Mercado pet cresceu o dobro do esperado na pandemia. Veja os motivos
Pet shops viveram um ótimo ano em 2020 apesar da crise econômica causada pela pandemia de coronavírus. O mesmo crescimento pode não se se repetir em 2021.
Lisa é uma pequena Yorkshire de apenas dois meses de idade. Ela chegou na casa da representante comercial Janaína Monte no final do ano passado e já modificou a rotina do lar. Para melhor. Janaina já pensava em ter um bichinho de estimação. A pandemia só aumentou essa vontade. “Neste período de confinamento, com todo mundo ansioso, apreensivo, sem poder sair e buscar diversão fora, a ideia de adotar um animal era a de trazer a alegria para dentro de casa”, contou a tutora de Lisa. A filha de Janaína, Juliana, de 12 anos, a princípio reagiu contra a ideia, mas depois cedeu aos encantos de Lisa. “Não tem como não se apaixonar”, disse. Janaína estima que custa em torno de R$ 400 por mês para manter Lisa, com banhos, vacinas, remédios, brinquedos e outros cuidados. Um gasto que compensa, diz ela. “Não tem preço. É muito amor que esses bichinhos dão pra gente”, resume.
Assim como Janaína, milhares de brasileiros também adotaram um animal de estimação em 2020. Apesar do ano complicado para vários setores da economia, o mercado pet cresceu o dobro do estimado no primeiro semestre do ano, e deve bater os 13,5% de expansão. Os dados são do Instituto Pet Brasil, que também calculou um faturamento previsto de R$ 40,1 bilhões até o final do ano passado.
Para Nelo Marraccini, presidente-executivo do Instituto Pet Brasil, o crescimento contínuo do mercado pet se deve ao fato dos animais de estimação serem, cada vez mais, parte da família. “Mesmo em períodos de dificuldade econômica, sabemos que o consumidor não para de cuidar da saúde e bem-estar do animal. Ele pode optar por um produto mais em conta, mas não deixa de fazê-lo”. Para Marraccini, passando mais tempo em casa por conta do distanciamento social, as famílias começaram a dar mais atenção ao pet. “Eles se tornaram praticamente parceiros de home-office”, afirmou o executivo.
POPULAÇÃO
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil já é o segundo país na quantidade de animais de estimação. Perdemos apenas para os Estados Unidos. Os números mais atualizados são de 2018 e indicam a presença de 139,3 milhões de animais domésticos. Os cães predominam (54,2 milhões), depois na preferência dos brasileiros estão as aves (39,8 milhões), em terceiros os gatos (23,9 milhões). Peixes ornamentais são 19,1 milhões. Outros 2,3 milhões são animais mais raros como répteis, anfíbios e pequenos mamíferos. O Brasil tem mais cães e gatos do que crianças em seus lares, segundo o IBGE. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua de 2018 estimou que tínhamos no Brasil 35,5 milhões de crianças (pessoas de até 12 anos de idade).
O IBGE também revelou dados sobre Pernambuco. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde, de 2019, dos 3,3 milhões de domicílios do estado, 1,1 milhão deles (34,2%) possuíam ao menos um cachorro. Proporcionalmente há mais animais de estimação no interior que na capital. No Recife, cerca de 171 mil domicílios (29,1%) contam com ao menos um cachorro.
Com relação aos gatos, 663 mil lares pernambucanos (20,1% do total) têm ao menos um desses animais. Com os felinos, acontece o mesmo fenômeno verificado com os cães: uma redução no número de animais na capital. No Recife, 11,9% da população, ou 70 mil pessoas, tem gatos, pouco mais da metade do total geral no estado.
NEGÓCIOS
Foi por gostar de cachorros que o empresário Walter Hagem decidiu empreender, mesmo sem ter nenhuma experiência, no segmento. Há quatro anos ele abriu a Casa dos Pets, no Bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife para a venda de ração para animais, acessórios, brinquedos e medicamentos veterinários. Walter conta que o melhor momento da empresa foi justamente no ano passado, durante os meses mais críticos da pandemia. “Em março, quando iniciou a quarentena, as pessoas ficaram impedidas ou com medo de sair de casa então começamos a aumentar a divulgação do nosso serviço de delivery. A coisa deu tão certo que na metade do ano passado o serviço de entrega já respondia por 70% do nosso faturamento”.
Walter explicou ainda que, com a reabertura gradual das atividades, o público voltou a frequentar a loja, mas o delivery continuou forte. “A entrega em domicílio ainda representa entre 60% e 70% do nosso faturamento, mas o que mudou foi o perfil do cliente. Antes a gente vendia e entregava de tudo, agora a procura maior é por artigos maiores, como sacas de ração”.
Walter diz que o mês de janeiro último passado o comércio “deu uma esfriada”, mas ele acredita que a tendência é crescer ao longo deste ano. “Este mês de fevereiro está sendo melhor do que fevereiro do ano passado. Talvez o dinheiro que as pessoas não vão gastar no carnaval, por conta do cancelamento da festa, esteja indo para os pets”, brincou Walter.
A empresária Lidiane Albuquerque comanda há quase cinco anos a Jaqueira Pet Boutique, no bairro das Graças, Zona Norte do Recife. Ela conta que a principal ajuda para o segmento no ano passado foi o fato de, no pior momento do lockdown, ela não ter precisado fechar a loja. “Como temos clínica veterinária nos enquadramos como serviço essencial e não precisamos fechar durante o lockdown. Mas de abril a julho foram momentos difíceis, onde conseguimos apenas nos manter. O crescimento mesmo só veio só a partir de agosto”.
Lidiane conta que a parte de venda de produtos na loja despencou, por conta da concorrência das vendas online feitas diretamente pelos fabricantes de produtos. Em compensação, os serviços diferenciados de beleza e saúde para os animais tiveram aumento na procura. “Apesar de tudo, crescemos em 2020 mais do que nos anos anteriores”, explicou.
A cadeia produtiva brasileira ligada ao segmento pet também já é a segunda maior do mundo no ranking de faturamento com produtos e serviços, perdendo apenas para os Estados Unidos. Tomando os segmentos alimentação, cuidados (beleza), veterinária, comércio de produtos, serviços técnicos e criatórios, com base no último balanço trimestral de 2020, o segmento alimentação e produtos veterinários lideram, com alta de faturamento de, respectivamente, 22,5% e 16%. Chama atenção, também, o número positivo em relação aos serviços gerais (alta projetada de 10,4%) e venda de animais direto do criador (12,1%) dois segmentos que haviam apresentado queda durante o 1º tri de 2020, e mostraram recuperação robusta.
Em relação ao market share de cada segmento, alimentação representa 50% das vendas, seguido por venda de animais direto dos criadores (12,1%), medicamentos (11,8%), serviços gerais (10,4%), serviços veterinários (10,3%) e cuidados (5,6%).
ON LINE
Para Nelo Marraccini, o crescimento do mercado pet também se deve ao aumento da demanda das vendas pela internet. “Da noite para o dia, o varejo pet, que é fortemente composto por lojas pequenas e médias teve de se adaptar ao e-commerce. A boa notícia é que esse tipo de loja soube agir e conseguiu atender os consumidores no ambiente virtual”.
O resultado, disse o presidente-executivo do Instituto Pet Brasil, é que, apesar da liderança das lojas exclusivamente virtuais nesse tipo de venda, respondendo por 36% do faturamento, os pet shops "clássicos" não estão muito atrás: pequenos e médios devem representar mais de R$ 460 milhões em 2020, ou quase 30% do faturamento. Megalojas pet devem fechar o balanço de 2020 vendendo R$ 395 milhões, ou 24% do faturamento online. “Esses números estão ligados, também, ao fato de que o setor foi considerado essencial para a população durante os meses mais críticos da pandemia. Por isso, esses estabelecimentos puderam permanecer abertos, garantindo que haveria produtos para os pets”.
Para este ano Marraccini é mais cauteloso em relação a expansão do mercado. “Não temos uma projeção clara para 2021, pois ainda estamos terminando de contabilizar as informações de 2020. No entanto, projetamos que o setor deva crescer na casa dos dois dígitos, com base em nossa série histórica”. O executivo pondera que, apesar dos números “no azul”, o setor sofre pressão da alta de algumas commodities, que são comercializadas em dólar. “O aumento no preço dos insumos, durante a pandemia chegou, em geral, a superar os 70%. E não há perspectiva de redução”, concluiu Marraccini.