Déficit

Alfabetização de crianças: pandemia aumenta abismo da educação em Pernambuco

No Estado, em 2019, 57,2% dos alunos do 2º fundamental tiveram dificuldade em ler e entender textos. Em 2021, número saltou para 75,8%

Imagem do autor
Cadastrado por

Margarida Azevedo

Publicado em 14/02/2022 às 9:03 | Atualizado em 14/02/2022 às 15:19
Notícia
X

A pandemia de covid-19 agravou um problema, na educação pública nacional, que Pernambuco já enfrentava bem antes do vírus começar a impactar na rotina de alunos e professores: o déficit na alfabetização de crianças. Ano passado, 75,8% dos alunos do 2º ano do ensino fundamental matriculados nas redes municipais e que participaram de uma avaliação de fluência em leitura realizada no segundo semestre pelo Programa Criança Alfabetizada, do governo estadual, tiveram dificuldade em ler e compreender textos simples. Dois anos antes, em 2019, esse índice já era alto, 57,2%.

O Estado tem 1,3 milhão de estudantes matriculados no ensino fundamental. Desse universo, 70% da oferta nas séries iniciais (justamente que contempla os anos de alfabetização) são de responsabilidade das prefeituras. Já em 2016, ou seja, quatro anos antes de eclodir o coronavírus, o preocupante desempenho das crianças pernambucanas foi apontado pela Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), realizada pelo Ministério da Educação (MEC): de cada dez alunos do 3º ano do ensino fundamental no Estado, sete não sabiam ler e cinco não conseguiam escrever.

"A mediação do professor e a presença dele e do aluno na escola são essenciais no processo de alfabetização. Com colégios muito tempo fechados e aulas remotas, já esperávamos que houvesse um impacto maior no aprendizado dessa faixa etária. Por isso a importância da valorização da retomada das atividades presenciais, da escola como local de ensino e aprendizagem. E o planejamento de estratégias pelas redes de ensino", destaca a secretária executiva de Educação de Pernambuco, Ana Selva. Ela que coordena o Programa Criança Alfabetizada, lançado em meados de 2019 pelo governo estadual justamente para apoiar os municípios na melhoria dos indicadores de alfabetização. Todas as 184 cidades do Estado participam.

Na avaliação de fluência, a criança é classificada em três níveis: pré-leitor, leitor iniciante ou leitor fluente. O esperado é que ao final do 2º ano do fundamental ela esteja no nível fluente. Mas 75,8% dos alunos avaliados ano passado em Pernambuco ficaram no grupo de pré-leitores. "Observamos um acentuado aumento de alunos pré-leitores, que é a primeira etapa no processo de alfabetização. Essas crianças não dominam a leitura e a escrita. Têm dificuldades em fazer a relação letras e som, leem silabando, fazem muitas pausas", explica Ana Selva. A avaliação de fluência foi realizada por 62% dos estudantes da 2ª série. A adesão não foi maior, segundo a secretária, porque muitas escolas ainda permaneceram fechadas no segundo semestre de 2021.

Leia o especial "Educação Pós-pandemia: desafios e soluções"

O cenário de Pernambuco não é muito diferente do nacional. Semana passada o Movimento Todos pela Educação divulgou nota técnica que diz que de 2019 para 2021 aumentou em 1 milhão o número de crianças com idades de 6 e 7 anos sem saber ler, afetando as mais pobres e negras. O levantamento foi feito a partir de dados da Pnad, do IBGE. Eram 25% em 2019 e passou para 40% ano passado.

Mãe de cinco filhos, Taciana Franciele da Silva, 27 anos, diz que a filha mais velha, Tainá, não aprendeu a ler. Com 9 anos, a menina está no 3º ano da Escola Municipal Casa do Ferroviário, localizada no bairro de Coqueiral, Zona Oeste do Recife. "Foi muito difícil para ela acompanhar as aulas desde que a pandemia começou. Tenho um celular que quebrou. Para consertar teria que gastar R$ 200. Crio meus filhos sozinha com R$ 400 do Bolsa Família. Sei que era importante ajeitar o telefone para ela e a irmã estudarem, mas preciso comprar comida e pagar o aluguel", conta Taciana. A segunda filha, Taísa, 6 anos, está começando o 2º ano. Caíque, 5, Bruna, 4, e Brena, 3, ainda não vão para escola.

Segundo Ana Selva, o Criança Alfabetizada vai estimular que as prefeituras deem mais suporte justamente para alunos como Tainá, que estão na 3ª série agora em 2022. "Pois eles tiveram o 1º ano em 2020 e o 2º ano em 2021, ou seja, todo o ciclo de alfabetização em plena pandemia", observa a secretária de Pernambuco. Os alunos que estão agora no 2º ano passarão pela avaliação de fluência da leitura duas vezes este ano: em abril e em novembro. "Os do 3º ano terão avaliação em abril também. É importante que seja no início do ano letivo para que a partir dos resultados as redes municipais programem ações e formações de seus professores para recuperar a aprendizagem dos alunos", enfatiza Ana.

Guga Matos/JC Imagem
NÚMEROS Pernambuco tem 1,3 milhão de estudantes matriculados nas séries do ensino fundamental - Guga Matos/JC Imagem

Recife

"Garantir a alfabetização na idade certa, aos 7 anos, já era uma grande desafio e que se acentuou na pandemia. Por terem menos autonomia para acompanhar as aulas remotas, as crianças menores foram as que mais sofreram com as escolas fechadas", comenta o secretário de Educação do Recife, Fred Amancio. Na rede municipal, aproximadamente 30 mil alunos estarão no ciclo de alfabetização este ano (cursando o 1º, o 2º ou o 3º ano do ensino fundamental). No total, a capital tem cerca de 95 mil estudantes. Significa que quase um terço estará no processo de aprender a ler e escrever ou concluir o letramento este ano.

A partir de uma avaliação diagnóstica realizada com os estudantes em setembro do ano passado, dois meses depois da retomada das aulas presenciais, a Secretaria de Educação montou o planejamento das ações para 2022. Uma mudança será um novo sistema de avaliação na rede municipal. "Montamos um projeto de recomposição de aprendizagem para todas as séries, com elaboração de material e formação dos professores. Mas faremos um trabalho diferenciado com os alunos do 3º ano", diz Fred Amancio.

Integração

O presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) em Pernambuco e secretário de Educação de Belém de Maria, Natanael Silva, defende mais participação do MEC junto às prefeituras. "Existe um programa do MEC chamado Tempo de Aprender, voltado para alfabetização, mas que pouco avançou durante a pandemia, pois entraram questões ideológicas que não agregam nem contribuem para melhorar o triste cenário da alfabetização no País", lamenta Natanael. "O governo federal precisa ter ações para fortalecer as redes municipais, dotá-las de insumos e instrumentos para diminuir os prejuízos provocados na educação", complementa. Ele cita como exemplo o Criança Alfabetizada.

Natanael integra o time de educadores que reforça a necessidade de reabertura das escolas para o ensino presencial, como uma das ações urgentes para diminuir as lacunas no ensino, sobretudo para os alunos da alfabetização. Levantamento da Undime mostrou que 67% das prefeituras do Estado adotaram o ensino presencial neste início de ano letivo e 20% remoto. As demais optaram pelo modelo híbrido.

"Vamos precisar fazer um grande esforço em todas as etapas da educação, principalmente voltado para as crianças menores. Quando um estudante não é alfabetizado na idade certa, sem aprendizado, a tendência é que seja reprovado ou abandone os estudos. Mas se houver planejamento, foco, com avaliações diagnósticas e preparação dos professores, conseguiremos vencer esse drama que é enorme", ressalta o titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-secretário de Educação de Pernambuco, Mozart Neves Ramos.

Tags

Autor