Com os pais fora de casa, é preciso encontrar uma forma de não terceirizar a educação dos filhos
Especialistas orientam como pais podem buscar o equilíbrio entre o trabalho e a educação dos filhos
Os tempos mudaram, a sociedade e os costumes também; mas a legislação brasileira continua a declarar: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”. Mesmo assim, segundo especialistas, a terceirização da educação acontece cada vez com mais frequência, trazendo uma série de consequências emocionais às crianças. A recorrência desse fenômeno foi notada principalmente após a Revolução Industrial, que abriu espaço para as mulheres integrarem o mercado de trabalho e complementarem a renda familiar - um avanço do ponto de vista social, mas que, em muitos casos, faz com que agora a escola tenha exclusivamente a tarefa de formar seres humanos melhores.
“Na medida que as mulheres, felizmente, cada vez mais vêm aumentando sua escolaridade, capacidade de trabalho e a necessidade das famílias cada vez mais premente dos dois trabalharem, na perspectiva de uma complementação de renda familiar, a educação dos filhos tem ficado muito nas mãos da escola. Não é à toa que às vezes as escolas de tempo integral ocupam um papel central nesse processo”, pontuou Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da Universidade de São Paulo (USP) e professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Apesar do ponto de partida ter sido a emancipação das mulheres, isso agora acontece tanto nas famílias compostas por pai, mãe e filhos, quanto em outros arranjos, que já são maioria desde 2005, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). O levantamento diz que o perfil composto pela chamada “família tradicional” ocupava 42,3% dos lares pesquisados em 2018, uma baixa de 7,8 pontos percentuais quando comparado a 2005, quando o modelo abrangia 50,1% das moradias. Entre as configurações, estão casais homoafetivos, mães e pais solo e outros familiares ocupando o papel de responsável pelas crianças.
Na última semana, o psicólogo, escritor e especialista em desenvolvimento humano Rossandro Klinger falou ao JC sobre a dificuldade das famílias em educar seus filhos. Em trecho inédito da entrevista, ele cita que a ausência de limites gera “crianças tirânicas”, que só se desenvolvem em “lares de pais infantilizados”. “A criança é tirânica em um lugar onde tem uma família que não mostre a necessidade de regras e que não tenha a hierarquia demarcada”. Na verdade, para ele, toda birra é um “clamor” por limites, “fundamentais para o crescimento emocional”.
Na sociologia, a família é tratada como a primeira “instituição social” - que são estruturas básicas que sustentam e organizam o funcionamento da vida em sociedade, sendo imprescindível para a formação de cidadão. Por isso, Rossandro pontua que é preciso que os pais participem da educação dos filhos no ambiente escolar e em casa, impondo hierarquia, regras e consequências, para caso os limites sejam descumpridos, para que esse papel não fique restrito ao professor.
Ainda, lembrar de elogiar o esforço da criança, e não o indivíduo em si. "Quando eu elogio o esforço e não a pessoa, eu crio uma pessoa com autoestima. Quando elogio a pessoa e não reconhecendo o esforço, eu crio uma pessoa narcisista, um déspota no futuro e uma pessoa desequilibrada. Por exemplo, se tirou uma nota boa é porque é um gênio? Não, porque viu menos séries, porque tomei o celular e ele teve mais tempo para estudar. Assim, quando ele tirar uma nota ruim, saberá que foi porque não se dedicou o quanto deveria."
A disrupção entre realidade do que é a infância, quando vivida pelos pais, e a infância na visão atual dos filhos, permeada de tecnologia, também é um aspecto que precisa ser levado em conta, segundo Mozart. “Educar os filhos hoje é realmente um grande desafio. Há uma questão de impacto geracional que tem se ampliado muito em decorrência dessas descontinuidades. Não tem sido fácil para os pais tratar a educação em uma linguagem que seus filhos esperam; são linguagens de mundos diferentes. Na minha opinião, eu não diria que há incapacidade de educar, mas, sim, a dificuldade em encontrar essa linguagem que dialoga de maneira mais direta”, colocou.
É importante, também, que os pais não se abatam pela culpa quando errarem na forma de educar. “A culpa paralisa a gente, nos fornece uma sensação de incompetência profunda. O ideal é trocar a culpa por responsabilidade. O que está me dando culpa? Vamos tentar resolver. Aceita. Você nunca será um pai perfeito. Nós somos os pais possíveis”, concluiu Rossandro.