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Construção do personagem com o ator Sebastião Formiga

Curso de Escrita Criativa Sindey Rocha recebe o ator e diretor Sebastião Formiga para debater A Construção do Personagem

JC Online
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Publicado em 24/08/2017 às 9:46
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Curso de Escrita Criativa Sindey Rocha recebe o ator e diretor Sebastião Formiga para debater A Construção do Personagem - FOTO: Divulgação
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O ator e diretor paraibano Sebastião Formiga participa hoje do módulo A Construção da Personagem, do Curso de Escrita Criativa Sidney Rocha, às 19h30, na Jump Brasil, com entrada franca, aberto a todos, inscritos ou não no curso.

Intérprete do personagem Geronimo, do curta-metragem escrito por Sidney Rocha e direção de Anny Stone, filmado no Vale do Catimbau, Pernambuco, em abril de 2017, Sebastião Formiga atuou também em O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, no qual interpretou o personagem Cláudio.

"Nos encontros, sobretudo desses dois módulos, tenho reforçado a importância do teatro para compreender melhor o personagem e os diálogos. E todos sabem da importância que dou ao teatro e ao ator, sobretudo. Agora, teremos a oportunidade de conversar com um dos melhores atores do Brasil, sobre vários temas" justifica Sidney, que a cada módulo  convida algum escritor ou escritora, críticos, artistas, para um bate-papo sobre linguagens e literaturas. No mês passado, o convidado foi o escritor pernambucano Marcelino Freire.

A CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM - PROCESSO CRIATIVO DO ATOR

Sebastião Formiga preparou um texto exclusivamente para o encontro - Laboratório do personagem: O processo criativo do ator, transcrito abaixo:

Com o crescimento das mídias eletrônicas, do cinema, em curtas e longas metragens, minisséries, redes sociais e outros, podemos afirmar um aumento no processo da leitura e da construção textual. A partir da qualidade das exibições de conteúdos midiáticos, podemos questionar a qualidade da escrita nas novas gerações de autores desse fazer artístico. Seja o mau uso da história, a mistura de gêneros, o desconhecimento dos princípios que norteiam o seguimento da arte, revelando uma baixa qualidade no fazer textual. Com um texto ruim, não tem saída! Não há ator que salve a obra. Daí a importância de um curso de escrita com organização e ministério de Sidney Rocha que discute: o estudo da cena e do diálogo, o ritmo, estrutura narrativa, a criação da personagem e outros.

O processo criativo do ator não se desenvolve de uma única forma. A partir de referências socioculturais, o ator criativo, sem saber qual a próxima personagem que irá interpretar, deve se manter atento e buscar experiências que contribuam para o desenvolvimento de sua sensibilidade, de seu tônus muscular, de sua voz. Tudo isso, a partir de uma perspectiva dialética e dialógica do pensar e do fazer artístico, influencia e determina uma nova perspectiva do olhar sobre a arte, seu trabalho artístico e a vivência das relações do dia a dia.

Ao longo da vida, as pessoas passam por inúmeras vivências sociais, afetivas, culturais e políticas. Esse ser se constitui através dessas relações com seu meio, considerando as dimensões diversas: trabalho, família, lazer, espiritualidade, arte, política etc. Basicamente, a partir das trocas e das relações que travamos, construímos objetivos e desejos. Essa troca se dá por uma interação, seja conflituosa ou de confluência, e cada um vai se descobrindo e se constituindo como ser em constante aprendizado e evolução, determinando o eu e a sua aparência.

Como ser ator e se manter inteiro e aberto a tantas influências ao longo da vida e, muitas vezes, não ser agraciado com personagens que lhe justifiquem a escolha da profissão? Acredito que o processo venha a ser o inverso. Fazer arte pela alegria e a realização e não pelo mérito de ser agraciado ou recompensado, entendendo que o “caminho se faz caminhando”, o que vier de coroação ao seu trabalho, maravilha! Ao chegar no nível de poder escolher o que fazer pela qualidade do conteúdo a ser oferecido ao público, a responsabilidade do ator aumenta. E cada um tem a responsabilidade de elaborar cada vez melhor essa construção.

Para o meu fazer artístico, há 30 anos desenvolvendo as artes cênicas e visuais, seja como intérprete ou como escritor de textos para teatro (cômico e dramático, cinema em curtas e longa metragem e em cordel biográfico e ficção, conto de fadas e stand up comedy), navegar por tantas manifestações artísticas me fez e faz estar sempre em contato com os princípios da arte, a linguagem e características de cada gênero textual. A fusão dos opostos, o exagero e as repetições fundamentais para a comédia, em geral, não se aplicam para o drama, em que se estabelece o conflito e o espectador espera o acontecimento das realizações impossíveis. Já os verbos de sensações, tão fundamentais na narrativa cômica do stand up comedy, não se aplicam as falas no cinema.

Portanto, o aprendizado do ator está junto ao do autor e do diretor, cada um com suas peculiaridades num só corpo, numa só busca. O autor constrói sua obra com a imaginação em seu gabinete, já o diretor, apesar de compreender tudo, tem a tarefa de desenvolve tudo na prática, seja no palco com todas as possibilidades e recursos que a caixa cênica proporciona ou diante das câmeras com cenários e aspectos de um mundo real. Em ambos, a condução da personagem vivida pelo ator deve obedecer a critérios estabelecidos pela direção e a atuação de acordo com o gênero poético e os objetivos a serem protagonizados.

Tomando o indivíduo como ponto de partida e de chegada, justifica-se as ações a partir das características de sua psicologia, motivações internas e conflitos. Segundo Brecht (1967), “o teatro épico deduz em sua narrativa os caracteres das ações, pois ao invés de olhar para o indivíduo isoladamente, olha para as grandes organizações na qual fazem parte;” como o universo fabril, as revoluções, sedições, guerras, precarização do trabalho, exploração da mão de obra e outras violações dos direitos.  “Enquanto o drama se interessa por acontecimentos "naturais", de preferência situados na esfera da vida privada” Seja nas relações parentais e sociais, relações de sobrevivências e com as causas e fenômenos naturais.  “O teatro épico tem interesse em acontecimento público” mesmo o privado, quando é de interesse de todos, “de preferência os que exijam explicações por não serem evidentes, nem naturais; enquanto o drama se limita a apresentar seus caracteres em ação, o teatro épico transita dessa apresentação para a representação e desta para o comentário, tudo na mesma cena. ”

A primeira leitura de um roteiro ou texto teatral é muito importante para se ter uma visão geral da leitura do expectador sobre a obra.  Nesse caso, o ator deve se colocar aberto e disponível para se deixar influenciar pelas emoções da atmosfera estabelecida pela história. A partir desse ponto, o ator deve estabelecer um diálogo intenso em sua pesquisa, levando em conta as rubricas do autor, estabelecendo um entendimento da ambientação, cenário, época, figurino, luz, som e o universo a ser percorrido pelo herói e as outras personagens.

A partir deste entendimento, o ator criativo se joga numa busca interna maior ainda, pois agora é ele por ele mesmo, buscando unificar todas as informações num caminho ao encontro do eu puro, antropológico e real, deixando seu corpo processar uma sinergia única, onde a alma, para Artaud (1984), “é o próprio corpo chegado ao limite de sua distensão e de suas forças e que deve mesmo ir além. É uma espécie de ventosa colocada sobre a alma, cujo azedume corre como um ácido até as últimas bordas do sensível”.

Neste estado, o ator se entrega de corpo e alma à personagem, se deixando fluir no limiar artístico, onde, ao saber que é um jogo e ao mesmo tempo o ser real, com o maior requinte de verdade, conduzindo as ações, preservando os impulsos e o fazer dialeticamente, deixando fluir as ações dentro do mínimo possível, pois, segundo Artaud (1982) “o corpo sem órgãos não é um corpo morto, mas um corpo vivo, e tão vivo e tão fervilhante que ele expulsou o organismo e sua organização. Piolhos saltam na praia do mar. As colônias da pele. O corpo pleno sem órgãos é um corpo povoado de multiplicidades. ”

 A busca incessante por um estado de entrega à personagem, leva o ator a vários caminhos laboratoriais: a mimese corpórea, a vivências com seres e pessoas no habitar do ciclo vital a serem retratados ou não, o trabalho físico, técnica vocal, ouvir músicas, o som dos ventos nas árvores, nas montanhas, na água, extrair o som das pessoas ou dos envolvidos diretamente com a criação da personagem, conviver com animais, o isolamento ou o convívio comunitário de acordo com a busca. Tudo isso deve compor as influências das nuances e intenções que o ator numa espécie de diário deve registrar em sua memória, cada detalhe que interesse a sua criação e, assim, do início ao término do processo de ensaios e, por último, as gravações.

O jogo de imagem e som na tela revela o aumento do fazer artístico, daí a busca por novas linguagens. Mesmo assim, o cinema mantém uma relação indissolúvel com a realidade. Através do aparelho, a câmera penetra no âmago da realidade da personagem:  “A natureza ilusionística do cinema é de segunda ordem e está no resultado da montagem. Em outras palavras, no estúdio o aparelho impregna tão profundamente o real que aparece como realidade ‘pura’, sem o corpo estranho da máquina, é de fato o resultado de um procedimento puramente técnico, isto é, a imagem é filmada por uma câmara disposta num ângulo especial e montada com outras da mesma espécie.” (BENJAMIN, 1994, p. 186).

A realidade técnica da sétima arte é que exige do ator criador uma perfeita sintonia entre várias linhas de compreensão do fazer da arte, seja o entendimento do roteiro e as intenções das personagens, o jogo de câmera, fotografia, luz, figurino e a busca por uma verdade expressa minimamente como complemento alusivo ao mundo real ou ficção enormemente dilatado na tela. A partir desse momento, a obra vira realidade histórica com todos os signos impressos, propondo várias perspectivas de olhares sob a mesma história.

 

 

 

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