Arte política

Amparo 60: exposição coletiva 'Voragem' resgata os corpos ocultos

Questões políticas e sociais permeiam obras de grandes nomes da arte pernambucana

Márcio Bastos
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Márcio Bastos
Publicado em 22/07/2017 às 8:00
Felipe Ribeiro/JC Imagem
Questões políticas e sociais permeiam obras de grandes nomes da arte pernambucana - FOTO: Felipe Ribeiro/JC Imagem
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A Comissão da Verdade, estabelecida no governo de Dilma Rousseff, buscou lançar luz sobre a ditadura militar, um dos períodos mais obscuros da história brasileira. No relatório, a apuração reconheceu 434 mortes, sendo 210 delas desaparecimentos. Esses corpos ocultos, mas agora não mais esquecidos, são resultado de uma política repressora e truculenta que não ficou restrita ao passado. As vivências consideradas abjetas pelo poder continuam a sofrer tentativas de apagamento. Como uma resposta a essa prática, a Galeria Amparo 60 recebe, a partir de hoje, a exposição coletiva Voragem, com trabalhos que questionam o status quo e buscam trazer para a superfície o que o aqueles no poder tentam manter nas profundezas.

Com curadoria de Eder Chiodetto, Voragem começou a tomar forma a partir do trabalho de Gilvan Barreto, Postcards From Brazil, vencedor do prêmio Pierre Verger. Utilizando imagens da Embratur, órgão criado durante a ditadura para promover o turismo brasileiro, o fotógrafo faz recortes nas imagens, explicitando o vazio deixado pelos corpos desaparecidos das vítimas do regime nestes locais paradisíacos.

“Entrando em contato com as obras dos artistas da exposição, percebi como estavam conectados com a política contemporânea. São trabalhos que focam nas pessoas que estão à margem, mas nos quais os corpos não aparecem”, reflete o curador.

A coletiva é formada, além de Gilvan, por artistas do casting da galeria, como Bárbara Wagner e Benjamin de Búrca, José Paulo, Lourival Cuquinha, Paulo Bruscky e Isabella Stampanoni, além dos convidados André Hauck, Ivan Grilo e Jonathas de Andrade.

O título da exposição utiliza o fenômeno natural, um redemoinho de água que arrasta o que estiver no entorno para o fundo, para discutir as políticas excludentes e que tiram direitos dos cidadãos, em curso no Brasil e em outros países.

“Meu trabalho não é só sobre a ditadura. Estou falando também de um modus operandi, métodos, de crimes que continuam a ser implementados até hoje. É o que vemos quando some o corpo de Amarildo, por exemplo”, reflete Gilvan Barreto.

CONTRA O STATUS QUO

Em O Caboclo de 7 Flechas versus Ordem e Progresso, Lourival Cuquinha utiliza sete flechas de etnias indígenas do Xingu, na área da construção da hidrelétrica de Belo Monte, cujo capo é transpassado por moedas de 50 centavos, cujas bordas têm o lema da bandeira brasileira, para falar sobre a invisibilidade desses povos. Em Paleta Inútil, ele usa capas de carteira de trabalho para criticar o desmonte da CLT através da Reforma Trabalhista.

“O trabalho fala de uma luta de mais de 500 anos e parte da imagem utópica de que a economia capitalista predatória poderia ser destruída por uma flecha. Com esse governo golpista, a vergonha etnocida é inexistente”, enfatiza Cuquinha.

Já Paulo Bruscky irá apresentar o trabalho Não Há Vagas, sobre o desemprego, que seria exposto na 2ª Bienal del Sur, em Caracas, mas que foi retirado pelo artista em protesto à situação política da Venezuela.

“Na ditadura o inimigo era mais perigoso porque era oculto. Hoje, os inimigos estão na nossa cara. Todo caos é prenúncio de mudança. Vem mudança por aí”, enfatiza Bruscky.

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