DEBATE

Tradutor de clássicos russos para o português fala sobre seu ofício

Um dos principais nomes da tradução do russo no Brasil, Paulo Bezerra é um dos convidados da Bienal do Livro de Pernambuco

Diogo Guedes
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Publicado em 09/10/2015 às 5:01
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Um dos principais nomes da tradução do russo no Brasil, Paulo Bezerra é um dos convidados da Bienal do Livro de Pernambuco - FOTO: Divulgação
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O tradutor paraibano Paulo Bezerra, 75 anos, já estava arrebatado pela prosa de Dostoiévski quando aprendeu o suficiente do idioma russo para refazer a leitura no original. A primeira reação foi de estranhamento. Enquanto o autor de Crime e Castigo era capaz de tecer frases rudes ou criar trechos intencionalmente caóticos para representar a crise de seus personagens, as edições brasileiras que havia lido traziam uma prosa simples, que buscava simplesmente desfazer essa desordem original.

Isso acontece porque, até os anos 2000, boa parte das versões brasileiras de obras russas eram feitas a partir de traduções já realizadas em outros idiomas. Sem aceitar essa deformação desnecessária do seu autor preferido, Paulo mergulhou no universo da tradução e foi um dos responsáveis por aumentar a divulgação da literatura russa no Brasil, realizando várias traduções para Editora 34, diretamente do idioma que aprendeu ainda na época da existência da União Soviética. Um dos nomes essenciais da tradução no Brasil da atualidade, ele participa da programação da Bienal do Livro de Pernambuco nesta sexta (9/10), conversando com a jornalista Priscilla Campos, a partir das 16h.

Para ele, o tradutor é uma espécie de mediador entre o leitor e o autor original – as traduções indiretas, que contam com uma mediação de duas pessoas, costumam funcionar como uma mera imitação fraca. “Daí as estranhezas, a maquiagem que torna um autor como Dostoiévski quase irreconhecível, especialmente quando traduzido do francês. O francês sofre de uma espécie de síndrome, que Henry Meschonnic, o grande teórico da tradução e autor do extraordinário livro Poética do Traduzir, chamou de ‘mito francês da clareza’”, define Paulo, em entrevista por e-mail.

Segundo ele, o resultado dessas traduções de antes era a perda de vários elementos importantes. “Ora, Dostoiévski é, entre todos os romancistas universais, o que mais revolve os desvãos da alma humana e representa com mais profundidade as crises vividas pelo homem. A linguagem humana traduz os diversos estados do nosso psiquismo. Quando uma personagem dostoievskiana entra em crise, esta se manifesta diretamente em sua linguagem. A sintaxe se torna sinuosa, empolada, descontínua, as palavras atropelam umas às outras, criando um grande caos na forma e no sentido das falas. É o que se verifica em O Duplo e O Idiota, por exemplo”, descreve o tradutor, que estudou literatura russa em Moscou e é doutor em Teoria da Literatura pela USP.

PAIXÃO - Até hoje, Paulo verteu para o português 54 obras – o próximo livro a chegar nas livrarias é O Adolescente, de Dostoiévski, previsto para dezembro. Nos romances que traduziu, especialistas em literatura russa viram não só uma obra mais próxima dos leitores brasileiros como a presença da aspereza e a “deselegância” de algumas das personagens do autor de Os Irmãos Karamazov.

“A tradução para mim é algo como uma segunda alma, é uma autoexperimentação permanente que me faz visitar espaços e tempos históricos diferentes e vivenciar a experiência daqueles que povoaram esses espaços e tempos, entrando em empatia com eles para poder me compenetrar deles e ouvi-los com o ‘ouvido da alma’, expressão do grande psicólogo e pensador L. S. Vigotski”, define o tradutor. “Só assim, nessa empatia com o outro, afasto o temor de cometer alguma injustiça com ele. Demais, o ato de traduzir é um comprometimento ético com a palavra do outro, que, em quaisquer circunstâncias, é inviolável. Por todos os desafios que representa, a tradução me brinda com uma satisfação incomensurável. Traduzir é viver seus próprios desafios.”

O ofício ainda traz consigo um aspecto fundamental: é uma espécie de recriação de uma obra que já existe, mas uma “recriação toda derivada da criatividade do tradutor”. Como ressalta Paulo, “o tradutor sempre é levado a escarafunchar os desvãos de sua língua, sua riqueza vocabular, seu manancial de ditos e provérbios, suas formas de linguagem gestual, enfim, seus múltiplos recursos semânticos e morfossintáticos na tentativa de resolver problemas similares que o original lhe impõe”. Paulo cita o poeta e tradutor Borís Pasternak: “Cada avanço diário pelo texto coloca o tradutor em situações antes vividas pelo autor. Dia após dia ele reproduz os movimentos um dia realizados pelo grande protótipo”.

BIENAL - Hoje o Centro de Convenções ainda recebe um bate-papo de Wellington de Melo com o vencedor do Prêmio Pernambuco de Literatura, o poeta Carlos Gomes, às 17h. Mais tarde, às 18h, a crítica literária Eliane Robert Moraes fala com Priscilla Campos sobre a antologia de poesia erótica brasileira que fez para a Atelier Editorial. No Ascenso Café, o músico Almir Jordão, da Ave Sangria, conversa com José Mário Austregésilo às 14h; às 15h, Geórgia Alves e Thiago Pininga fazem uma mesa com a editora da Confraria do Vento Karla Melo; e às 16h, Raimundo de Moraes e Geórgia Alves leem textos de Clarice Lispector. Para encerrar a programação, às 19h, o escritor Sidney Nicéas fala sobre o tema A Escrita, a Leitura e a Democratização da Literatura. O acesso à Bienal é gratuito.

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