Literatura

José Luiz Passos conclui novo livro em residência literária

Autor passa os meses de julho e agosto na usina Santa Terezinha para finalizar 'Antologia Fantástica da República Brasileira'

Flávia de Gusmão
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Flávia de Gusmão
Publicado em 30/07/2017 às 5:00
Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
Autor passa os meses de julho e agosto na usina Santa Terezinha para finalizar 'Antologia Fantástica da República Brasileira' - FOTO: Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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O escritor José Luiz Passos está de volta à sua terra natal. E isso, para ele, é sempre ocasião de regozijo, que anda ao lado de um turbilhão de emoções. Lá se vão 23 anos desde que ele saiu para estudar fora do país, numa escalada que o levou aonde está agora, aos 46 anos de idade: professor de literatura brasileira e portuguesa na Universidade da Califórnia (UCLA) e morador da cidade de Los Angeles (EUA), casado com a designer Raquel Barreto, dois filhos.

Vem com duas prioridades na agenda: lançar o livro A Órbita de King Kong (cujas ilustrações são assinadas por Raquel) e cumprir um período de residência literária na Usina de Arte, um projeto de incubação artística implantado dentro da antiga Usina Santa Terezinha, hoje desativada, no município de Água Preta, a meia hora da cidade de Catende, Zona da Mata Sul de Pernambuco, onde José Luiz nasceu.

Da última vez em que esteve numa usina, justamente aquela que adotou o nome do município onde está instalada – e também desativada – o abalo do encontro com o passado fez surgir o romance O Sonâmbulo Amador (Alfaguara, 2012). “Era a primeira vez que eu voltava à Usina Catende desde que saí de lá, ainda criança, para morar no Recife, e isso me causou um impacto tremendo”, confirma José Luiz.

A história de Jurandir, protagonista de O Sonâmbulo Amador, um homem marcado por perdas que o levam aos limites da insanidade, rendeu-lhe acesso ao panteão dos melhores autores brasileiros. Carimbou, em 2013, o Prêmio Portugal Telecom e, em 2014, o Prêmio Brasília de Literatura.

Quando José Luiz Passos cruzar a porteira desta outra usina, a Santa Terezinha, terá em mãos, já finalizado, o livro Antologia Fantástica da República Brasileira, produzido para o selo Pernambuco, da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), com edição de Schneider Carpeggiani.

Esta, aliás, é a segunda vez que o autor explora a relação entre Estado e família: em 2016, também pela editora Alfaguara, Passos entregou o romance O Marechal de Costas, uma ficção histórica que tem em seu foco central a figura de Floriano Peixoto. A narrativa é confeccionada a partir de fatos verídicos, inventados e supostos, na qual a figura do militar e político emerge entre conflitos pessoais e vida pública.

Antologia Fantástica é uma coleção de textos independentes, que variam entre o conto e o ensaio, mas que mantêm entre si elementos de ligação, como se costurados manualmente. “São textos disparatados que se conectam pelo tema “república”, detalha o escritor. O fascínio vem justamente pelo fato de esta forma de governo pressupor uma maior chance de igualdade para os que vivem à sua sombra. “No Brasil, o ponto de partida já é uma desigualdade profunda, que impossibilita a ascensão de quem está em desvantagem”. É a falência da ideia de república que move o interesse de José Luiz Passos.

Antologia Fantástica da República Brasileira é um livro modular, com seis capítulos, cada um deles trazendo o nome de uma pessoa. “Há o caso do pai que depois de morto dá ao filho conselhos extravagantes sobre patriotismo e vida íntima; há um professor brasileiro, imigrante nos EUA, que relembra sua avó americana, seu pai e um armeiro húngaro radicado no Recife após a II Guerra Mundial; há o caso do filme de faroeste americano sobre conflitos de fronteira que, ao ser legendado de modo estranho se torna uma parábola de resistência sertaneja”, revela Passos.

RESIDÊNCIA

José Luiz Passos é o escritor que inaugura o programa de Residência Literária da Usina de Arte, sob curadoria de José Rufino. Entre julho e agosto, hospedado na Casa dos Ladrilhos, ele percorre as paisagens que lhes são familiares desde a infância; entrevista pessoas; interagindo com a comunidade através do seu ofício literário. Ao mesmo tempo, recolhe material que será incluído tanto na Antologia quando em volumes futuros.

A Residência Literária da Usina de Arte foi lançada em 2016 e tem na cultura sucroalcooleira o principal mote para o desenvolvimento dos textos, embora o autor fique livre para escolher como irá apresentá-lo.

O tempo é um ingrediente importante nas construções narrativas de José Luiz Passos. Especialista na obra de Machado de Assis, ele lembra o escritor carioca como aquele a fazer sobressair, na literatura brasileira, o poder modificador que o passar das horas, dos dias, dos anos, exerce sobre os personagens. “Machado inventa a mobilidade humana, personagens moralmente dinâmicos, que mantêm uma relação complexa com o tempo”, explica.

Paradoxalmente, o cenário de sua imersão literária – a Zona da Mata Sul – o contempla com outro tipo de temporalidade, mais lenta, mais espaçada, onde as modificações no entorno parecem não acontecer, embora, de fato ocorram, mas numa velocidade abaixo do radar. “Visitei o hospital onde nasci e conheci um médico que se lembrava do parto, porque já estava ali naquela época”, surpreende-se. É este ritmo particular que empresta à narrativa nordestina uma particularidade que tem bases numa mutabilidade quase invisível. Antologia Fantástica da República Brasileira deve ser lançado em setembro, durante a Fenelivro, na qual Passos é um dos escritores homenageados, ao lado de Hermilo Borba Filho.

Ham: o herói involuntário

Fazer o livro A Órbita de King Kong (Editora Quelônio, 2017) foi, para José Luiz Passos, a oportunidade de realizar dois desejos antigos: ter um de seus trabalhos ilustrados por sua mulher, Raquel Barreto, designer e professora no curso de teatro da Universidade da Califórnia, e estrear na ficção científica. A essas circunstâncias, Passos uniu mais um ingrediente que lhe tem sido particularmente palatável: escrever sobre pessoas que, de fato, existiram, mas fazer isso pelo lado ficcional da biografia. Assim como foi com O Marechal de Costas, usando o vulto histórico de Floriano Peixoto.

O herói em questão é o macaco Ham: “o primeiro hominídeo a fazer um voo bem-sucedido ao espaço”, em 31 de janeiro de 1961. Ham, na verdade, já era um personagem pronto para ser consumido desde que capturou o olhar de José Luiz, pai de Cecília. A cápsula que o transportou em sua aventura está em exposição no California Science Center, um dos passeios favoritos da garota, a quem o livro é dedicado.

O texto curto encaixava-se perfeitamente no projeto da designer Silvia Nastari e do escritor Bruno Zeni, criadores da Quelônio, uma editora paulista independente, que tem como proposta a publicação de literatura brasileira e narrativas visuais, em tiragem limitada (100 exemplares) e formatos especiais. O resultado é que o chimpanzé Ham ganhou um suporte precioso para ter sua história narrada por José Luiz Passos.

Ao lado da aventura descrita em frases curtas e objetivas, com dados fornecidos por enciclopédias, revistas da época e relatórios da Nasa, o escritor insere reflexões como se o próprio Ham compartilhasse suas experiências, conjecturas e conclusões, não apenas do percurso a bordo da MR-2, mas até da ocasião em que deu bobeira e foi capturado em Camarões, na África, para depois ser vendido à Força Aérea dos Estados Unidos por 457 dólares.

Mais uma avenida de apreciação da obra se revela – apesar de o autor confessar que prefere deixar esta menos visível ao leitor – quando sabemos que este é também um conto catártico. Tendo superado recentemente um câncer, José Luiz Passos vibra na frequência empática de Ham, um herói involuntário, despachado para uma travessia de vida e morte, sobre a qual não possui qualquer controle. “O chimpanzé retorna da viagem com um problema de baixa imunidade por conta do estresse provocado pela ausência de gravidade. Esse é um dos efeitos colaterais de uma quimioterapia”, compara.

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