JULGAMENTO
"Tenho medo que esse caso seja mais uma estatística", diz viúva do músico morto no caso dos 80 tiros no Rio de Janeiro
O julgamento dos 12 militares começa nesta quarta-feira (13)
O julgamento dos 12 militares acusados de matar o músico Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, e o catador de latinhas Luciano Macedo em 2019, na zona norte do Rio de Janeiro, inicia nesta quarta-feira (13). Os réus serão julgados pelo que ficou conhecido como "caso dos 80 tiros" na Justiça Militar pela juíza Mariana Aquino e quatro outros oficiais com graduação acima dos réus. Apesar disso, a viúva de Evaldo, Luciana Nogueira, teme a impunidade.
"O julgamento já tinha sido adiado três vezes, isso me deixou muito angustiada. Você fica com um medo tremendo da impunidade. Hoje meu sentimento é de alívio e de medo, já que eles serão julgados por eles mesmos. Tenho medo que o caso do meu esposo seja mais uma estatística", disse Luciana em entrevista ao UOL.
Evaldo foi morto após ser atingido por nove tiros, e seu carro, por 62. O caso - que ficou conhecido como "caso dos 80 tiros" - aconteceu em abril de 2019 e os militares foram denunciados em maio daquele ano por homicídio qualificado, tentativa de homicídio e omissão de socorro.
O músico estava a caminho de um chá de bebê quando passou por patrulha na região da Vila Militar em Guadalupe, na zona norte do Rio, onde foi alvo dos disparos. A denúncia contabiliza 257 tiros de fuzil e de pistola, ao todo. Na ocasião, também estavam no carro a mulher, o filho e o sogro dele, além de uma adolescente. Evaldo, porém, foi o único que morreu no local.
Segundo a Procuradoria de Justiça Militar no Rio de Janeiro, não houve ordem para o carro parar e não havia posto de bloqueio ou blitz na estrada. O catador Luciano Macedo, que passava a pé pelo local, também foi atingido e morreu dias depois.
De acordo com Luciana, a vida dela e do filho Davi, de 9 anos, foi duramente transformada após a violenta morte do marido. A criança precisou mudar de escola e Luciana, que é técnica de enfermagem, teve que acumular as funções de mãe e pai. "O Davi entende tudo o que está acontecendo, eu faço questão de explicar para ele. Tem dias que ele acorda chorando, triste. Quando eu pergunto o motivo, ele fala: 'Tiraram a chance de eu ver o meu pai velhinho'. Ele sente muitas saudades e sabe que o pai não merecia ser morto da forma que foi."
O advogado da família de Evaldo e assistente de acusação André Perecmanis está otimista em relação à condenação dos 12 acusados. "A gente confia e acredita muito na Justiça Militar, até porque esse julgamento vai colocar em xeque a própria instituição, o Exército, reforçar os valores, o respeito à vida, o compromisso e a proteção a população. Nós acreditamos que os responsáveis por esse crime receberão as condenações devidas", disse.
Acusados
Em um primeiro momento, o Comando Militar do Leste emitiu nota dizendo que a ação havia sido uma resposta a um assalto e sugeriu que os militares haviam sido alvo de uma 'agressão'. A família contestou a versão e só então o Exército recuou e mandou prender dez dos 12 militares envolvidos na ação.
Os militares teriam confundido o carro do músico com o de criminosos que, minutos antes, haviam roubado um carro da mesma cor que o do músico, mas de outra marca e modelo - um Honda City.
Foram presos o tenente Ítalo da Silva Nunes Romualdo, o sargento Fábio Henrique Souza Braz da Silva e soldados Gabriel Christian Honorato, Matheus Santanna Claudino, Marlon Conceição da Silva, João Lucas da Costa Gonçalo, Leonardo Oliveira de Souza, Gabriel da Silva de Barros Lins e Vítor Borges de Oliveira. Todos atuam no 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar, na zona oeste do Rio.
O Código Penal Militar prevê, para condenações acima de dois anos, que o réu receba automaticamente a pena de exclusão das Forças Armadas, se for praça (soldados, cabos e sargentos). Os oficiais condenados acima de dois anos respondem ao processo para declaração de indignidade e de incompatibilidade com o oficialato.