ARTE MODERNA

Teria 'A Fonte' de Duchamp sido criada por uma vanguardista esquecida?

Pesquisadores têm levantado evidências que indicam que icônico urinol pode ser de autoria de uma alemã pioneira do dadaísmo

JC Online
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Publicado em 15/04/2017 às 14:13
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Durante décadas A Fonte, o revolucionário urinol de Marcel Duchamp que completa 100 anos, foi tida inquestionavelmente como uma obra de o artista francês. Mas pesquisas recentes apontam fortes indícios de que a obra na verdade pode ter sido de autoria da pintora, poeta e escultora Baronesa Elsa von Freytag-Loringhoven. A primeira dúvida surge a partir de relato do próprio Duchamp, que no dia 11 de abril de 19179 escreveu, em carta à irmã: “Uma das minhas amigas que adotou o pseudônimo de Richard Mutt me enviou um urinol de porcelana como uma escultura; como não havia nada de indecente, não havia motivo para rejeitá-lo”. A Baronesa Elsa é a mais provável dessas amigas. Na época, ela vivia na Philadelphia e os jornais reportaram que o tal R. Mutt era de lá.

Elsa von Freytag- Loringhoven -
Elsa von Freytag- Loringhoven -
"God", readymade de 1918, foi por décadas erradamente tida como obra de Morton Schamberg, e não dela -

Elsa estava recolhendo objetos na rua e declarando como obras de arte antes de Duchamp convocar os “readymades”. O primeiro registro certo é Enduring Ornament, um anel de metal enferrujado encontrado no dia 19 de novembro de 1913, no caminho de seu casamento com o Barão Leopold. Outro trabalho, God (1918), é um pedaço de encanamento de ferro retorcido e fixado a um pedaço de madeira, foi durante muito tempo tido como uma obra do artista Morton Livingston Schamberg, mas agora já é sabido que ele apenas ajudou a fixar o ferro à sua base.

Outro buraco na versão oficial: Duchamp disse que ele mesmo comprou o mictório da JL Mott Iron Works na Quinta Avenida. Contudo, pesquisadoras descobriram que esta empresa não fabricava nem vendia aquele modelo em particular de mictório da Fonte de 1917. Por outro lado, se a obra for mesmo da Baronesa Elsa, o pseudônimo R. Mutt faz todo sentido como um trocadilho com “armut”, pobreza em alemão, podendo sinalizar também pobreza intelectual – foi o ano em que os EUA entraram na Primeira Guerra Mundial e Elsa estaria indignada com o sentimento antigermânico e o conformismo dos artistas americanos.

ESQUECIDA PELOS AMIGOS

Em 1923 ou 1924, esquecida pelos amigos, ela fez uma pintura dolorosa Esquecida como Esta Sombrinha Sou Eu Por Você. A imagem tem um mictório e um pé de um homem abandonando o quadro em provável referência a Duchamp. Apesar do título de baronesa, ela vivia em condições precárias em um apartamento infestado de ratos em Nova York. Sua vida foi contada e analisada no livro Baroness Elsa: Gender, Dada, and Everyday Modernity (de Irene Gammel) e a relação com a fonte foi esmiuçada em Stranger Than We Can Imagine: Making Sense of the Twentieth Century (de John Higgs)

Feminista e libertária, Elsa von Freytag fazia da sua vida uma performance. Usava batom preto, colheres como brinco, experimentava com androginia e foi presa algumas vezes por nudez. Hoje é tida como uma das primeiras dadaístas – ou até uma precursora do punk. 

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