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Coletivo de doulas amplia acesso ao serviço e distribui amor na hora do parto

Doulas são assistentes de parto; pessoas que acompanham a gestante antes, durante e após o parto, munindo-a de informações para garantir bem-estar, tranquilidade e autonomia à família

Maria Lígia Barros
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Maria Lígia Barros
Publicado em 01/01/2020 às 12:42
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Ano novo, vida nova. A máxima ganha um significado ainda mais especial para quem se prepara para receber um filho. Na sua 38ª semana de gestação, Dharma Cavalcante, 20 anos, espera com o marido, Júlio, pela chegada de Samadhi. O bebê pode nascer a qualquer momento, sem data marcada; aguarda apenas o próprio tempo e o do corpo da mãe.

Foi a forma como o casal decidiu trazer o neném ao mundo: em um parto natural, sem intervenções médicas, e em casa. Uma decisão tomada logo no início da gravidez foi fundamental na concepção do plano de parto: a de ter uma doula. Assim é chamada a assistente de parto; pessoa que acompanham a gestante antes, durante e após o parto, munindo-a de informações para garantir bem-estar, tranquilidade e autonomia à família durante o processo.

“Para mim, desde o começo era tudo um mundo muito novo”, relata Dharma. “Estava totalmente no escuro e eu sabia que precisava de alguém pra me ajudar e abrir minha cabeça. Pensei: preciso de uma doula”. No dia em que descobriu a gravidez, com quatro meses, a doula Malu Moraes foi a primeira pessoa – depois do marido – que ela procurou para dar a notícia.

“Ela me ajudou porque eu estava super insegura pela descoberta. A gente nem se conhecia e ela parou o tempo dela e me mandou altos textos, contando a experiência dela, de quem teve o primeiro filho com 15 anos”, diz.

O acompanhamento começou lá atrás e continuou ao longo dos nove meses, com preparações, aulas de exercícios que aliviam a dor no momento do parto e rodas de conversa. O trabalho de doulagem é, afinal, ancorado sobretudo na informação. “Cada encontro ela traz uma coisa sobre esse mundo”, relata. “Foi o processo de ajudar a montar, a escolher o que eu quer. Ela nunca diz o que é melhor e pior, ela mostra todas as possibilidades, as características de tudo. Ter uma doula perto te dá apoio emocional. Você conversa e fala seus medos e preocupações, e ela te traz de volta para o eixo da realidade.”

Cinthia Lima, 34, e Thiago Lima, 42, foram acompanhados por uma doula no nascimento do filho Pedro, hoje com 4 meses, e concordam. Foi a segunda gestação da bióloga Cinthia, que sempre desejou ter um parto normal. “No meu primeiro filho fui conduzida a uma cesárea sem justificativa. Mas, dessa vez, eu fui pesquisar e ver realmente o que seria indicação de cesariana”, relata. “A gente fez vários exercícios para desmistificar o que se fala de parto normal. Por exemplo, fala-se que é muito sofrimento, quando na verdade dor é diferente de sofrimento”, reflete.

Por uma questão de saúde, Pedro não nasceu de parto normal. “Mas dessa vez foi uma intervenção necessária. Não foi como a gente esperava, mas também teve um respeito muito bom porque eu tive informação. Eu estudei o suficiente.” Um resultado positivo que ela atribui à doulagem. “É ter uma pesoa com suporte de informação técnica e científica embasando todo procedimento. Essa segurança que a doula construiu comigo ao longo do processo culmina no parto.”

Cinthia ainda destaca o trabalho que foi feito junto a Thiago. “O apoio emocional que a doula faz, ela deu tbm para o meu marido”, conta. O engenheiro florestal também tem uma filha mais velha. se eu tivese bem informado a epoca tinha sido outra coisa. Mas a doula fez a gente passar por um processo desse, bastante complexo, com conhecimento de tudo que é bom para o bebê.

A experiência de Thaís Queiroz, 25, e de Francisco Santos, 29, pais de Raul, 6 meses, também foi positiva. O filho nasceu de parto natural, dentro de uma banheira em um hospital particular do Recife. Thaís relata como a presença da doula foi tranquilizadora. “Eu vi que era um apoio que vai além do informativo. É um conjunto, apoio emocional e físico”, conta a técnica de enfermagem Thaís. Para Francisco, um trabalho que ajudou bastante. “Até porque, se eu tivesse sozinho como acompanhante na hora, acho que seria bem complicado.”

Um coletivo para mudar a forma de nascer

“Para mudar o mundo, primeiro é preciso mudar a forma de nascer”. A frase é do obstetra francês Michel Odent, especialista em parto natural, e é lembrada por Malu Moraes, 27 anos, quando explica o ofício que exerce desde 2017. Com as companheiras Itamisse Ferreira, 37, e Luizaa Falcão, 29, Malu formou o coletivo de doulas Flor da Vida. As três são mães e combinaram experiências pessoais e profissionais para dar vida ao grupo.

“A gente assiste as mulheres que queiram doulas individuais e as que querem fazer esse trabalho com outras famílias; ou porque preferem ou por não terem condições financeiras para arcar com o que se cobra de uma doula individual”, contou Luiza.

Entre os planos para este ano, destacam o de ampliar o serviço e oferecer doulagem social, “voltada para quem não tem condição de pagar nada, mas não quer tentar a sorte de ter uma doula voluntária”, diz Luiza, que também é voluntária no Hospital da Mulher do Recife, na Zona Oeste. Ainda não há data para o início da seleção, mas elas adiantam que famílias interessadas podem procurá-las nas redes sociais (@flordavidadoulas) e participar das rodas de conversa.

Nem todos conhecem o trabalho de uma doula, mas o trio avalia que a demanda está em expansão. “A gente observa que tem mais gente trabalhando, mais gente procurando”, comenta Itamisse.

Na percepção das profissionais, o que mais tem levado os futuros pais a procurarem o serviço é a vontade de ter um parto normal ou humanizado. “A OMS (Organização Mundial de Saúde) diz que só 15% dos nascimentos devem ter alguma indicação real de cesárea. No Brasil, a gente tem mais de 50% de nascimento por cesariana. Na rede particular, chega a mais de 80%”, afirma Malu. “Há estudos desde 1993 comprovando que a presença da doula diminui em 50% as taxas de cesárea.” 

“No Recife temos hospitais com 92% de cesarianas. Com uma doula, o pedido de anestesia diminui, a duração do trabalho de parto e as taxas de cesárea também”, continua Luiza. Apesar de a busca pelo parto normal ser alta entre quem escolhe o serviço, elas garantem que o papel da doula não é fazer a escolha pela mulher. “A gestante precisa ser respeitada independentemente da via de nascimento do bebê.”

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