Semipresidencialismo Velado: Bolsonaro, Arthur Lira e a pauta do Congresso

Bolsonaro era contra isentar as carnes de imposto e precisou ser convencido. Mas por que convencer um ex-presidente para aprovar um projeto na Câmara?

Publicado em 13/07/2024 às 20:00

Políticos em Brasília têm dito constantemente que o cargo de presidente da Câmara dos Deputados é mais importante do que a grande maioria dos postos de governador no Brasil.

Com o semipresidencialismo disfarçado que vivemos, um imenso poder financeiro para ações externas e o ambiente polarizado politicamente que aumenta a dependência de todos os poderes às decisões do Legislativo, estar neste posto de comando do Congresso é ocupar o olimpo do poder.

Poder

Agora imagine que para exercer este poder com vigor é necessário ter o controle da articulação por votos dos deputados. É necessário saber onde buscar e como garantir que projetos e propostas de emendas constitucionais sejam aprovadas ou rejeitadas de acordo com sua vontade e com os acordos que você constrói junto ao Executivo e aos partidos.

Nesse contexto, que é a realidade brasileira em vigor, qual é o partido com o maior número de votos no país? O PL com 99 deputados. E quem manda no PL atualmente, mais do que o próprio presidente nacional, Valdemar Costa Neto? Jair Bolsonaro (PL).

Bolsonaro

Se você acha exagero, precisa saber que a isenção dos impostos sobre as carnes, aprovada na regulamentação da Reforma Tributária e esperando para seguir ao Senado, teve participação direta do ex-presidente.

E que ninguém se anime achando que ele articulou a isenção porque é sensível com os mais pobres. Ele era contra e precisou ser convencido depois de um dia inteiro de longas conversas com gente importante. E ele era contra porque achava que "isso ajudava Lula".

Convencimento

Arthur Lira (PP), o todo poderoso presidente da Câmara, foi um dos que precisou visitar o ex-presidente da República. Lira precisava dos votos do PL para aprovar a isenção de tributos na carne, utilizou muitos argumentos, mas Bolsonaro não se convencia e não queria liberar a bancada do partido.

O motivo: “vai ajudar a JBS dos irmãos Batista que são amigos de Lula”. A questão só foi resolvida quando alguém conseguiu convencer Bolsonaro de que os concorrentes da JBS também seriam ajudados e a empresa poderia até ter mais dificuldade com o corte de impostos e o acirramento dessa concorrência.

Protagonismo

Com o tempo, o brasileiro já se acostumou com as decisões sem lógica e as reviravoltas mais sem lógica ainda do ambiente bolsonarista. Mas essa não é a questão aqui.

O ponto é chamar atenção para mais um sintoma de que estamos vivendo um semipresidencialismo disfarçado, no qual líderes políticos exercem poder direto sobre bancadas inteiras, tomando decisões diretas em conjunto com a liderança do Legislativo (um tipo de primeiro-ministro) sem grande interferência do chefe do Executivo, o presidente da República.

Foi assim com o imposto das carnes e está sendo assim em várias outras pautas.

Cômodo

A questão é que se criou uma situação muito cômoda para o Legislativo, a partir do ponto em que emendas impositivas e as chamadas “emendas pix” foram ganhando volume e empoderando parlamentares. Há muitos direitos e quase nenhum dever. É injusto sob qualquer ponto de vista, menos o dos deputados e senadores.

Hoje, a realidade do Legislativo é a de tomar decisões com muito menos interferência e capacidade financeira maior a cada dia. Mas quando algo dá errado, a culpa é do presidente da República que estiver sentado na cadeira. 

Os acertos são filhos do Legislativo e os erros são filhos do Executivo.

Poder e responsabilidade

A última vez em que se discutiu mudança de sistema político no Brasil foi através do ex-senador José Serra (PSDB). O tucano entendia que isso seria a verdadeira reforma política a ser oferecida à sociedade pelo Congresso Nacional.

Em situação de crise, argumentava o senador, “os deputados teriam de pensar duas vezes antes de enfraquecer o agir por cima de um governo”. Isso porque, no sistema parlamentarista, todos correriam o risco de disputar nova eleição.

Talvez seja hora de alguém resgatar essa discussão. É preciso aumentar a responsabilidade de quem teve um aumento de poder.

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