Diálogo

A relação conturbada do Congresso e Planalto

Nove meses após a posse de Bolsonaro e oito meses após a posse do executivo, poderes ainda tem dificuldades para se relacionar

Anna Tenório e Mirella Araújo
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Anna Tenório e Mirella Araújo
Publicado em 29/09/2019 às 7:30
Agência Brasil
Nove meses após a posse de Bolsonaro e oito meses após a posse do executivo, poderes ainda tem dificuldades para se relacionar - FOTO: Agência Brasil
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Sem base política estabelecida no Congresso Nacional, embora já tenha se passado nove meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o Poder Legislativo têm travado duras batalhas (e derrotas) às custas de discussões importantes. Na semana passada, novas derrotas entraram no histórico da gestão de primeiro mandato: a reforma da Previdência, cuja votação foi adiada duas vezes no Senado, a derrubada de 18 dos 33 vetos do presidente sobre a Lei de Abuso de Autoridade, e a retirada do excludente de ilicitude do pacote anticrime do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

Desde que assumiu a Presidência da República, Bolsonaro vem batendo no discurso que seguiria um caminho diferente do modelo tradicional de fazer política no País, o chamado de presidencialismo de coalizão – quando é construída uma base entre partidos ou forças políticas na busca de um objetivo. Entretanto, especialistas ouvidos pelo JC, chamam atenção para o alto risco que o País vem passando nessa batalha de forças. "A negação ao Congresso é ruim porque a estabilidade nessa relação é necessária para avançar certas pautas. Não há muito tato do governo federal e vemos o Senado fazendo manobras para que o Congresso tome conta das pautas e siga sua própria agenda", avalia o doutor em Ciência Política pela Willy Brandt School of Public Policy, Magno Karl.

Vale lembrar que, na história recente da redemocratização do Brasil, os ex-presidentes Fernando Collor (PTC) e Dilma Rousseff (PT) também adotaram um perfil combativo ao Congresso Nacional, o que acabou fortalecendo o discurso pró-impeachment. "Presidentes que tentam colocar em si muitas das iniciativas políticas e roubar do Congresso Nacional o seu papel de direito, tendem a não ir muito bem na sua condução política", explica Karl. Ainda segundo o especialista, no caso do ex-presidente Collor havia uma tentativa de fazer uma ponte direta com a população, ignorando o Congresso – semelhante ao contato que Bolsonaro faz com seus eleitores via redes sociais. Em relação à ex-presidente Dilma, a petista tentou desqualificar o Congresso culpabilizando-o à respeito das reformas que estariam travadas e implicavam na sua governabilidade. "Bolsonaro também tenta centralizar nele as ações de governo e, sem nenhum disfarce, coloca os congressistas que resistem às suas decisões como vilões. É uma aposta arriscada", completa o cientista político.

A pesquisa CNI/Ibope, divulgada na última quarta-feira (25), mostrou que 55% dos brasileiros não confiam em Jair Bolsonaro, enquanto que 50% desaprovam sua forma de governar o País. "Se o presidente mudasse de postura e fosse um construtor de pontes e de diálogos, e não de muros e confrontos, ele poderia, sem dúvida nenhuma, melhorar não só os índices de sua aprovação. Sem escândalos de corrupção e deixando, efetivamente, que os ministros Sergio Moro e Paulo Guedes [ECONOMIA] trabalhassem sem intervenções atabalhoadas por parte dele e de seus filhos, talvez a situação melhorasse bastante", crava o cientista político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo Rodrigo Prando.

No Congresso, o protagonismo antes assumido pela Câmara dos Deputados, agora se volta para o Senado Federal, porque é nesta Casa Legislativa que está tramitando a reforma da Previdência. E contrariando as expectativas do próprio governo federal, o cenário conturbado entre os deputados federais têm se repetido entre os senadores.

Na Casa Alta, os parlamentares também têm questionado as ações do presidente Bolsonaro. Em Pernambuco, dos três senadores, um é líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB); Jarbas Vasconcelos (MDB) tende a manter uma postura crítica, mas menos combativa, e o terceiro é líder do PT no Senado e um dos líderes da oposição, Humberto Costa. Nesta semana, Jarbas subiu à tribuna do plenário para tecer críticas a uma ação do Executivo, e, na ocasião, chamou de "irresponsável" e "desleal" a decisão do governo de importar etanol de milho dos EUA para o Nordeste.

"A base que o governo tem no Congresso é muito em função da agenda, na questão da agenda econômica, tem ressalvas e apoios para aprovar. Porém, quando muda a agenda e entra em outros temas, aí realmente o governo se perde e não tem maioria e nem sustentação. Está valendo para os dois lugares [Câmara e Senado]. Com relação ao Senado, poderia ter maioria mais tranquila, mas está complicando", avalia Humberto Costa.

A decisão do governo de não focar na criação de uma base parlamentar foi deliberada e anunciada ainda no primeiro semestre deste ano. De acordo com o deputado federal Daniel Coelho, líder do Cidadania na Câmara dos Deputados, é comum uma relação mais distante dos presidentes de primeiro mandato e, por isso, tenham que governar a partir de decretos executivos – como no caso de Bolsonaro. Por outro lado, comenta Coelho, "o presidente sempre fala sobre o seu poder, então, o decreto tem haver com isso, já que ele não quis criar essa governabilidade", diz.

Apesar das críticas ao modelo de gestão do presidente, Daniel Coelho também afirma que o modelo do presidencialismo de coalizão estava longe de ser o ideal. "Porque terminava fatiando o governo, não tinha um conceito de projetos comuns, já que cada um tinha sua fatia e aquilo terminava virando uma máquina de corrupção", avalia.

Líder do PSB na Câmara, o deputado federal Tadeu Alencar defende que o presidente Bolsonaro ainda age como se estivesse no "palanque político" das eleições. Ainda de acordo com Tadeu, a votação pela reforma da Previdência na Casa Legislativa teve um "discurso falso". "Muitos parlamentares votaram com convicção, por acharem que os ajustes feitos eram necessários, mas outros foram estimulados a votar a favor por outro tipo de ingrediente, que foi a liberação de emendas. Fala-se até no valor de R$ 40 milhões", conta o socialista.
De acordo com Rodrigo Prando, um dos problemas da falta de diálogo entre os Poderes é "estacionar a governabilidade de maneira que ele [BOLSONARO] não consiga avançar porque o Congresso não lhe dá apoio e não fecha as questões com ele".

Líder do Governo no Senado

A Operação Desintegração deflagrada pela Polícia Federal (PF) no gabinete do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo Bolsonaro no Senado, é mais um ingrediente para a tensão que não têm envolvido só os Poderes Executivo e Legislativo. Ela também respinga no Judiciário. Autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, a ação mira eventos ocorridos entre 2012 e 2014, quando FBC era Ministro de Integração Nacional. O Congresso reagiu. O presidente da Casa Alta, Davi Alcolumbre (DEM-AP), adiou a votação da reforma da Previdência, antecipando a análise dos vetos do presidente à Lei de Abuso de Autoridade. O trabalho de articulação de Fernando Bezerra é de reconhecimento notório e sua saída do cargo poderia prejudicar ainda mais a governabilidade de Bolsonaro, dizem parlamentares em reserva. Ciente disso, o presidente já afirmou que pretende mantê-lo no posto de liderança. "Não posso tirá-lo de lá com uma busca e apreensão de um processo antigo e que nós já sabíamos que existia", declarou Bolsonaro.

Mas para a cientista política Priscila Lapa, esse questionamento gera ainda mais fragilidade para o governo, mesmo que se posicione em resposta ao Judiciário. "A liderança de Fernando Bezerra Coelho tem sido fundamental dentro de uma articulação política e regional de também trazer a atenção do Nordeste para o governo. Mas ele está sendo questionado agora e pode gerar mais um ponto de fragilidade para o governo", disse Priscila.

O episódio divide opiniões no Parlamento. Para o líder do PSB na Câmara, Tadeu Alencar, ninguém é intocável em uma República. "Por outro lado, pareceu-me estranho uma diligência não contemporânea aos fatos investigados, ainda mais com parecer contrário do Ministério Público Federal", declarou.

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