Um levantamento realizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) mostra a desigualdade entre escolas das redes públicas estaduais e municipais no que diz respeito a preparação para o retorno das aulas presenciais em meio à pandemia do novo coronavírus (covid-19). Os documentos foram elaborados após fiscalizações feitas através de visitas presenciais e de entrevistas com gestores das instituições entre o mês de setembro e o início de dezembro. Enquanto quase todas as 67 escolas estaduais fiscalizadas estavam aptas a receber alunos, segundo os protocolos criados para a retomada, 73,1% das municipais sequer definiram as regras para o retorno.
>> Mais uma escola estadual de Pernambuco suspende as aulas presenciais em decorrência da covid-19
>> Estudantes da rede pública municipal de Ipojuca só retornam às aulas presenciais em 2021
A fiscalização do TCE às instituições estaduais já estava na programação do órgão. Ao todo, foram vistoriadas 67 escolas, que englobam um universo de 42,3 mil alunos e 2,3 mil servidores, para checar se atendiam critérios como estrutura física adequada, aquisição de equipamentos para higienização e de proteção individual (EPIs), se melhorias foram feitas e se existiam condições de proporcionar distanciamento entre os estudantes. Do total, 65 preencheram os critérios definidos pelo protocolo de retomada criado pela Secretaria de Educação do Estado, em parceria com as autoridades sanitárias. As escolas estaduais Professor Cândido Pessoa, localizada em Peixinhos, e Santo Inácio de Loyola, no bairro de São Benedito, ambas em Olinda, no Grande Recife, foram os únicos destaques negativos, tendo problemas principalmente nas estrutura dos banheiros.
"Visitamos escolas em todas as regiões do Estado, para termos um panorama da situação como um todo e os resultados foram positivos. Apenas duas não preenchiam os requisitos do protocolo criado para a retomada. Surpreendentemente, as instituições tinham fornecimento de água, sabão, que eram grandes preocupações que tínhamos. Havia faceshields para os servidores, produtos de higiene, termômetros sendo utilizados, totens de álcool em gel na entrada e adesivos e cartazes colados, com regras e instruções. Algumas escolas foram além, como uma que criou kits com canetas piloto para cada professor, de modo que cada um tivesse seu material individual", relatou a gerente de Auditoria da Educação, Nazli Lopes, responsável pela coordenação das ações a nível estadual.
Ela destacou que a função do TCE não é decidir quais instituições estão aptas ao retorno. "Não caberia ao Tribunal de Contas fornecer um selo de aprovação das escolas. Queríamos cumprir nossa missão institucional de apresentar para a sociedade se o recurso público que foi utilizado está atingindo a finalidade para a qual foi contratado. Isso não significa que nossas equipes não possam denunciar ou comunicar autoridades competentes sobre situações que foram encontradas, que não seguiam os protocolos", explicou Nazli
Para os estudantes da rede estadual, que compreende essencialmente o Ensino Médio, as aulas presenciais já foram retomadas. A volta aconteceu em etapas, a partir de 21 de outubro, após sete meses de suspensão das aulas presenciais. Primeiro retornaram estudantes do 3º ano, seguidos pelos 2º e 1º anos.
Já na rede municipal, a fiscalização das escolas, que ainda não tiveram retorno autorizado pelas autoridades, ocorreu dentro da Operação Eleições. O cenário encontrado foi bastante diferente das escolas estaduais. Em todas as regiões do Estado, o que se vê é precariedade no que diz respeito às condições de instituições públicas que atendem, majoritariamente, ensino fundamental e educação infantil. Ao todo, foram inspecionadas 513 unidades, que atendem, juntas, 125 mil estudantes e onde trabalham 13 mil servidores municipais.
O diagnóstico municipal mostra que 73,1% das escolas ainda não definiram as regras de retorno às aulas presenciais; 69,2% não definiram critérios para decidir sobre o retorno ou não das atividades presenciais; 58,6% não realizaram levantamento sobre necessidade de contratação de profissionais; 76,3% não levantaram custos necessários para adaptações físicas e 81,1% não sabem ainda qual será o impacto financeiro nos contratos de merenda, transporte escolar e serviços de manutenção e limpeza.
"Diferente das escolas estaduais, não havia na época do levantamento, como ainda não há, previsão de volta das aulas presenciais. A abordagem municipal, portanto, foi mais voltada para o planejamento dos municípios para um possível retorno. Para isso, enviamos questionários aos gestores das secretarias de educação municipais, com cerca de 50 perguntas sobre o tema", explicou Eduardo Siqueira, diretor de controle municipal, que coordenou a fiscalização nos municípios.
Além da falta de planejamento, as estruturas das escolas também não atendem os critérios mínimos para uma retomada de aulas presenciais. Sete instituições (1%) não possuem fornecimento regular de energia elétrica, 43 (8%) não recebem água regularmente, 66 (13%) não tinham água disponível nos banheiros para higienização das mãos no momento do levantamento, 345 (67%) não possuem quantidade adequada de pias e 45 (9%) não têm condições de oferecer arejamento natural nas salas de aula. Problemas de manutenção também foram registrados. Pias e torneiras quebradas, água em condição insalubre, buracos no teto, em paredes, em portas, cozinha em má estrutura são algumas das situações evidenciadas no documento.
Para Dirceu Rodolfo de Melo Jr, presidente do TCE, a diferença decorre de diversos fatores. "É multifatorial. É uma questão que passa por consciência cidadã, porque às vezes a sociedade civil local não sabe o que é presença ou ausência do Estado; pela a questão da política local municipal; a baixa qualidade burocrática, que gera entropia e prioridades históricas dada à educação", explica.
Segundo ele, a partir dos resultados encontrados, providências serão tomadas de acordo com a realidade de cada município. Serão aprofundados os achados, com mais vistorias nas escolas; podem ser abertas auditorias especiais, que têm poder de responsabilizar os gestores; sanções, como multas, podem ser aplicadas; outros órgãos parceiros, como o Ministério Público, podem ser acionados; alertas de responsabilização podem ser emitidos, assim como termos de ajuste de gestão. "Isso serve agora para quem está chegando na gestão das prefeituras. Muitos municípios terão novos prefeitos em 2021, que não poderão ser responsabilizados pela gestão anterior, mas terão prazo para ação, sob pena de receberem sanções", explica.
Em nota, a Secretaria de Educação e Esportes informou que "tem acompanhado as medidas sanitárias que as escolas têm adotado para atender aos procedimentos previstos no protocolo setorial de educação, conforme estabelecido pela Secretaria de Saúde." O comunicado diz ainda que as unidades receberam obras para instalações de pias e lavatórios, além de itens como máscaras, faceshields, termômetros, totens de álcool em gel. "Diante do levantamento apresentado pelo TCE, a Secretaria de Educação e Esportes esclarece que os casos pontuais citados pelo órgão no momento das visitas nas escolas Professor Candido Pessoa e Santo Inácio de Loyola já tinham sido identificados e os reparos já estão sendo providenciados pela Secretaria."
A nota ainda ressalta que, na conclusão do documento, o próprio TCE reconhece que os pontos identificados pelo órgão "não estão relacionados às medidas de combate à pandemia da COVID-19" e que consta no documento "que as escolas visitadas possuem os materiais necessários ao retorno às aulas presenciais de acordo com o protocolo estabelecido pela Secretaria de Educação e Esportes".
Recife
O levantamento do TCE aponta que municípios mais afastados da Região Metropolitana apresentam mais problemas. No entanto, mesmo nas cinco instituições visitadas no Recife foram encontradas irregularidades para um possível retorno presencial. Atualmente a rede conta com 320 unidades escolares e mais de 90 mil alunos.
O TCE vistoriou as Escolas Municipais de Tempo Integral Reitor João Alfredo, na Ilha do Leite, e Dom Bosco, em Jardim São Paulo; além das escolas Luiz Vaz de Camões, no Ipsep; São Cristóvão, no Brejo da Guabiraba; e Olindina Monteiro, em Dois Unidos.
Na primeira, onde estudam 304 alunos, ainda não havia totens para álcool em gel, que nem foram adquiridos. Segundo o TCE, há poucas pias para higienização e não existem suportes para papel e sabonete líquido nos banheiros. Na Dom Bosco, que tem 494 estudantes matriculados, ainda falta realizar a reforma da cozinha, necessária para a correta adaptação da escola. Também não havia disponibilidade de álcool em gel, apesar dos totens terem sido adquiridos. Não há pias suficientes, nem suporte para papel ou sabão.
Na Luiz Vaz de Camões, que mudou de prédio, as obras estruturais estão inacabadas. Também há poucas pias para atender a quantidade de alunos, segundo o levantamento do Tribunal. A São Cristóvão, que tem 603 alunos, não oferece possibilidade de arejamento natural nas salas de aula. Nenhuma obra de adaptação foi iniciada, com exceção da demarcação das quatro salas de aula do 9º ano. Não há disponibilidade de álcool em gel nas áreas comuns e a quantidade de pias é insuficiente. A unidade também sofre com falta de água e energia.
Na escola Olindina Monteiro, que tem 521 alunos matriculados, está em obras devido a problemas pré-existentes e as salas de aula, que antes eram arejadas através de elementos vazados de cimento, estão sendo fechadas para possibilitar a instalação de ar-condicionado.
Em nota, a Secretaria de Educação do Recife informou que produziu um Plano de Protocolo de abertura de aulas presenciais, em consonância com as recomendações sanitárias e com o Estado. "Tal plano, que já foi remetido ao Ministério Público de Pernambuco e ao Tribunal de Contas do Estado, será oficializado junto aos profissionais quando das capacitações necessárias à retomada das aulas presenciais."
Comentários