Mortes

O luto inesperado de todos nós; 500 mil mortos na pandemia. Você perdeu alguém querido para a covid-19?

Desde que o vírus assolou o mundo e chegou ao País, há um ano e três meses, a doença no Brasil tem sido especialmente letal, por uma série de desacertos

Imagem do autor
Cadastrado por

Adriana Guarda

Publicado em 23/06/2021 às 15:37 | Atualizado em 24/06/2021 às 2:56
Notícia
X

Como dizer a um pai, de 80 anos, que a sua filha não está mais aqui? Que a morte driblou a vida e subverteu a 'ordem natural' de que os pais partem primeiro? Como consolar uma mãe que viu sua filha sair doente de casa e não ouviu a porta se abrir para ela voltar? Como explicar aos filhos desta mãe, a dor de uma ausência que nunca vai cessar? Como contar ao companheiro de décadas, que ela partiu solitária, sem tempo para um último beijo, uma última dança? A pernambucana Simone Barros, 54 anos, está entre os 500 mil brasileiros que morram por causa da covid-19, marca registrada no sábado (19). Desde que o vírus assolou o mundo e chegou ao País, há um ano e três meses, a doença no Brasil tem sido especialmente letal, por uma série de desacertos.  

A morte de alguém querido é sempre dolorosa, mas a perda pela covid-19 tem camadas muito particulares. De repente, as pessoas passam a falar das pessoas que amam no passado, vivem um luto inesperado. É claro que todos nós podemos morrer a qualquer momento, por motivos diversos, mas meio milhão de pessoas perderam as suas vidas por causa de uma doença que há pouco mais de um ano sequer existia. É um luto inesperado e doloroso. A sensação passou a ser a de que num instante as pessoas estavam bem e num instante seguinte adoeciam e morriam de covid. Foi como se a morte se tornasse banal, corriqueira. 

A partida pelo novo coronavírus também tem traços solitários e sem direito a adeus. Nenhum familiar está à beira da cama do doente para segurar sua mão, dizer uma palavra de conforto, ouvir um último pedido. Do outro lado, quem espera por notícia, recebe uma sentença de que não vai mais ver seu ente querido e que precisa providenciar um sepultamento - mais uma vez - solitário, silencioso, sem homenagens públicas. Perde-se o ritual ao qual estamos acostumados de velar, sepultar ou cremar, que ajuda a viver o luto. 

Aos que perderam seus entes queridos para a covid-19, restam as memórias que ficaram dentro de casa. A cadeira onde sentava à mesa, seu lugar no armário para guardar roupas, as fotos nos porta-retratos, objetos ainda perdidos pelo meio da casa como se a pessoa ainda estivesse ali.   

Depois dos Estados Unidos, o Brasil foi o segundo país a registrar mais vidas perdidas na pandemia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A condução do combate à pandemia da covid-19 no Brasil também é apontada como uma das piores do globo. Enquanto a CPI da Covid no Senado tenta culpabilizar os responsáveis pela política atabalhoada, os números mostram o desastre sanitário nacional. Onde o Brasil errou tantos para que chegasse a esses números? 

Muitos problemas são estruturais e outros tratadas com descaso pelo próprio presidente da República, Jair Bolsonaro. A pandemia escancarou a desigualdade social e mostrou como a população vulnerável carece de redes de proteção social. Pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e foi publicado em uma das revistas científicas mais importantes do mundo, a Lancet, mostra que as desigualdades sociais e econômicas entre as regiões do Brasil foram mais decisivas na disseminação da covid-19 e no número de mortes do que a faixa etária da população mais atingida. 

Como exigir que os moradores de comunidades fizessem distanciamento social se já vivem aglomerados e frequentam transporte coletivo? Como esperar que usem álcool gel e lavem as mãos várias vezes ao dia se a maioria não tem água na torneira e outros sequer têm banheiro com provada? No início da crise da covid-19 o Ministério da Saúde chegou a determinar o isolamento social, mas Bolsonaro critica o distanciamento social, afirmando que seria um entrave à economia.

Desde o início da pandemia, os cientistas explicaram a importância da testagem em massa para descobrir os focos da doença e tomar medidas mais assertivas, mas o Brasil teve dificuldades para importar os insumos e ficou mais uma vez na lanterna entre os que mais testam.   

Até o corriqueiro uso da máscara foi motivo de polêmica no Brasil. Enquanto os cientistas tentam explicar de forma simples como a máscara pode salvar a vida, Bolsonaro chegou a fazer live desinformando a população  sobre a importância do seu uso. Ele próprio desfilou por vários eventos sem a máscara, prestando um desexemplo à população. Se de um lado desestimulou o uso da máscara, do outro sugeriu tratamento precoce com medicamentos sem eficácia comprovada, a exemplo da cloroquina. 

A politização da vacina e a lentidão para se decidir pela compra foi o ponto decisivo para que o Brasil esteja atrasado no processo de imunização e ainda alcance um número tão alto de mortes. Até agora apenas 11,47% da população brasileira foi plenamente vacinada com duas doses. 

UMA CHARGE FALA MAIS…

dramas-pandemicas-1224-18077288

As imagens são o espelho das nossas vidas durante a pandemia. Da nossa dor por um luto inesperado e do deboche de um Presidente da República que questiona: “vão chorar até quando?”. Da defesa de tratamentos ineficazes com cloroquina e outros medicamentos. Da defesa da economia como prioridade sobre a saúde. De um Brasil internado na UTI e que não consegue respirar. As charges surpreendem pela criatividade precisa, cortante e que neste momento nos leva menos ao riso e mais às lágrimas.

  

Tags

Autor