ENTREVISTA

A poesia não é um objeto inofensivo

O escritor brasileiro radicado na Alemanha Ricardo Domenck responde perguntas que elaborou no livro Ciclo do amante substituível

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 07/03/2012 às 6:17
Amos Fricke/Divulgação
O escritor brasileiro radicado na Alemanha Ricardo Domenck responde perguntas que elaborou no livro Ciclo do amante substituível - FOTO: Amos Fricke/Divulgação
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Ciclo do amante substituível (7 Letras, 192 páginas, R$ 39) é o quinto livro de Ricardo Domeneck, um dos mais interessantes poetas brasileiros contemporâneos. Para esta entrevista, sugerimos que Domeneck respondesse algumas das perguntas que ele mesmo faz durante a obra, em A educação dos cívicos sentidos, como que questionando os escritores e literatos de hoje. Apesar do receio em falar sobre o que preferia deixar em aberto, ele aceitou a proposta. Eis, a seguir, o resultado da conversa de Domeneck consigo mesmo.

JORNAL DO COMMERCIO – Que dia é hoje no seu poema?
RICARDO DOMENECK –
Se eu estivesse escrevendo um poema, tentaria ter consciência que hoje é 5 de março de 2012, seriam 14h57, e eu estaria escrevendo em português, mas em Berlim, na Alemanha, cercado por uma língua completamente distinta da que estaria carregando o meu poema, ao mesmo tempo que esta língua alemã, provavelmente, estaria influenciando algumas das minhas construções sintáticas ou mesmo a escolha de palavras. Eu não tenho medo do datado, pelo contrário, eu acredito que os textos que sobrevivem a seu momento histórico são justamente os que têm consciência de seu momento histórico. Apesar do lindo (será mesmo lindo?) sonho simbolista de escrever numa linguagem que estivesse imune ao tempo, espero termos já despertado do pesadelo resultante. O que importa é que o poema, quando bem sucedido, não atinge o atemporal, mas uma espécie de existência dupla no tempo de sua escritura e no tempo de sua leitura. É o que sinto ao ler Catulo, que morreu há mais de dois mil anos, mas fala comigo como se fosse meu contemporâneo, ao mesmo tempo em que me transporta para as ruas de Roma nos últimos anos da República.

JC – A poesia e a política são demais para um único ser humano?
DOMENECK –
Talvez apenas se vistas como antagônicas, algo que está por exemplo no equívoco dos concretistas em acreditar na existência de uma “poesia pura” e uma “poesia para”. Este dualismo é desnecessário. No entanto, eu tenho dois fantasmas pessoais, que sempre surgem sobre meu crânio ao discutir coisas desta natureza: o poeta norte-americano George Oppen (1908 – 1972), que deixou de escrever poesia por 20 anos para dedicar-se ao ativismo político, escolhendo o silêncio para melhor agir; e Ulrike Meinhof (1934 – 1976), a jornalista política e pacifista que um dia acreditou que palavras não bastavam e tomou armas, tornando-se uma das líderes da Facção do Exército Vermelho na Alemanha. Oppen acabou perseguido pelo FBI e teve que se exilar no México; Meinhof acabou presa e suicidou-se na prisão. O que quer que eu possa responder aqui sempre parecerá frágil diante das escolhas extremas destes dois autores que perseguem minha consciência est-é-tica.

JC – O poeta é inofensivo? Você teria coragem de dizer isso a Ossip Mandelstam, que morreu na Sibéria por causa de um poema?
DOMENECK –
A segunda pergunta responde a primeira. Os cemitérios estão cheios demais de poetas assassinados por causa de seus poemas para que os vejamos como inofensivos. Os Césares, Hitlers e Stalins do mundo talvez entendam mais dos riscos da poesia que os críticos universitários e jornalistas dos cadernos de cultura.

Leia a matéria completa no Jornal do Commercio desta quarta-feira (7/3)

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