ALUGUEL

Decisão do STF aumenta risco para quem é fiador em contrato de locação. Entenda

Panorama atual de inflação elevada e aumento de inadimplência também colabora para deixar o ambiente mais inseguro para quem é garantidor de um contrato de locação

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Edilson Vieira

Publicado em 27/06/2022 às 15:58 | Atualizado em 27/06/2022 às 17:16
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Quem nunca passou pela situação de ser fiador em um contrato de locação, a pedido de um familiar ou parente próximo? Esta é uma decisão que sempre envolveu um risco grande. Se o locatário, por algum motivo, se torna inadimplente, é o nome do fiador que está em jogo. E agora, mais do que isso. Em um cenário em que a inflação dispara e o nível de endividamento das famílias bate recorde, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que bens de família do garantidor, incluindo a moradia, podem ser penhorados para pagar dívidas do locatário, seja o contrato residencial ou comercial.

“Para quem está avaliando assumir esse tipo de compromisso, é melhor pensar duas vezes para não terminar no prejuízo, como muitas vezes acontece. O alerta vale também para quem já é fiador e não tem escapatória: vai lidar com um panorama de ainda mais insegurança que o habitual”, avisa o especialista em Direito Imobiliário e sócio na Tizei Mendonça Advogados Associados, Amadeu Mendonça.

Para o advogado, a inflação é um componente importante dessa conjuntura porque corrói o poder de compra e gera aumento da inadimplência. "Além disso, os contratos de locação são reajustados anualmente com base nos índices de inflação, como IGP-M e IPCA”, ressalta. Para se ter ideia de como a inflação pode impactar os atuais contratos de locação, o Banco Central estima que o IPCA vai fechar 2022 em 8,89%. A variação do índice no acumulado de 12 meses chegou a 11,7% no mês passado. O IGPM, por sua vez, tem previsão de atingir 12,22% em 2022 e acumula alta, até maio, de 10,72% em 12 meses.

CONTAS EM ATRASO

A edição desse mês da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) evidencia essa tendência de cenário arriscado: 28,7% das famílias brasileiras estavam inadimplentes em maio passado, maior percentual desde janeiro de 2010 (29,10%). Vale lembrar que o estudo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) embora não inclua a locação imobiliária diretamente, abrange contas que fazem parte desse tipo de contrato, como água, luz e gás canalizado, entre outras.

“Esses índices, tanto de inflação, como de endividamento, deixam clara uma conjuntura econômica difícil e devem ser ponderados por quem está considerando a possibilidade de entrar numa operação como fiador. E quem já é garantidor tem motivos de sobra para se preocupar com a probabilidade de o locatário não pagar o aluguel e outras contas que fazem parte do contrato”, adverte Amadeu Mendonça.

PENHORA DE BENS

O Superior Tribunal Federal decidiu recentemente que é constitucional a penhora de bens não apenas do fiador, mas dos seus familiares, para pagar dívidas de contratos de locação sejam residenciais ou comerciais, o que trouxe um adicional de risco a um contexto já bastante desafiador. “Houve o entendimento de que deve ser respeitada a livre iniciativa do locatário e a autonomia de vontade do fiador, que, de forma livre e espontânea, garantiu o contrato”, frisa Amadeu Mendonça.

O especialista detalha que a Lei do Inquilinato traz a possibilidade de escolha de quatro tipos de garantia para o contrato: fiança, seguro de fiança locatícia, caução e cessão fiduciária de cotas de fundo de investimento. “Essas garantias têm como objetivo evitar o inadimplemento das obrigações do locatário e possibilitar a recuperação do prejuízo pelo dono do imóvel”, explica. Ele acrescenta que, atualmente, a forma de garantia mais utilizada no Brasil é a fiança, daí a grande repercussão e importância desse julgamento do STF. “A fiança é normalmente a mais usada por dois motivos: não tem custos para o locatário e, geralmente, o fiador tem imóveis próprios, o que, respalda o proprietário numa eventual cobrança de aluguéis e outras obrigações não pagas”, ressalta.

CONTEXTO LEGAL

A decisão do STF se deu no contexto legal previsto no artigo 3º, inciso 7, da lei 8009/1990, que trata da impenhorabilidade do bem de família e define que uma das exceções é a fiança em contrato de locação. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tinha considerado válida a penhora de bens de família pertencentes ao garantidor de contrato de aluguel. Entretanto, não estava expressa a abrangência dessa exceção, se apenas nos casos de contratos residenciais, comerciais ou os dois. A polêmica foi encerrada, num caso em que o fiador defendia, por meio de recurso impetrado no STF, que o direito constitucional à moradia deve se sobrepor à execução da dívida de aluguel comercial. Prevaleceu, no julgamento, o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, pela negativa do recurso, mantendo-se a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e o entendimento de que o direito à moradia não é absoluto. A decisão tem efeito repetitivo, ou seja, se aplica a toda situação semelhante. que possa vir a ser analisada em outros tribunais.

Neste cenário, quem estiver pensando em entrar como fiador de um contrato de locação deve refletir sobre os riscos envolvidos. "Se o inquilino não pagar suas obrigações, é o fiador que acabará sendo responsabilizado judicialmente, tendo de arcar com os custos. E, mais do que isso,  se não possuir dinheiro suficiente para bancar a dívida, pode ter até mesmo seu imóvel residencial penhorado e leiloado”, destaca Amadeu Mendonça. Ele lembra ainda que, apesar do fiador ter direito a ser ressarcido pelo locatário, na maioria dos casos, essa devolução não acontece. “O que vemos em boa parte dos conflitos desse tipo é o garantidor arcar com o débito e comprometer a relação pessoal com o locatário, que muitas vezes é um parente ou amigo próximo”, destaca.

 

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