Enem 2021: Milton Ribeiro, ministro da Educação, diz que 'abriu mão' de direito de acessar a prova
Milton Ribeiro disse que algumas questões da prova foram 'desnecessárias', mas negou interferência no exame
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse nesta segunda-feira (29) que "abriu mão" do direito de acessar as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) depois de perceber que a possibilidade de ter acesso ao exame "traria mais prejuízos do que benefícios" aos estudantes. O exame deste ano foi realizado em meio a denúncias de tentativa de interferência na prova e uma crise interna no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC).
Para o ministro, o conteúdo da prova revela que não houve interferência. Ele citou uma questão sobre luta de classes, com citação do alemão Friedrich Engels, coautor do Manifesto Comunista, e outra com uma música de Chico Buarque. "Se levássemos essa prova para uma análise de alguém de fora do Brasil, ele falaria que as questões são mais próximas da esquerda."
O Estadão apurou que o item sobre luta de classes chegou a ser retirado da prova após uma "leitura crítica" no Inep. Depois, voltou a compor a prova para não descalibrar tecnicamente o exame.
O ministro disse que a "sociedade cobra" em relação a "questões que ela (sociedade) acha estranhas" e, por isso, ele chegou a cogitar acessar o Enem antes da aplicação.
"Pensei que todos os ministros tinham regular acesso às questões das provas. Mas, diante da reação de alguns, eu simplesmente voltei atrás para não prejudicar. Não porque eu não tenha esse direito. Se eu fosse em qualquer tribunal, eu poderia ter acesso ao conteúdo das provas. Eu poderia ter acesso, mas não tive acesso, não tive interferência e simplesmente voltei atrás", disse o ministro.
Ele acrescentou, ainda, que algumas questões que caíram neste exame são "desnecessárias".
O Estadão apurou que 24 questões foram retiradas da prova após uma "leitura crítica" no Inep, sob o argumento de serem "sensíveis". Depois, 13 delas voltaram a ser incluídas e 11 foram vetadas. Para essa análise das questões, servidores do Inep tiveram de imprimir a prova previamente dentro da sala segura do órgão. O tamanho limitado do banco de questões e reações de servidores às pressões ajudam a explicar por que a prova não teve "a cara do governo", como havia dito o presidente Jair Bolsonaro.
O ministro citou uma passagem da Bíblia para justificar seu posicionamento ao longo dos dias que antecederam o exame. "Basta ao dia o seu próprio mal. Foi essa tese que eu coloquei na comissão de Educação (da Câmara dos Deputados) quando vários parlamentares me interpelaram e perguntaram sobre uma possível interferência na prova e nas questões. E eu disse de maneira muito clara que precisaríamos primeiro esperar o resultado das provas e analisar as questões. Aí sim estaria pronto a responder por essa possível interferência."
O presidente do Inep, Danilo Dupas, também minimizou os pedidos de exonerações de servidores e disse que é normal ter resistências internas. Trinta e sete servidores pediram exoneração de suas funções de coordenação às vésperas do exame. Eles alegavam ingerência de Dupas e dificuldade de diálogo. "Mas a sociedade não pode ficar refém de vontades individuais ou de poucos grupos." Para Dupas, as exonerações têm relação com discordâncias sobre o pagamento de gratificações e a volta ao trabalho presencial - o que os servidores negam.
As declarações foram feitas durante uma coletiva de imprensa para apresentar um balanço do Enem 2021. O segundo dia de provas teve taxa de abstenção de 29,9%, segundo informou Dupas. Participaram do Enem do segundo domingo de provas apenas 2,18 milhões de candidatos. O exame, principal porta de entrada para o ensino superior, teve o menor número de inscritos desde o ano de 2005.
A queda nas inscrições teve relação, como mostrou o Estadão, com as dificuldades de obter a gratuidade na inscrição e com o ensino remoto ruim em meio à pandemia. Para Ribeiro, porém, a culpa pelas dificuldades de aprendizagem durante a pandemia não é do MEC, mas dos governos locais, que decidiram manter as classes online.
Sobre a perda de gratuidade pelos estudantes que faltaram no ano passado, o ministro disse que houve uma "nova oportunidade", após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que mandou reabrir as inscrições. "De 2,5 milhões (de estudantes), 280 mil apenas quiseram usufruir desse direito."