Com 'Enem dos Professores', governo busca enfrentar gargalo histórico da educação, mas proposta ainda esbarra em preocupações
Para o Ministério da Educação, o concurso único será uma ferramenta de apoio para estados e municípios, facilitando a seleção de novos professores
O governo federal deve lançar um pacote de ações para valorizar os professores da Educação Básica neste mês de novembro. Entre as medidas anunciadas pelo ministro da Educação, Camilo Santana, destaca-se a realização de um concurso unificado para docentes, inicialmente denominado "Enem dos Professores".
Essa iniciativa é semelhante ao Concurso Nacional Unificado (CNU), que ficou conhecido como "Enem dos Concursos", cuja primeira edição foi realizada em 18 de agosto. No entanto, ainda não foram divulgadas informações sobre o formato da seleção, o número de vagas e as áreas que serão contempladas.
O CNU foi criado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos para promover concursos públicos simultâneos, com o objetivo de preencher cargos efetivos na Administração Pública Federal em todos os Estados e no Distrito Federal.
Para o Ministério da Educação (MEC), o concurso único servirá como uma ferramenta de apoio para estados e municípios que optarem por essa proposta, facilitando a seleção de novos professores para suas redes. O secretário executivo do MEC, Leonardo Barchini, afirmou em entrevista a Agência Brasil que muitos municípios pequenos enfrentam grandes dificuldades na organização desses certames.
“A seleção de professores é um gargalo no país atualmente. Estamos vendo um aumento significativo de professores temporários em estados e municípios”, declarou Barchini. Caberá aos entes federados decidir a melhor forma de utilizar a avaliação elaborada pelo MEC, sem impedir que, ao aderirem ao Enem dos Professores, continuem realizando seus próprios concursos.
Em julho deste ano, um levantamento realizado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) em parceria com o Movimento Profissão Docente, mostrou que apenas 37% dos municípios brasileiros realizaram concursos públicos nos últimos cinco anos. Além disso, 31% das cidades realizaram concursos entre cinco e nove anos atrás, enquanto 22% não promovem concursos há dez a quinze anos, e 10% não realizam concursos há mais de 15 anos.
Por fim, Barchini garantiu que os recursos necessários para a execução do Enem dos Professores estão assegurados. “Já temos os recursos equacionados. O Ministério dispõe de recursos suficientes para conduzir essa iniciativa”, afirmou.
A questão do orçamento surge em meio à declaração de Camilo Santana, que revelou que o anúncio sobre a realização do concurso único deveria ter sido feito no dia 15 de outubro, em comemoração ao Dia dos Professores. No entanto, “houve alguns problemas do ponto de vista orçamentário”.
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Iniciativa deve levar em conta Plano de Cargos e Carreiras
Com o anúncio preliminar da realização de um concurso único para professores da educação básica no Brasil, a categoria manifestou preocupação sobre como essa unificação levará em conta os planos de cargos e carreiras, que variam entre os estados e o governo federal.
Os educadores temem que a padronização da seleção não considere as particularidades e exigências específicas de cada localidade, o que poderia impactar negativamente a valorização e a progressão na carreira dos profissionais da educação.
Natanael Silva, presidente do Conselho Estadual de Educação e secretário executivo de Articulação Municipal de Pernambuco, afirmou à coluna Enem e Educação que a proposta precisa ser amplamente debatida com a categoria.
“Essa é uma questão que requer muita conversa, pois envolve o princípio constitucional da autonomia dos entes federativos, tanto estaduais quanto municipais. Para construir uma proposição como essa, é essencial exaurir as possibilidades de escuta, e acredito que o Ministério está se movendo nesse sentido”, destacou.
Ele esclareceu não há no momento um contraponto à iniciativa do Ministério da Educação, uma vez que a valorização do docente neste sentido, não seria uma ideia nova. “O Plano Nacional de Educação não menciona isso diretamente, mas aborda a valorização e a formação do professor em nível nacional. Portanto, essa iniciativa do MEC, e após um amplo processo de escuta, não é algo que possa ter uma oposição, especialmente considerando que muitos municípios estão há muito tempo sem realizar concursos", disse.
Diferentemente do CNU, que abrangeu diversas categorias do serviço público, a abordagem de uma classe específica como a dos professores requer a avaliação de aspectos particulares dessa carreira.
“Isso impacta diretamente a estrutura dos Planos de Cargos e Carreiras, que variam entre estados e municípios. Como conselho, estamos discutindo e analisando o tema, pois acreditamos que essas particularidades precisam ser levadas em conta. Caso contrário, a proposta pode não prosperar”, afirmou Natanael Silva.
Um dos pontos que está sendo levantado é se haverá uma nova construção desses planos a partir do momento em que o formato do concurso para a entrada dos professores na rede pública for definido. Também há questionamentos sobre a capacidade de absorção destes profissionais pelas redes de ensino, já que o concurso é uma das ferramentas que compõem a seleção dos docentes.
Redes estaduais possuem mais professores temporários do que efetivo
Um estudo realizado pelo Todos Pela Educação, com dados do Censo Escolar e divulgado no ano passado, revelou a situação dos professores temporários nas redes estaduais do Brasil. O levantamento mostrou que, pela primeira vez em 2022, havia mais professores temporários do que efetivos nas redes estaduais.
Esse cenário se manteve em 2023, com 51,6% de docentes temporários e 46,5% de efetivos. O estudo também analisou a situação em cada uma das 27 Unidades da Federação, revelando que em 15 estados há mais professores temporários do que efetivos. Além disso, entre 2020 e 2023, 67% dos estados aumentaram a quantidade de professores temporários enquanto reduziram o número de efetivos.
Pernambuco está entre esses estados que mais aumentaram as contratações temporárias (3.181= 30%) e, consequentemente, reduziram o número de efetivos (-5.175=-39%). Segundo dados do Censo 2023, a rede estadual possui 13.757 temporários (62%) e 8.000 concursados (36,3%).
No novo Plano Nacional de Educação (PNE), que está em discussão no Congresso Nacional, um dos objetivos, metas e estratégias é incentivar a realização de concursos públicos para os profissionais do magistério. O documento estabelece 18 objetivos a serem alcançados até 2034, abrangendo diversas áreas, como educação infantil, alfabetização, ensino fundamental e médio, educação integral, diversidade e inclusão, educação profissional e tecnológica, educação superior, além da estrutura e funcionamento da educação básica.
Avaliação
Em uma avaliação preliminar, já que a proposta do concurso unificado ainda será detalhada, o diretor-executivo do Todos pela Educação, Olavo Nogueira, observa que a ideia do MEC se aproxima do conceito do Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente. Esse exame visava constituir uma avaliação de conhecimentos, competências e habilidades para subsidiar a contratação de docentes para a educação básica nos Estados, no Distrito Federal e nos municípios. No entanto, essa iniciativa não avançou na época (2009/2010).
"A ideia de uma prova nacional de ingresso na carreira docente parece ser uma direção muito acertada. Essa prova, que seria operacionalizada pelo governo federal, permitiria que os resultados individuais fossem utilizados pelas redes de ensino estaduais e municipais, mediante adesão, como parte de seus próprios processos de seleção de professores. Assim, o Ministério da Educação poderia apoiar a realização de concursos, uma vez que a prova escrita é apenas uma parte do processo de contratação", explicou Nogueira.
Outro ponto destacado pelo diretor-executivo do Todos Pela Educação é que, com a implementação de uma prova nacional, qualquer pessoa interessada em se tornar um professor concursado na rede de ensino de Pernambuco saberá que precisará participar desse exame. O diferencial é que a pontuação obtida poderia ser utilizada não apenas na rede de Pernambuco, mas também em outras redes de ensino em todo o país.
É uma estratégia inteligente, pois incentiva as redes a realizarem mais concursos. Muitas redes de ensino, especialmente as municipais menores, justificam a falta de concursos pela dificuldade de organizar uma prova", destacou Nogueira.
Além disso, ele também apontou para estudos que mostram que as provas escritas dos concursos são de baixa qualidade, são provas que enfatizam muito questão de legislação e de domínio do conteúdo da disciplina. "Mas no geral, o que essas provas não fazem é testar os conhecimentos dos candidatos em relação a como ensinar. Se o governo federal for capaz de fazer uma prova de boa qualidade, isso pode ser uma contribuição muito importante para o aumentar o número de concursos e ao mesmo tempo qualificar estes concursos", destacou o diretor-executivo do Todos Pela Educação.