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As várias naturezas dos contos

Gênero tem características distintas das do romance e recebe diferentes definições e tratamentos dos autores

Diogo Guedes
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Diogo Guedes
Publicado em 23/02/2014 às 5:08
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Definir a natureza dos contos é um antiga obsessão da literatura – na verdade, o impulso de demarcar (de forma autoritária ou produtiva) os gêneros é um caminho sempre percorrido na literatura. Como mostra o escritor Luiz Bras no texto Reflexões sobre as antigas reflexões sobre o conto, Edgar Allan Poe entendia que destino de uma narrativa curta era o desfecho, construído a partir de um evento extraordinário. Ao longo do tempo, várias outros autores foram discordando dele: Tchekhov preferia falar de eventos banais, com um conto de “atmosfera”; Hemingway entendia que o conto é um iceberg, em que o mais importante fica oculto, submerso; Cortázar definiria o gênero como “uma verdadeira máquina literária de criar interesse”.

Para Fernando Monteiro, o conto por vezes é tido erroneamente como um formato mais simples. “Um romance não é mais difícil por ser uma narrativa mais longa, isso é falso, até porque a crispação de sintetizar significado, na narrativa curta, pode ser bem mais dramático de conseguir, pelo menos com plena validade artística. O gênero literário que me parece mais difícil é justamente o mais antigo: a poesia”, defende.

Sidney Rocha atenta que contos e romances exigem trabalhos diferentes a clareza, na concentração e na “compreensão do tempo, em todos os sentidos”. “Se eu pudesse acrescentar alguma ideia às tantas que outros boxeadores já tentaram, diria que duas grandezas físicas da matéria se prestam bem à comparação. O romance e o conto não se distinguem pelo ‘comprimento’. Mas pelo ‘peso’. Geralmente o bom conto pesa mais. É preciso entender das propriedades físicas da matéria, mesmo, pra lidar com isso. No romance age uma força centrífuga, para fora; no conto, tento manter a força centrípeta, para o centro, e é desse ‘peso’ que falo. E isso é de fato complexo de se conseguir. Como também expandir essa força para fora”, define. “O conto lida com um intervalo de tempo que provoque determinado estranhamento. O romance lida com o destino do homem. Ele examina, interna o paciente. O conto opera e manda pra casa”.

Outro aspecto fundamental para um bom conto, segundo Sidney, é cuidar dos pontos de luz e sombra da narrativa. “Quer entender melhor? Um romancista é pescador que trabalha com a rede. O contista prefere o anzol, precisa ver o peixe se debatendo, precisa ver a traqueia se esforçando por ar. É uma resposta técnica. Porque tudo tem haver mesmo com técnica e menos com essa bobagem de poder de síntese, lamentações e outros subprodutos da moda, no sentido estatístico (e de mercado) da palavra”, compara. Aos boxeadores interessados, como apelida Sidney, a receita talvez seja buscar uma das diferentes formas de vencer, seja por nocautes, seja por pontos.

Leia a matéria no Jornal do Commercio deste domingo (22/2)

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