Cientistas alertam para espalhamento de variante do coronavírus por meio de aeroportos
Estudo do Observatório Covid-19 BR aponta rotas com maior risco de propagarem nova variante do vírus
Para evitar o espalhamento da nova variante do coronavírus no Amazonas e em todo Brasil, é urgente que haja vigilância de casos suspeitos de reinfecção. O alerta é feito em nota produzida pelo Observatório Covid-19 BR, que mapeou a vulnerabilidade dos aeroportos e aponta que São Paulo, Guarulhos, Brasília, Rio de Janeiro (Santos Dumont), Confins, Porto Alegre, Rio de Janeiro (Galeão), Salvador, Curitiba, Recife, Fortaleza, Campinas, Florianópolis e Vitória têm maiores chances de receber pessoas infectadas com a variante do vírus provenientes de Manaus. O estudo recomenda um maior controle do fluxo de pessoas, tanto em rotas aéreas quanto rodoviárias e fluviais, para contenção da nova variante, que é mais transmissível e com potencial de reinfecção.
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Os autores da nota afirmam que o espalhamento rápido de novas variantes do coronavírus SARS-Cov-2 exige que ações sejam tomadas pelos governos subnacionais e pelo governo federal, antes que seja tarde demais do ponto de vista epidemiológico. A nova linhagem encontrada em Manaus apresenta duas mutações importantes, chamadas N501Y e E484K. Apesar de atuarem de forma distinta, ambas fazem com que a entrada do vírus na célula seja facilitada. Essa facilitação tem como consequência o aumento da carga viral dos indivíduos portadores e, dessa forma, da capacidade de transmitir a outra pessoa (transmissibilidade).
Estudos iniciais apontam a nova variante com as mutações N501Y e E484K com uma frequência de 42% em uma amostra pequena de dezembro de 2020. É ainda mais preocupante que esta variante tenha sido detectada em um momento de alta vulnerabilidade no País: aumento de aglomerações por ocasião de festas de final de ano, colapso do sistema de saúde em Manaus e a proximidade do retorno às aulas e do carnaval. Somente o estabelecimento imediato de uma rede de mapeamento genético do vírus nas pessoas infectadas, o que é chamado de vigilância genômica, permitiria dizer qual é a linhagem do vírus predominante atualmente na capital amazonense. A gravidade da situação e a urgência por medidas preventivas precisam ser levadas a sério.
No Brasil, o primeiro passo da vigilância genômica é a identificação de casos suspeitos de reinfecção. O Ministério da Saúde define como caso suspeito toda pessoa que tiver dois resultados positivos do teste RT-PCR para o vírus SARS-CoV-2, em um intervalo de dois meses ou mais. A suspeita só pode ser confirmada se as amostras biológicas das duas rodadas de exame tiverem sido bem preservadas. Sabemos que nem sempre isso é possível, ainda mais em situações de emergência de saúde. Mas mesmo não havendo a investigação laboratorial de parte dos casos suspeitos de reinfecção, a notificação, monitoramento e divulgação desses casos já são importantíssimos para a vigilância da reinfecção.
Dinâmica de espalhamento
Compreender como a nova variante se espalha, ou seja, por quais rotas de contato entre as cidades e os Estados, é essencial para orientar a ação do poder público. O Amazonas está primariamente ligado às demais regiões do País por meio de rotas aéreas. A nota apresenta aqui uma análise da vulnerabilidade dos aeroportos brasileiros a partir do Amazonas. Neste caso, a vulnerabilidade é uma medida do potencial de contágio pela nova variante, usando o fluxo de passageiros entre aeroportos nacionais ao longo do ano de 2019. O fluxo de passageiros foi obtido a partir dos dados de registro de voos da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Os aeroportos de São Paulo, Guarulhos, Brasília, Rio de Janeiro (Santos Dumont), Confins, Porto Alegre, Rio de Janeiro (Galeão), Salvador, Curitiba, Recife, Fortaleza, Campinas, Florianópolis e Vitória são os dez aeroportos com maior vulnerabilidade. Esses aeroportos são, portanto, os com maior probabilidade de já terem recebido visitantes portadores das novas mutações durante as festas de final de ano.
De forma preocupante, são aeroportos que também apresentam potencial para espalhar rapidamente novas variantes para outras regiões. Nesse sentido, os autores do estudo recomendam máxima atenção aos Estados receptores de grande número de viajantes da região de Manaus e às autoridades de vigilância sanitária no governo federal. Lembramos também que há uma extensa rede de comunicação fluvial entre as populações ribeirinhas ao longo dos rios Negro, Solimões e Amazonas, que inclui capitais na Colômbia e no Peru. A atenção dada aos Estados receptores de viajantes de Manaus se estende, com maior preocupação, a essas comunidades, principalmente àquelas de difícil acesso.
Segundo os autores da nota, as fichas de investigação epidemiológica (SG e SRAG) dos casos suspeitos de covid-19 dos sistemas brasileiros para a covid-19 (como e-SUS VE e SIVEP-Gripe) e que servem para acompanhamento dos casos suspeitos e confirmados da doença têm espaço para controle de informações sobre idas e vindas do exterior. No entanto, não contemplam situações de viagem e contato entre diferentes regiões ou entre diferentes Estados do Brasil. A inclusão desta informação nas fichas pode ser tão útil quanto a informação de viagem ao exterior, principalmente em um país de proporções continentais como o Brasil, em que doenças, mutações e variantes podem surgir em uma região específica e rapidamente espalhar para todo o país.
A inclusão de informações como estas nos sistemas de informação utilizados pela vigilância epidemiológica podem ajudar a conhecer e conter casos que podem provocar espalhamento de novas variantes enquanto não temos um sistema de investigação genômica extensivo, destaca a nota. Recentemente, dada a crise sanitária causada pela falta de oxigênio, vários Estados do Brasil estão recebendo pacientes transferidos de Manaus. Esses pacientes são, por vezes, acompanhados de familiares, sem que nenhum protocolo especial tenha sido implementado para documentar os casos e monitorar possíveis transmissões ocorridas com a nova variante entre Estados.
Os autores da nota alertam para que maiores esforços das autoridades brasileiras sejam feitos para evitar que esta variante se torne predominante no País. Enquanto os estudos do potencial da variante de Manaus em evadir a resposta imune provocada pelas vacinas que estão sendo aplicadas no Brasil ainda não estão prontos, pode-se apenas agir de forma preventiva, acelerando o processo de imunização no País e contendo o espalhamento desta variante com urgência, sendo o momento de estar vigilante e acompanhar de perto a situação.
O Observatório Covid-19 BR é uma iniciativa independente, fruto da colaboração entre pesquisadores com o desejo de contribuir para a disseminação de informação de qualidade baseada em dados atualizados e análises cientificamente embasadas. O projeto tem, entre diversas outras instituições, a participação de pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), do Instituto de Biociências (IB) e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.