É falso tuíte que afirma que OMS recomendou 3ª dose de Coronavac
É falso o tuíte segundo o qual a OMS disse que "quem tomou Coronavac vai ter de se revacinar". O órgão de saúde não fez tal afirmação e, por ora, está avaliando a eficiência da vacina. O Instituto Butantan, que produz o imunizante no Brasil, também nega a informação
Conteúdo verificado: Tuíte que afirma: “A OMS está dizendo que quem tomou Coronavac vai ter de se revacinar”
Está viralizando nesta semana um tuíte que afirma: “A OMS está dizendo que quem tomou Coronavac vai ter de se revacinar. Vacina do Dória é uma bosta. Fake como ele”. O conteúdo da postagem é falso. Ao Comprova, a Organização Mundial da Saúde informou não ter feito tal afirmação. “A Coronavac está sob revisão para a Lista de Uso de Emergência e essas revisões são confidenciais, portanto, não falaríamos sobre uma vacina como essa enquanto ela estiver sob revisão”, escreveu o órgão.
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O Instituto Butantan, que produz a Coronavac no Brasil, também negou a informação. “Fiquem tranquilos, a vacina é eficiente e, neste momento, não existe necessidade de se preocupar com uma terceira dose, como foi propalado recentemente. Isso não corresponde aos fatos”, afirma o presidente Dimas Covas em vídeo enviado pela instituição.
A possibilidade de uma dose de reforço para idosos acima de 80 anos foi levantada por pesquisadores brasileiros após um estudo feito em pessoas com mais de 70 anos em São Paulo, mas isso não se converteu em uma recomendação da OMS. O estudo ainda está em fase de pré-print, ou seja, é uma versão preliminar que ainda não foi revisada por pares e não deve ser usada para orientar práticas.
O Comprova tentou contatar o autor do tuíte, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Como verificamos?
Pesquisamos sobre a possibilidade de uma terceira dose nos sites do Butantan, da OMS e de veículos de imprensa para, então, entrar em contato com alguns órgãos.
Por e-mail, a equipe falou com OMS, Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), braço da OMS na América, e Butantan.
Por telefone, entrevistou Cristiana Toscano, médica infectologista epidemiologista, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) e membro do Comitê Consultivo de Vacinas Covid-19 (Sage, na sigla em inglês) da OMS, e, por WhatsApp, conversou com Julio Croda, médico infectologista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).
Como o perfil do autor do tuíte, @TonyStarkMeta, não recebe mensagens privadas, a reportagem deixou um comentário no post verificado para que ele entrasse em contato, mas não recebeu retorno até a publicação desta checagem.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de maio de 2021.
O que diz a OMS
“A OMS não afirmou isso”, escreveu ao Comprova o órgão de saúde sobre o tuíte verificado aqui. A assessoria de imprensa da instituição informou que, “até o momento, ainda não pré-qualificou a vacina contra Sars-CoV-2 da Sinovac” e que dados sobre vacinas em avaliação são confidenciais. Ainda comentou que “o surto e a resposta da covid-19 foram acompanhados por uma grande ‘infodemia’, uma superabundância de informações, algumas precisas e outras não, o que torna difícil para as pessoas encontrarem fontes confiáveis e orientação confiável quando precisam”.
A OPAS, braço da OMS na América, também informou, por e-mail, que a afirmação do tuíte verificado é falsa. “A Sinovac se encontra atualmente em processo de avaliação pela OMS quanto à possibilidade de sua inclusão na lista de uso de emergência de vacinas contra Covid-19”, disse a OPAS.
Também por e-mail, a organização mencionou dois estudos feitos a respeito da efetividade da Coronavac. O primeiro, do grupo VEBRA COVID-19 (Vaccine Effectiveness in Brazil Against Covid-19), desenvolvido no Amazonas com a participação da OPAS, mostrou efetividade de 50% na prevenção do adoecimento 14 dias após a aplicação da primeira dose.
O segundo, publicado no último dia 21 de maio no estado de São Paulo ainda em fase de pré-print, mostrou efetividade de 42% na prevenção de covid-19 com sintomas 14 dias após a aplicação da segunda dose. É neste estudo que os autores falam na possibilidade de aplicação de uma dose de reforço em idosos acima de 80 anos, faixa de idade em que a eficácia cai, segundo os pesquisadores, para 28%. Para a OPAS, “as vacinas contra covid-19 são úteis principalmente para reduzir a chance de morte e doença grave”.
O que diz o Butantan
Em vídeo publicado em 26 de maio e enviado ao Comprova, Dimas Covas, presidente do Instituto Butantan, de São Paulo, voltou a falar sobre a “alta eficiência” da vacina desenvolvida em parceria com a biofarmacêutica chinesa Sinovac.
“Com relação a esses comentários que têm surgido, dizendo que a vacina tem uma eficiência menor em pessoas idosas, eu digo a vocês que todos os estudos que o Butantan tem feito, e são muitos, aqui no Brasil, na cidade de São Paulo, no município Serrana, no estado do Ceará e também no Chile, mostram que essa vacina tem uma alta eficiência, ou seja, ela é capaz de proteger contra os sintomas da doença, contra as internações e contra os óbitos. Em todas as faixas etárias acima dos 18 anos, inclusive nos idosos”, diz ele na gravação.
Nesta quinta-feira, 27 de maio, Dimas Covas afirmou, em depoimento à CPI da Covid-19, que as vacinas contra a doença precisarão ter uma dose de reforço anual, assim como já acontece com a vacina da gripe. “Nós admitimos, sim, a possibilidade da dose de reforço. A dose de reforço será necessária para todas as vacinas. A própria Pfizer já está estudando uma dose de reforço. O Butantan já tem estudos previstos em andamento com a dose de reforço”, declarou.
Levantamento da OMS
O órgão de saúde realizou o levantamento “Evidence Assessment: Sinovac/Coronavac Covid-19 vaccine” (Avaliação de Evidências: Vacina Sinovac/Coronavac Covid-19), que classifica o imunizante com “nível de confiança moderado” para adultos acima de 60 anos. Mas, como ressaltou ao Comprova Cristiana Toscano, que participou da elaboração do documento como membro do Comitê Consultivo de Vacinas Covid-19 da OMS, ele não é conclusivo e não propõe uma terceira dose do imunizante.
“Fizemos esse levantamento, que não pode ser chamado de estudo, com os dados disponíveis até o momento, e tínhamos um número muito pequeno de idosos que participaram dos estudos de fase 3”, disse ela, após confirmar que o conteúdo do tuíte verificado aqui é falso. “Até agora, não há nenhuma evidência de estudos demonstrando que a efetividade da Coronavac após duas doses em idosos seja menor do que a esperada contra hospitalização e óbito.”
Estudo em fase de pré-print
Citada no levantamento da OMS, uma pesquisa, ainda em fase de pré-print – ou seja, não foi revista por outros cientistas e não pode ser utilizada para comprovar nada –, foi publicada no dia 21 de maio de 2021 na plataforma MedRxiv, que distribui versões em pré-print de trabalhos científicos. O estudo analisou 15.900 pacientes acima de 70 anos – a idade média dos pacientes foi de 76 anos – depois de 14 dias da aplicação da segunda dose da Coronavac no Estado de São Paulo, onde a prevalência dos casos é pela variante P.1, que tem maior capacidade de transmissão. Os resultados apontaram que a vacina tem a capacidade de proteger contra infecções sintomáticas pelo Sars-CoV-2 na vida real, mas que a eficácia da Coronavac cai com a idade.
O trabalho tem a autoria registrada de 19 pesquisadores, entre eles o médico infectologista, pesquisador da Fiocruz e professor da UFMS Julio Croda e o epidemiologista Otavio Ranzani, do Instituto de Saúde Global de Barcelona, Instituto do Coração (InCor) e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Na faixa de idade acima de 70 anos, a eficácia global da vacina foi de 42% após a aplicação da segunda dose e de até 50% após 28 dias. A eficácia é maior na população que tem entre 70 e 74 anos – 61,8% –, depois cai para 48,9% entre aqueles com 75 a 79 anos e para 28% naqueles que têm mais de 80 anos de idade. Em entrevista ao Jornal da USP, Otavio Ranzani disse que a vacina não encontrou efeito protetor na primeira dose e que, por isso, é preciso que os programas planejem uma otimização da vacinação de idosos acima de 80 anos, “seja com um reforço ou troca de tipo de vacina”. Ele acrescentou que essa estratégia ainda precisa ser estudada. O Comprova tentou contato com o pesquisador, mas não conseguiu localizá-lo.
“Nossos resultados fornecem evidências de que a eficácia do Coronavac leva semanas para se desenvolver e requer um cronograma completo para atingir a eficácia máxima”, diz um trecho da pesquisa. “Essa descoberta tem implicações diretas para as decisões de saúde pública em países que usam Coronavac e possivelmente outras vacinas inativadas, como a maioria dos países de baixa e média renda. Por exemplo, no Brasil, dos 9.972.111 vacinados com Coronavac, 1.298.194 (13%) não receberam a segunda dose. Devido à necessidade do cronograma completo, é imperativo manter as intervenções não farmacêuticas (INP) em vigor e alertar os indivíduos vacinados sobre sua proteção reduzida até um mínimo de 14 dias após a segunda dose. Além disso, a proteção contra covid-19 sintomático da vacinação em massa no nível da população levará um período prolongado em comparação com outras vacinas que apresentaram maior eficácia após a primeira dose”.
Embora tenha defendido, em entrevista ao Estadão, que a aplicação de um reforço ou o início de um novo esquema vacinal em idosos com mais de 80 anos deveria ser feito ainda este ano, após o término da imunização dos grupos prioritários, Julio Croda confirmou ao Comprova que a OMS não fez tal recomendação. E que, por ora, só há esse estudo – sem validade científica ainda – apontando a possibilidade de um reforço na dose para pessoas acima de 80 anos.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos possivelmente falsos ou enganosos sobre a pandemia que tenham alcançado alto grau de viralização nas redes sociais. O tuíte verificado aqui teve mais de 4 mil interações, sendo 3,1 mil curtidas.
Conteúdos como este são perigosos porque colocam em dúvida a eficácia das vacinas, os principais métodos disponíveis atualmente para o controle da pandemia. Neste caso, o autor do tuíte utiliza uma informação solta de um estudo, desconsidera que a própria publicação ressalta a eficácia da vacina, e a atribui a uma entidade internacional de saúde que não se pronunciou sobre o caso. Isso pode levar as pessoas a perderem a confiança num imunizante amplamente utilizado no país, acreditando que existe uma recomendação internacional contra ele.
O tuíte segue a linha de ação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), inclusive ao atacar o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que apoiou a produção da Coronavac no Brasil.
A Coronavac é, até o momento, a vacina mais aplicada em brasileiros. Segundo dados do painel de vacinação contra a covid-19 do Ministério da Saúde, foram 38,1 milhões de doses aplicadas, o que corresponde a 58% do total aplicado no país.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: Folha de S. Paulo e Correio. Verificado por: Gazeta do Sul, Poder 360, O Estado de S. Paulo, A Gazeta, UOL, Band News FM e Diário do Nordeste.