o Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina, por e-mail, para saber se os órgãos sabiam da iniciativa. As respostas enviadas apontaram que ainda não há comprovação científica sobre a eficácia das medicações no tratamento da covid-19.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 7 de julho de 2020.

Registro do site

Na tentativa de localizar quem colocou o site no ar, com o Whois, o Comprova chegou ao nome de Maicom França. A ferramenta também forneceu o CPF e um endereço de e-mail de França.

Fazendo uma busca no Google utilizando o e-mail registrado, o Comprova encontrou um registro de CNPJ no mesmo nome e endereço de e-mail, ligado à empresa “Maicom Fg Designer Gráfico”, localizada em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Consultamos o CNPJ no site da Receita Federal e encontramos o registro da empresa, de mesmo nome, e-mail e endereço, e um número de telefone para contato.

O Comprova tentou entrar em contato com Maicom pelo telefone, mas não foi possível completar a ligação. Pesquisamos o nome completo registrado no CNPJ no Facebook e encontramos o perfil de um designer gráfico em Balneário Camboriú, com informações similares às da empresa pesquisada, incluindo o e-mail. Também encontramos um perfil no Instagram vinculado à conta e enviamos mensagens nas duas redes sociais. Maicom visualizou as mensagens, mas não respondeu até a publicação desta investigação.

No registro do domínio também há o contato de uma empresa de nome Dívea.

Fizemos uma busca pela empresa no Instagram e encontramos uma postagem em um perfil, datada de 2 de julho, em que a companhia anunciou que estava fazendo a hospedagem do site do projeto.

O Comprova digitou o nome completo da empresa no Google e encontrou um número de CNPJ. Ao fazer a consulta no site da Receita Federal, os dados de e-mail do cadastro eram os mesmos informados no registro do domínio. O cadastro da Receita apresentava um telefone, mas ao ligar para o número, o Comprova foi atendido por um escritório de contabilidade que alegou não trabalhar mais com a Dívea há pelo menos três anos.

De volta ao Instagram da empresa, o Comprova encontrou um número para contato e telefonou para perguntar quem teria contratado a companhia para colocar a página no ar. Fomos atendidos pelo CEO, Renan Corrêa, que afirmou só prestar “serviço para um grupo de empresários” e que não tinha certeza se poderia divulgar quem o contratou. Ele pediu alguns minutos para falar com o empregador, mas em outra ligação, Renan disse que “não tinha autorização para falar nada sobre isso”.

Quem são os médicos citados?

O site afirma que há 17 médicos “comprometidos com o tratamento precoce” de seus pacientes. Eles estariam distribuídos entre 12 unidades federativas: Alagoas, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo.

O Comprova conversou por telefone com uma das profissionais citadas, Alla Dolganova, médica russa especializada em pneumologia e com PhD em virologia que está há 20 anos no Brasil. Alla é integrante do comitê organizador de um estudo sobre a opção médica no tratamento precoce da covid-19, feito no Rio Grande do Sul, estado onde trabalha. Defensora de que há comprovação em certos tratamentos de combate à doença, ela disse em entrevista ao Comprova, por telefone, que não recebeu nenhum convite para integrar o movimento, mas que seu interesse em se unir a outros médicos foi espontâneo. Alla disse ser parte do grupo central que discute as diretrizes nacionais do movimento. “Nossa ideia é criar um site com apoiadores de tratamento precoce. Somos um grupo de oito pessoas à frente desse movimento. Elaboramos orientações para os médicos que querem aderir. Temos quase 400 assinaturas de médicos nos apoiando”, declarou.

Alla também observou que o movimento foi dividido nas cinco regiões do país e que cada estado tem um grupo próprio no WhatsApp: “Tem muitas lives saindo sobre este projeto, com médicos, empresários, jamais imaginávamos que iria crescer tanto esse movimento. Só no Rio Grande do Sul, somos oito.” Segundo ela, além dos grupos estaduais e regionais, há um grupo de WhatsApp nacional.

Em 3 de julho, o site teve a maior parte do conteúdo removido, incluindo recomendações sobre o uso de determinados medicamentos no tratamento do novo coronavírus e a relação de médicos “comprometidos com o tratamento precoce” em cada estado.

“Avisei que não concordava em dar nome de medicações. O site saiu do ar porque vários colegas começaram a reclamar. A ideia não era divulgar remédios. Dar o remédio é decisão médica. O médico tem que analisar e descobrir que fase que está o tratamento e aí tratar. Somos a favor de tratamento precoce, como em qualquer doença viral. Cada vez mais há mais trabalhos sobre isso. Tem de começar o tratamento mais cedo possível para não chegar na UTI. Quando o paciente começa a sentir falta de ar, já está com 50% do pulmão acometido”, disse Alla.

A fala da médica russa sobre a existência de um movimento e a divisão dele por estados foi rebatida pela infectologista Vânia Brilhante, que atua no Pará. Vânia foi apontada por um dos médicos que integra as discussões, e preferiu não se identificar, como uma das “cabeças” do movimento no estado – ela negou. “Não sei se tem algum movimento. Tem um grupo de médicos que acredita nisso, não sei se o nome disso é movimento”, disse ela ao Comprova em 3 de julho.

Questionada sobre quem colocou o site no ar, disse não saber e não ter autorizado o uso de seu nome: “Não fui eu, nem sei também. Estou tentando entrar em contato com essa pessoa, que botou o meu nome lá, inclusive. Se descobrir você me conta”.

Vânia afirmou que há grupos de médicos no WhatsApp discutindo essas questões, mas não respondeu se alguém havia tomado a frente e formalizado a iniciativa de lançar um site. Ela alegou que não tem tempo para ler todas as mensagens que chegam pelo aplicativo.

Procurada novamente no dia 7 de julho para saber se havia descoberto quem colocou o site no ar, a médica disse que havia conversado sobre o assunto com o filho advogado. “Quero saber quem autorizou a fornecer meus dados para um site que não tenho ciência”. Questionada se tomaria alguma providência sobre o caso, Vânia se esquivou da resposta e disse que estava muito ocupada.

Autoridades médicas

O site apresenta seis “autoridades médicas”: Nise Yamaguchi, Roberto Zeballos, José Henrique Andrade Vila, Dante Senra, Paulo Porto, Cassio Prado. O Comprova falou com três delas. Nise Yamaguchi disse ser “participante voluntária” do “Covid Tem Tratamento Sim” e não soube dizer quem teve a ideia de colocar a página virtual no ar. “Ainda não vi o site”, disse ela, em entrevista por telefone no dia 3 de julho.

Outro médico com quem o Comprova conversou foi o neurocirurgião Paulo Porto. Ele contou que os médicos do “Covid Tem Tratamento Sim” formam um “grupo apartidário, voluntário, sem interesse financeiro e com competências complementares na questão do combate à pandemia”. Porto diz que o colapso no sistema de saúde de Belém, no final de abril, fez com que médicos do país todo começassem a conversar sobre possíveis caminhos. “E, aí, a gente começou a tentar adaptar o que tinha de protocolo e montou um grupo, fez umas lives, umas reuniões no Zoom só para médicos para contar a experiência que o pessoal teve lá, falar um pouquinho de gestão de crise, e a coisa foi ganhando força.”

Assim como Vânia Brilhante e Nise Yamaguchi, Porto também não soube informar quem criou o site. “Olha, não sei te dizer [quem criou a página]. Na verdade, eu fui informado que meu nome iria para esse site”, contou. “Não diria que eu sou um dos organizadores, eu sou um dos componentes desse grupo. Não vejo ali uma cabeça. As pessoas foram se agregando por acreditarem em princípios semelhantes e a coisa foi andando.”

Resposta semelhante deu Roberto Zeballos, outra das “autoridades médicas” do site. “Não sei quem é o dono. Sei que foi iniciativa de gente que apoio, que quer que o tratamento saia, mas não sei exatamente quem soltou. Me ligaram e perguntaram se eu ajudaria em um site. E, se for para ajudar, estou à disposição”. E, depois, acrescentou: “É um projeto de uma comissão de cientistas que, no caso, me incluíram.” Zeballos não disse quem ligou para ele para informar do site e sugeriu contatar outros colegas para saber de quem era a propriedade da página. O médico já apareceu em duas verificações do Comprova. A primeira delas, de 22 de abril, era sobre um post viral que, com base em uma entrevista com ele, afirmava que infectologistas e imunologistas tinham descoberto a “cura oficial” da covid-19. Na gravação, Zeballos dizia ter resultados animadores, mas ele mesmo rejeitava a tese de que o método pudesse ser considerado uma cura. A segunda investigação, do dia 5 de maio, classificada como enganosa, era sobre o fato de Zeballos ter declarado que o novo coronavírus “veio de um laboratório de Wuhan”.

Outra médica com quem o Comprova conversou foi a anestesiologista Luciana Cruz. Segundo Nise Yamaguchi, ela é uma das organizadoras dos médicos que se uniram e estavam listados no site. Questionado se conhecia Luciana, Paulo Porto afirmou que sim e que “ela faz parte do conselho desse grupo, e ela teve uma atuação bastante intensa nesse episódio do Pará”. Mas Luciana disse não ter “nada a ver com o site” e que deveria ter havido algum equívoco, pois seu nome sequer estaria no endereço virtual.

O Comprova enviou, então, uma imagem captada antes de a página sair do ar, na qual aparecia o nome e uma foto dela. “Onde é isso? Eu não conheço. Isso é um site?”, perguntou. Luciana declarou não ter autorizado o uso de sua imagem e, depois de ter escrito que não sabia sobre o site, disse que havia visto a página quando foi lançada. Acrescentou que foi apenas moderadora de uma live no canal no YouTube do jornalista Alexandre Garcia, que reuniu vários médicos que aparecem no site e que sua participação na pandemia foi contar o que os profissionais viveram e aprenderam na situação de colapso no Pará.

“Eu defendo duas coisas. Primeiro, o direito do médico de ter autonomia na sua prescrição. Segundo, o direito do paciente de receber ou não os tratamentos off label (quando o medicamento é utilizado para um tratamento diferente do recomendado na bula), de acordo com o que desejar”, ela escreveu. E acrescentou: “quanto ao site, não foi ideia minha. Sei, sim, de várias pessoas que queriam um site onde pudessem juntar todas [as medicações] em um único lugar. Essa era a ideia de várias pessoas, não de uma só. Como essa ideia nunca me agradou, eu procurei não me envolver e nunca quis saber muito sobre isso também”.

Retirada do ar e retorno

Na tarde do dia 3 de julho, o site saiu do ar. Ao clicar no link, surgia a mensagem: “A pedido dos médicos integrantes do CONSELHO CIENTÍFICO e todos médicos envolvidos de vários estados no combate ao COVID-19, o site está temporariamente fora do ar para atualizações de orientações médicas”.

De acordo com Roberto Zeballos, o site “foi lançado sem ciência dos médicos” e “retirado do ar para correções”. “A gente sabia que iam fazer, mas vamos fazer uma revisão. Será um site com as abordagens e protocolos que a gente tem, estudos científicos.” Questionado sobre quais informações precisavam ser revisadas, ele respondeu que “algumas”. Ele citou o fato de ter sido incluído o logo do hospital em que ele atua. “Não quero ter logotipo de hospital nenhum”, afirmou ao Comprova. “Os médicos foram pegos de surpresa com a data de lançamento.”

A médica Luciana Cruz escreveu ter ficado sabendo que “o site incomodou muitas pessoas por ter muitas informações erradas, e por isso tiraram do ar. “Eu nem sabia que tinha a minha imagem, se não teria sido mais uma a reclamar. Confesso que nem sequer acessei e nem tinha visto isso. Você que acabou de me mostrar agora.” Questionada sobre se tomaria alguma medida legal por terem usado sua imagem sem autorização, afirmou: “Parece que o site não voltará, então talvez eu não precise fazer nada, mas vou até procurar saber”.

No dia 7 de julho, o site voltou ao ar com parte do conteúdo modificada. O portal não apresentava mais a relação de médicos que aplicavam o tratamento precoce e nem a lista de medicamentos utilizados no combate à covid-19. O depoimento em vídeo do prefeito de Balneário Camboriú, Fabrício Oliveira, sobre o tratamento também foi removido.

Depoimentos

Uma das áreas do site trazia três depoimentos em vídeo de pessoas que foram infectadas pelo novo coronavírus e se curaram após tratamento com um dos medicamentos que o site recomendava ou uma combinação deles. O Comprova falou com o autor de um dos depoimentos, Fabricio Oliveira, prefeito de Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Oliveira contou ter tomado azitromicina e ivermectina no estágio inicial da doença e não ter tido nenhum sintoma.

Ele declarou ter gravado sete ou oito depoimentos em que contava sobre seu processo de cura e, inicialmente, disse ter cedido uma das gravações para o site. O Comprova pediu, então, para que ele fornecesse o contato da pessoa com quem falou sobre a inclusão do vídeo na página. Oliveira disse que buscaria o nome da pessoa em seu celular e pediu que a reportagem ligasse em seguida. No novo contato, Oliveira mudou a versão. Disse que gravou e publicou vídeos em redes sociais e compartilhou em grupos de conversa, mas que não deu nenhuma autorização para que a gravação fosse utilizada no site. “Todos os vídeos que eu publico, que eu mando, eu não tenho problema nenhum que eles sejam publicados. Agora (no caso do site “Covid Tem Tratamento Sim”), ninguém me pediu nada”, afirmou.

O que se sabe sobre as medicações?

A Organização Mundial da Saúde já divulgou que não existe vacina ou medicamento específico para prevenir ou tratar a covid-19. Os tratamentos aplicados até o momento, explica o órgão, são para “aliviar os sintomas” dos infectados.

Os cinco medicamentos listados pelo site são utilizados para tratamentos distintos. A cloroquina e a hidroxicloroquina são usadas no tratamento de malária e doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatóide. A ivermectina é usada em tratamentos de vermes e parasitas. A azitromicina é um antibiótico, utilizada contra bactérias. E a heparina é um anticoagulante.

Em maio, o Ministério da Saúde publicou orientações a respeito do uso de medicamentos em pacientes infectados pelo novo coronavírus, ressaltando “que não existem evidências científicas robustas que possibilitem a indicação de terapia farmacológica específica para a covid-19”.

A pasta também recomenda que a aplicação da cloroquina seja evitada em associação com determinadas medicações, entre elas a heparina. Um informe da Sociedade Brasileira de Infectologia, publicado em 30 de junho, menciona todos os medicamentos citados acima e reitera que não há comprovação clínica da eficácia de qualquer um deles no tratamento contra a covid-19.

O Comprova já realizou checagens envolvendo todas as medicações acima.

Cloroquina e Hidroxicloroquina

Embora o Ministério da Saúde tenha publicado uma orientação, no início de maio, autorizando o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em casos leves de covid-19, a pasta assinalou que não há comprovação da eficácia dos medicamentos em pacientes com a doença. Em março, a falta de comprovação da eficácia já havia sido apontada pela Saúde ao orientar o uso da cloroquina em quadros graves.

Após a publicação da orientação, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) emitiu uma nota em que “não recomenda o uso da cloroquina e hidroxicloroquina associada, ou não, a azitromicina, enquanto não houver evidências científicas definitivas acerca do seu emprego”. O texto também orienta que, para os pacientes que optarem pelo tratamento, “sejam realizados eletrocardiogramas”, de modo a acompanhar possíveis complicações cardíacas.

A Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac) também emitiu uma nota ressaltando a “ausência de evidências que apontem claramente o benefício do uso deste esquema terapêutico”. A Sobrac recomenda o monitoramento dos pacientes que usem o medicamento para “prevenir a manifestação de eventos arrítmicos potencialmente fatais que podem ocorrer devido a efeitos adversos de um destes fármacos ou da associação entre eles ou com outros fármacos que também possam predispor a distúrbios elétricos cardíacos”.

Em abril, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu um parecer com critérios e condições para a prescrição de cloroquina em pacientes com covid-19. O texto deixa claro que “não há evidências sólidas de que essas drogas tenham efeito confirmado na prevenção e tratamento dessa doença” e determina que médicos expliquem aos pacientes que a medicação não garante eficácia. “O documento do CFM ressalta que o profissional fica obrigado a explicar ao doente que não existe, até o momento, nenhum trabalho científico, com ensaio clínico adequado, feito por pesquisadores reconhecidos e publicado em revistas científicas de alto nível, que comprove qualquer benefício do uso das drogas para o tratamento da covid-19”, diz o CFM.

A cloroquina já havia sido considerada para tratamento de infecções de coronavírus após as epidemias de SARS e MERS. No entanto, não haviam sido feitos testes clínicos em humanos para confirmar a eficácia da droga. Em março deste ano, após a OMS declarar a pandemia do novo coronavírus, um estudo conduzido por médicos do Sul da França sugeriu que a cloroquina poderia ser usada como tratamento para o SARS-CoV-2. Esse estudo foi alvo de diversas críticas e seus resultados foram questionados e considerados anedóticos, ou seja, se tratavam de casos isolados, sem comprovação científica.

Mais tarde, em um comunicado, a International Society of Antimicrobial Chemotherapy e a Elsevier, responsáveis pela revista que publicou o artigo, reconheceram a existência de questionamentos quanto ao conteúdo e anunciaram um novo processo de revisão independente.

Estudos divulgados por algumas das mais importantes revistas médicas do mundo questionaram a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a covid-19. Em maio, o Journal of the American Medical Association (Jama) e o British Medical Journal (BMJ) publicaram que pacientes tratados com as medicações, associadas ou não ao antibiótico azitromicina, não tiveram melhores resultados que aqueles que não receberam os mesmos remédios.

Em junho, pesquisadores do Recovery, estudo clínico conduzido no Reino Unido, afirmaram não haver benefício no uso da hidroxicloroquina em pessoas com covid-19. Dez dias depois, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana, revogou a autorização para um uso emergencial da cloroquina e da hidroxicloroquina para o tratamento da doença nos Estados Unidos. A organização alegou ser improvável que os medicamentos sejam efetivos contra a covid-19.

A OMS também avaliou o uso da hidroxicloroquina como um dos medicamentos para o tratamento da covid-19 através do estudo clínico Solidariedade, que já recrutou pacientes em 35 países. Mas decidiu encerrar os testes com a hidroxicloroquina no dia 17 de junho por não ter sido capaz de identificar redução no número de óbitos entre os pacientes que fizeram uso da droga.

Ivermectina

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a ivermectina está registrada como “medicamento contra infecções causadas por parasitas”.

A FDA libera a ivermectina para humanos no tratamento de vermes intestinais e, também, de parasitas tópicos como piolho e rosácea. A droga também é usada para o tratamento de vermes em diversas espécies de animais. Em abril deste ano, a agência sanitária divulgou uma carta aberta alertando a população a não usar remédios à base de ivermectina como tratamento contra a covid-19. A FDA acrescentou que possíveis efeitos colaterais do uso da ivermectina incluem vômito, diarreia, dor estomacal, erupções cutâneas, eventos neurológicos (tais como convulsões, tontura e confusão), queda repentina da pressão arterial e danos ao fígado.

A ivermectina foi testada como medicação em casos do novo coronavírus em estudo conduzido pelo médico Amit Patel, então ligado ao Departamento de Bioengenharia da Universidade de Utah (EUA). Os resultados mostraram que entre os pacientes que precisavam de ventilação mecânica, apenas 7,3% dos que tomaram a medicação morreram — contra 21,3% dos que não utilizaram o medicamento. No entanto, a pesquisa afirmava que os dados “não devem ser considerados conclusivos, pois fatores de confusão desconhecidos nem sempre podem ser contabilizados de maneira confiável, mesmo quando técnicas de correspondência de propensão são empregadas no desenvolvimento de grupos de controle.”

Em junho a pesquisa foi retirada do ar, porque os dados foram coletados por empresa envolvida em polêmica sobre base de dados internacional usada em estudos sobre hidroxicloroquina. A companhia responsável é alvo de uma auditoria.

Outro estudo sobre ivermectina, feito por pesquisadores da Monash University e do Hospital Royal Melbourne, na Austrália, demonstrou que o medicamento é capaz de matar o novo coronavírus in vitro em 48 horas. Apesar dos resultados, os próprios pesquisadores pediram cautela e alertaram para a necessidade de realizar testes clínicos que avaliem a eficácia do remédio fora do laboratório.

Azitromicina e heparina

Por se tratar de um antibiótico, a azitromicina é utilizada no combate a bactérias —o que não é o caso do SARS-CoV-2, como explicado pela OMS. Segundo o órgão internacional, a covid-19 é uma “doença infecciosa causada por um coronavírus recém descoberto”. Em e-mail enviado ao Comprova, o Ministério da Saúde endossou o que disse a OMS e se referiu ao SARS-CoV-2 como o “vírus por trás da covid-19”.

Já a heparina, por ser um anticoagulante, é indicada na prevenção de tromboses e embolias arteriais ou venosas, segundo a Anvisa. Também é utilizada no preparo de transfusões sanguíneas.

Em entrevista ao Comprova, o Dr. Erich Vinícius de Paula, coordenador de hemostasia e trombose da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), explicou que “tromboses são complicações de quase todas as doenças infecciosas” e que o uso de anticoagulantes busca prevenir a ocorrência delas: “A maioria dos pacientes que está internado em uma UTI, [com um quadro da covid-19] grave ou qualquer outro problema como um AVC ou um infarto, usarão anticoagulantes para a prevenção da trombose”.

No entanto, De Paula alerta que a recomendação da maioria das sociedades médicas de todo o mundo é que uma dose maior de anticoagulantes só deve ser ministrada aos pacientes no contexto de estudos clínicos.

Em abril deste ano, a revista científica Science publicou um artigo sobre a evolução do tratamento de covid-19 com o uso de heparina. No Brasil, a pneumologista Elnara Marcia Negri, do Hospital Sírio Libanês e da Universidade de São Paulo (USP), administra a medicação em seus pacientes. No entanto, ainda não foram realizados estudos randomizados — ou seja, que ministram o medicamento em um grupo e oferecem um placebo a outro grupo — que comprovem a eficácia do tratamento.

O uso de antibióticos, como o caso da azitromicina, foi mencionado pelo médico como um possível complemento a tratamentos de covid-19, já que é possível que o paciente apresente alguma infecção provocada por bactérias ao contrair o novo coronavírus. “Os antibióticos são usados na maioria dos casos graves porque é muito difícil excluir que junto com o vírus não haja uma infecção bacteriana associada, mas é muito importante entender que o antibiótico não é direcionado para tratar do vírus”, explicou.

Autoridades não endossam iniciativa

Procurado por e-mail, o Ministério da Saúde não respondeu se tinha conhecimento de que o site estava no ar e se limitou a responder sobre a eficácia dos medicamentos descritos no” CovidTemTratamentoSim”.

Segundo a assessoria de imprensa da pasta, “até o momento, não há nenhum medicamento, substância, vitamina, alimento específico ou vacina que possa prevenir a infecção pelo coronavírus ou ser utilizado com 100% de eficácia no tratamento” e “a pasta acompanha o desenvolvimento de ensaios clínicos realizados no país para testar a eficácia e segurança do uso de alternativas no tratamento de pacientes com coronavírus (covid-19). Participam destes estudos mais de 100 centros de pesquisas, como universidades e hospitais, reunindo 5 mil pacientes com quadros leves, graves e moderados”.

O Comprova consultou, também por e-mail, o Conselho Federal de Medicina (CFM). A respeito do uso dos remédios citados em tratamentos contra a covid-19, o órgão enviou um documento, já usado pelo Comprova em outras verificações, dizendo que o texto continua em vigor. De acordo com a publicação, não há “evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19” e “muitos medicamentos têm sido promissores em testes através de observação clínica, mas nenhum ainda foi aprovado em ensaios clínicos com desenho cientificamente adequado, não podendo, portanto, serem recomendados com segurança”.

Questionado sobre um posicionamento frente ao site, o CFM respondeu que “não comenta casos específicos para não comprometer sua atuação prevista em lei”.

Por qe investigamos?

O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais. Quando o material aborda assuntos relacionados à covid-19, a verificação se torna ainda mais importante, pois esses conteúdos podem colocar a saúde das pessoas em risco.

Segundo a ferramenta Crowdtangle, a página tinha 38.760 interações no dia 7 de julho. O vídeo com a live feita pelo jornalista Alexandre Garcia tinha 1.751.644 visualizações na mesma data. O site é enganoso porque insinua que médicos do mundo todo chegaram a um consenso sobre o tratamento da covid-19, o que vai contra o que acreditam autoridades sanitárias e entidades médicas, segundo as quais ainda não há um tratamento reconhecidamente eficaz contra o novo coronavírus. Ele engana também ao reunir médicos que nem sabiam que seus nomes estavam na página, entre outros pontos.

O Comprova já publicou verificações de boatos com uma lista de conselhos para a pandemia com dados corretos e informações falsas sobre o vírus, que desestimulam o uso de máscara, afirmam que a covid-19 é uma trombose causada por bactéria e que a hidroxicloroquina pode descartar a necessidade de UTI.

Enganoso para o Comprova é quando um conteúdo é retirado de seu contexto original e utilizado de forma a modificar seu significado, induzindo a uma interpretação equivocada.

Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para checar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: Jornal do Commercio, UOL, Folha de s. Paulo, Revista Piauí, O Popular, A Gazeta, Correio do Estado e Gaúcha ZH. Verificado por: O Estado de S. Paulo, SBT, Diário do Nordeste e O Povo.

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