SAÚDE MENTAL 2

Elie Cheniaux fala sobre livro que aborda transtornos mentais nos filmes

Coautor de publicação, psiquiatra diz que população em geral tem curiosidade sobre o assunto

Cinthya Leite
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Cinthya Leite
Publicado em 16/09/2012 às 0:20
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Coautor de publicação, psiquiatra diz que população em geral tem curiosidade sobre o assunto - FOTO: Divulgação
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Produzir um livro que mescla saúde mental e cinema é um desafio porque são temas que aguçam a curiosidade e – ao mesmo tempo – são permeados por questões para as quais não há consenso. Devido a essa complexidade, alguns estudiosos chegam a acreditar que jamais o ser humano (muito menos a indústria cinematográfica) conseguirá desvendar de forma plena o que está por trás da mente.

Autores do livro Cinema e loucura – Conhecendo os transtornos mentais através dos filmes (Artmed Editora, 288 páginas, R$ 89), os especialistas Jesus Landeira-Fernandez e Elie Cheniaux recorreram a personagens de 184 filmes clássicos e modernos, inclusive brasileiros, para mostrar ao leitor o que está por trás dos transtornos mentais. Sobre o assunto, Elie Cheniaux conversou com a repórter Cinthya Leite.



JC - Como surgiu a ideia de desenvolver o livro?

ELIE CHENIAUX -
A ideia do livro surgiu dentro da sala de aula. Assim como o professor Landeira, também trabalho em universidade, ministrando aulas em disciplinas de psiquiatria e psicopatologia, para alunos de graduação e pós-graduação em medicina, em psicologia e em outros cursos. Frequentemente os alunos, de forma espontânea, fazem perguntas sobre que diagnóstico teria personagem de tal filme. Assim, percebemos que os filmes poderiam ser utilizados como ferramenta de ensino na sala de aula; e os seus personagens, como exemplos clínicos de transtornos mentais. Vimos ainda que o livro poderia ser especialmente importante para alunos que não têm acesso a enfermarias e a ambulatórios de psiquiatria e, dessa forma, não podem ter contato direto com doentes mentais. Nesse sentido, o livro poderia ser interessante para leigos, que comumente são muito curiosos sobre o adoecimento mental.

JC - Pretendem fazer uma nova edição atualizada?

CHENIAUX -
Talvez nunca façamos uma edição atualizada porque o livro não se propôs a ser completo, isto é, incluir todos os filmes em que personagens apresentaram algum tipo de psicopatologia. Certamente, poderiam ter sido incluídos mais do que os 184 filmes que discutimos. Nesse sentido, seria possível fazer novas edições. E como a indústria cinematográfica parece adorar a loucura, qualquer nova edição do livro com filmes mais recentes estaria defasada, sem exagero, em apenas um mês. Contudo, não descartamos a possibilidade de lançar novas edições.

JC - Qual o critério que vocês utilizaram para a escolha dos 184 filmes?

CHENIAUX -
Foram critérios múltiplos e complementares. O critério principal era haver, pelo menos, um personagem no filme que exibisse características de um transtorno mental ou que tivesse um diagnóstico psiquiátrico. Demos prioridade a filmes que mostravam de forma fidedigna os transtornos mentais, mas também a filmes de maior qualidade artística, filmes mais conhecidos do grande público. Ainda incluímos as nossas preferências pessoais. Como sou grande fã do Hitchcock e do Woody Allen, quis incluir o máximo possível de filmes desses dois cineastas.

JC - No livro, vocês colocam um e-mail para contato, a fim de que os leitores enviem críticas, comentários e sugestões? Como é essa interação?

CHENIAUX -
Temos recebido muitas mensagens dos leitores. Quase sempre trazem elogios ao livro e sugestões de filmes. Já fizemos uma lista com talvez mais de 200 sugestões.

JC - Ao considerarmos os filmes apresentados no livro, podemos dizer que a maioria deles ajuda a sociedade em geral a compreender os transtornos mentais?

CHENIAUX -
Não a maioria, pois os filmes são muito heterogêneos quanto a esse aspecto. Alguns filmes mostram de forma bastante fidedigna como são os transtornos mentais, como é o caso de Farrapo humano (alcoolismo), Longe dela (Alzheimer) e Mr. Jones (transtorno bipolar). Por outro lado, outros mostram os transtornos mentais de forma muito distorcida: Uma mente brilhante (esquizofrenia) e Como se fosse a primeira vez (transtorno amnéstico). Na esquizofrenia, por exemplo, são raras as alucinações visuais, caracterizada por visões de coisas que, na verdade, não estão presentes. As auditivas são as predominantes. Em Uma mente brilhante, contudo, John Nash vê várias vezes um colega de quarto na universidade e a sobrinha deste. Ambos nunca existiram.

JC - Como os filmes podem ajudar os pacientes e as famílias deles a compreender melhor os distúrbios mentais?

CHENIAUX -
Em minha opinião, os filmes não devem ter essa função. Eles, como qualquer obra artística, devem divertir e provocar emoções na plateia. Os filmes poderiam ser úteis para promover uma maior compreensão acerca dos transtornos mentais apenas se discutidos com um profissional da área, que possa apontar as imperfeições dos longas na caracterização dos quadros clínicos psiquiátricos - imperfeições essas que são frequentes e geralmente grosseiras.

JC - Em sua opinião, que filmes melhor ajudam a promover a queda de estereótipos relecionados a transtornos mentais?

CHENIAUX -
Não vejo muito os filmes fazendo isso, mas aqueles que mostram de forma mais fidedigna os transtornos mentais, como os citados anteriormente, podem contribuir para uma diminuição do preconceito.

JC - E que filmes trazem abordagem errônea sobre os transtornos e favorecem o preconceito?

CHENIAUX -
Acredito que os filmes favorecem mais o preconceito contra a psiquiatria do que contra o doente mental. Filmes como Bicho de sete cabeças e Um estranho no ninho mostram o psiquiatra e os profissionais de saúde mental como cruéis, sádicos, desumanos e desonestos. Neles, os métodos terapêuticos são mostrados como formas de tortura.

JC - Que transtornos mentais ainda não foram representados no cinema e poderiam ser melhor trabalhados?

CHENIAUX -
Tivemos grande dificuldade em encontrar filmes não documentários sobre transtornos alimentares, particularmente anorexia nervosa, e também sobre o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. São transtornos mentais frequentemente discutidos na mídia, mas que foram pouco abordados na tela de cinema.

JC - Ao considerar o mote cinema e saúde mental, qual o seu filme preferido?

CHENIAUX -
Independentemente da questão psiquiátrica, Um corpo que cai, de Alfred Hitchcock, é meu filme favorito. Até o presente, já o vi pelo menos 12 vezes. Nele, encontramos evidentes características de transtornos fóbicos, transtorno de estresse agudo e, principalmente, transtorno de estresse pós-traumático. Por outro lado, Farrapo humano, de Billy Wilder, é uma verdadeira aula sobre alcoolismo. Ray Milland ganhou o Oscar de melhor ator por esse filme, desempenhando o papel de um alcoolista. Vemos no filme a questão da dependência do álcool, com o personagem tendo que beber de manhã para parar de tremer, a degradação moral, social e profissional causada pela bebida, como também um quadro de delirium tremens, que representa uma grave crise de abstinência.

* Leia a matéria completa na edição impressa de Arrecifes deste domingo (16/9).

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