Precisamos falar sobre as influências que os parlamentares brasileiros recebem
Confira a coluna Cena Política desta quarta-feira (5)
Em 2011 foi lançado um filme chamado “Precisamos falar sobre o Kevin”. A história é sobre um adolescente, psicopata, que promove uma tragédia na cidade em que mora. Desde o início da história, quando ele ainda é criança, o espectador já percebe o problema que virá. A frase que visita a mente de quem assiste o filme, desde o início, é: “isso vai acabar mal”.
Pois, se as relações políticas brasileiras fossem um filme, poderíamos chamar de “Precisamos falar sobre o lobby”. Porque além de todos os problemas que isso já causou, ainda se pode dizer, também, que “vai acabar mal” .
Pressão
O lobby é a atividade desempenhada por organizações econômicas, grupos financeiros, empresas, associações e sindicatos junto aos parlamentares, através de influência eleitoral e, mesmo que isso seja proibido, quase sempre financeira.
Não é difícil perceber a influência desses grupos na política brasileira. Basta ficar de olho em votações estranhas nas quais um deputado que sempre defendeu algo muda de ideia “repentinamente” em direção oposta.
Meia volta
Também é fácil identificar a influência de algum agente externo, um lobista, quando toda a bancada de um estado fecha questão sobre algo de interesse da origem dos deputados e algum elemento muda de direção sem querer dar qualquer explicação ou com argumentos que não convencem nem uma criança.
Nessas mudanças estranhas de posicionamento, sem qualquer fato que altere o entendimento da matéria em questão, pode se apostar que as chances de ter havido atuação de lobistas é considerável.
Consciências
Populações inteiras podem ser prejudicadas, a economia pode ser desestabilizada, empregos podem desaparecer, a desigualdade se amplia e a miséria aumenta por causa de decisões aparentemente isoladas e desconexas de deputados e senadores que preferem votar segundo as influências que absorvem e não com suas consciências de representação.
Não é sempre assim, mas acontece com frequência maior do que deveria.
Alguém sempre ganha
Você pode pensar que é um absurdo imaginar que alguém pague para parlamentares tomarem decisões que causam essas catástrofes. Mas, nesse mundo, quando a indústria de uma região perde, outra região ganha.
Quando privilégios públicos são mantidos, os sindicatos ganham.
Quando a ordem se desestabiliza, organizações criminosas se enraízam. Sim, porque existe lobby até de organizações criminosas. São Paulo e o Rio de Janeiro estão aí para provar isso.
Blusinhas
Mas, longe das influências do crime, apenas para citar dois exemplos recentes de votações polêmicas no Congresso, basta lembrar a dificuldade que foi para se aprovar os benefícios à indústria automotiva do Nordeste (que se não fossem aprovados, iriam beneficiar o Sudeste) e, ainda mais próximo, o caso da “taxa das blusinhas”.
Nesta última discussão, a taxa de 20% sobre os produtos de até US$ 50 comprados em sites chineses foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas de um jeito muito esquisito.
É bom, mas era ruim
Apesar de ser bom para gerar empregos na indústria nacional e ajudar na competitividade das empresas brasileiras obrigadas a concorrer com os sites chineses, foi incrivelmente complicado aprovar o tributo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), precisou mandar enfiar a taxa dentro de outro projeto, quase escondido, o que chamam informalmente de “Jabuti”, porque aparentemente ninguém queria brigar com os chineses.
Bugigangas
Aí aparece o presidente da República, Lula (PT), avisando apressado que se fosse aprovado “iria vetar”, que “não era necessário colocar taxa porque eram só bugigangas”. A preocupação do petista em não prejudicar os sites chineses chamou a atenção.
Toda a indústria nacional argumentou que o desemprego poderia aumentar se não houvesse igualdade de condições. Até as centrais de trabalhadores, que normalmente apoiam Lula, criticaram ele.
Esquisito
No fim, aconteceu um acordo meio forçado e o texto passou para o Senado. Aí a história ficou ainda mais esquisita. O relator na Casa Alta, com a explicação mais esquisita possível, avisou que iria tirar o trecho sobre a taxa, porque achou que o tema “tem que ser melhor discutido”.
De repente, o texto que foi discutido, modificado, resultado de acordo entre governo, partidos e líderes do Congresso, além de representantes do ministério da Fazenda, virou “algo que precisa ser melhor discutido”. É estranho, pra dizer o mínimo.
Libera
Há uma ideia sobre a liberação das drogas acabar com o tráfico de drogas. E se o lobby fosse liberado no Brasil, e regulamentado, será que teríamos menos problemas?
Quem já defendeu isso, e o fez com a profundidade que lhe era peculiar, foi Marco Maciel. O ex-senador pernambucano defendia que o lobby fosse liberado e regulamentado para que houvesse transparência.
Precisamos falar
No entendimento do ex-senador e ex-governador pernambucano, quando um parlamentar votasse contra o interesse de seus eleitores, bastaria ir ver quem eram seus financiadores e essas pressões poderiam ser explicitadas.
Transparência é um dos elementos mais importantes da democracia. E as coisas andam cada vez mais esquisitas na democracia brasileira. Precisamos falar sobre o lobby.