Cena Política

Marília Arraes está usando todas as peças para jogar e brinca com a ansiedade de PSB e PT sobre uma decisão que ela já tomou

Quanto mais espera, mais os adversários cometem erros. Os comunicados publicados nas redes estão criando argumentos de campanha.

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Igor Maciel

Publicado em 21/03/2022 às 7:35 | Atualizado em 21/03/2022 às 11:21
Análise
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Marília Arraes (PT) fez dois comunicados públicos em um espaço de 48h. No primeiro, reiterou que é "jovem e mulher". No segundo, criticou aqueles que se comportam como se fossem "senhores de seu destino".

Nos últimos dias, o que se está vendo é uma construção de narrativa. Não é todo dia que se vê um roteiro sendo criado em tempo real, porque nem sempre isso é feito em espaço curto de tempo e de forma tão pública.

Dias atrás, esta coluna adiantou o material que uma chapa envolvendo Raquel Lyra (PSDB) e Marília Arraes (PT) teria para explorar, caso fossem candidatas, juntas ou em palanques paralelos.

Mulheres, rejeitadas pelos homens em seus partidos.

Raquel foi rejeitada no PSB, Marília no PSB e depois no PT. Mas, o caso da petista é ainda mais delicado.

Porque enquanto Raquel já fez sua travessia para um partido de oposição, mais ao centro que à esquerda, Marília saiu do PSB para cair em outra sigla de esquerda, o PT. A sua história e a história da família Arraes com a esquerda também não é um elo fácil de quebrar.

Receita de bolo

Dentro da jornada de herói, num modelo clássico de construção de roteiros para o cinema, uma das possibilidades é explorar o protagonista como alguém que não quer batalhas, que já lutou suas guerras, sabe a força que tem e não está disposto a usá-las. Quer tranquilidade.

Mas, começa a sofrer injustiças, é perseguido, maltratado. Depois de tanto sofrimento, é obrigado a ir à luta. "Não há outro jeito".

Nos filmes ele sempre vence no fim.

Funciona também na política. É uma receita para criar mitos e garantir boas votações.

Quem entrar nas redes sociais e ler os comentários nas comunicações feitas por Marília, vai entender porque esse formato vende tanto ingresso no cinema.

Boa parte dos comentários é torcendo para que ela "se livre do PT e lance candidatura". É o herói sendo estimulado a "lutar para cessar as injustiças".

As coisas são construídas de maneira tão natural que alguns podem dizer que é apenas coincidência. Mas, o segredo da jornada do herói é não parecer artificial, pra que sua construção tenha cheiro e gosto reais.

É bom dizer que não significa, nesse caso, que as injustiças não tenham acontecido. Que a perseguição seja mentira. Existe. A construção é para reforçar isso ao público e garantir comoção.

Ansiedade

Na política, faz-se como num jogo de xadrez e se tenta induzir os outros jogadores ao movimento precipitado. A janela partidária fecha em menos de 15 dias. Quem tem mais paciência para esticar seus próprios prazos, leva vantagem.

Marília já tem uma decisão tomada sobre seu futuro, mas fala em anunciar isso oficialmente "nos próximos dias", contando com a ansiedade de petistas e socialistas. Quem fica ansioso, comete erros.

Um desses erros foi cometido no domingo. Acreditando que a neta de Arraes já tomou a decisão e deve sair do partido, os petistas que tentam falar com ela, e não conseguem, resolveram anunciar que ela "seria a candidata ao Senado".

Sabem que ela não aceitará, mas criaram um argumento. No futuro, quando disser que foi injustiçada no PT, responderão que "deram a vaga e ela não quis".

A nota publicada pelo partido é hábil em demonstrar isso: "Sabendo que nunca existiu veto ao nome de Marília Arraes à vaga indicada pelo PT...", diz o texto.

O problema é que isso não terá tanto impacto quanto o desabafo dela, afirmando que os petistas agiram como se "fossem senhores do seu destino".

Ela explorou mais uma demonstração da "perseguição que sofre" dentro do PT.

A imagem de mulher, injustiçada, sendo "obrigada a obedecer o que os homens escolhem para ela" é muito mais forte eleitoralmente do que os meandros de um arranjo partidário.

Por enquanto, ponto para Marília. 

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