No ano passado, a Organização Mundial da Saúde classificou o movimento antivacina como uma das 10 principais ameaças à saúde global. O problema permanece. Segundo um recente estudo conduzido pela professora de conteúdo digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Isabela Pimentel, as desinformações sobre o tema têm despertado mais confiança nos consumidores de notícias nas redes sociais, que preferem vídeos testemunhais com boatos a conteúdos jornalísticos.
O desconhecimento sobre a produção, medo dos conteúdos e da injeção são alguns dos motivos por que as pessoas evitam as vacinas. Entre os que dispensam a imunização, a maior parte busca informações sobre o tema em sites não oficiais e nas redes sociais, como Facebook e WhatsApp. "Muitos afirmaram que após verem reportagens na internet sobre os efeitos adversos de algumas vacinas, como a do HPV e a da febre amarela, deixaram de acompanhar os conteúdos na mídia jornalística", afirma Isabela. Segundo o Digital News Report 2020, o Facebook e o WhatsApp seguem sendo os principais canais de consumo de notícias no Brasil.
Quanto mais pessoal, melhor
Para entender como as pessoas têm consumido os conteúdos não checados, a pesquisadora analisou os dez vídeos com maior engajamento no Youtube a partir de pesquisas por "Vacina Febre Amarela" e "Veneno Mortal", entre 2017 e 2018, quando ocorreram surtos da doença no Brasil. Um deles era protagonizado por uma fonte não oficial que narra uma experiência de “quase morte” por conta da vacina, outro trazia o médico Drauzio Varella e um terceiro, o Ministério da Saúde. Os vídeos foram classificados como verdadeiro; verdadeiro, mas; contraditório e falso, seguindo o sistema de etiquetas criado pela Agência Lupa.
Na segunda parte da pesquisa, foram convidados alguns dos usuários que escolheram não se vacinar contra a febre amarela e aderiram ao movimento antivacina. Cerca de 12 pessoas foram entrevistadas, por se tratar de etapa qualitativa, que busca identificar tendências e compreender o comportamento de parcela do público analisado. Em geral, a maioria foi de mulheres, com curso superior e mães que consumiam notícias apenas pelas redes sociais, sem um filtro de checagem. “Em geral, elas tinham deixado de acompanhar os jornais e praticamente só participavam de grupos de mães, onde se informavam. Outros dois estudantes que entrevistei se informaram sobre o assunto por meio de um grupo antivacina no Facebook”, conta Isabela.
Para professora da ESPM Rio, a maioria dos usuários das redes se identifica com linguagem pessoal dos conteúdos testemunhais e não buscam informações sobre vacinas nos meios jornalísticos e oficiais pela abordagem mais distante. “Percebemos uma diferença essencial entre os vídeos do Youtube: o nível de aproximação com o espectador. Enquanto os anônimos contavam suas histórias de vida, os comunicados oficiais utilizavam uma linguagem fria e termos técnicos, que não geram empatia com quem está assistindo.”
A tendência pela viralização de vídeos antivacina também foi observada em um estudo conduzido no mesmo período, na Itália. Segundo a pesquisa, vídeos cujos argumentos eram contra a imunização tinham 45% mais chance de viralizar do que uma campanha oficial.
O dilema das redes
Em artigo prévio ao fim do estudo, a pesquisadora apontou algumas características da plataforma do Youtube que favoreciam a viralização dos vídeos, como a taxa de comentários, a menção em outros portais e a coluna de recomendação.
No início da pandemia, em fevereiro deste ano, o Youtube anunciou medidas para priorizar informação científica sobre o novo coronavírus. De acordo com a empresa, os mecanismos de pesquisa da plataforma passaram a dar mais importância a vídeos publicados por fontes confiáveis nas buscas pelos termos relacionados ao vírus. A reportagem buscou pelo termo “febre amarela” e também apareceram sugestões feitas por canais oficiais de saúde como a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBIm), o centro de telessaúde da UFMG e canais de ciência verificados como Biologia com Samuel Cunha.
No entanto, o sistema de recomendação ainda é criticado por cientistas. Em um recente documentário lançado pela plataforma de streaming Netflix, O Dilema das Redes, pesquisadores indicam que o filtro de recomendação do Youtube seja desativado, assim, os usuários não seriam impactados por potenciais desinformações virais. O algoritmo funciona por meio de inteligência artificial, que se baseia nos conteúdos assistidos pelo usuário ao sugerir vídeos correlatos. O problema é quando o consumo não parte de fontes médicas confiáveis. Se o vídeo é desinformativo, mais conteúdo do gênero poderá ser visto.
O que fazer?
Para diminuir a aversão aos conteúdos oficiais, a principal recomendação é que os órgãos de saúde sejam mais transparentes em relação aos riscos potenciais das vacinas. Segundo a pesquisadora da ESPM, que trabalhou por cerca de sete anos na Fundação Oswaldo Cruz, uma informação clara sobre um aspecto do desenvolvimento de um imunizante diminui a possibilidade de histeria.
“Quando não há transparência, há margem para pânico. Alguns poucos entrevistados me disseram que até ‘acreditavam’ no Ministério da Saúde, mas não na forma como este comunicava sobre a vacina. O que aconteceria com o corpo deles, no final das contas? Entre confiar em um parente ou amigo que relatava uma experiência negativa com a vacina e o Ministério da Saúde, as pessoas escolhiam a realidade mais próxima a elas.”
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Além disso, a pesquisadora julga necessário que os meios oficiais busquem estar nas mídias onde a desinformação circula, façam campanhas com linguagens próprias ao público que buscam alcançar e invistam em projetos que estimulem o letramento digital.
Para os usuários, recomenda a pesquisadora, é importante ter consciência do papel de produtor de informação e alertar os próprios contatos. “As relações pessoais de confiança são muito importantes na hora de decidirmos no que vamos acreditar”, finaliza.
Como checar informações
O Confere.ai é a primeira plataforma de verificação automática de conteúdo do Nordeste. O site utiliza técnicas de inteligência artificial para determinar se uma notícia tem características de uma desinformação. Para utilizá-lo, basta acessar o endereço confere.ai e colar o link a ser checado. A ferramenta responde com o nível de desinformação da notícia, que pode ir de mínimo - selo para links com poucos indícios de serem enganosos - a crítico, para notícias com muitas características de desinformações.
Link para a ferramenta: https://confereai.ne10.uol.com.br/#/consultar
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