guerra pelo paraiso

Estado disse que Noronha foi tomada na guerra por Vargas, mas Constituição de 88 devolveu ilha aos pernambucanos

Briga na Justiça se arrasta há anos e na quinta-feira passada o governo Federal pediu uma liminar ao STF solicitando a titularidade dos domínios da ilha

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Jamildo Melo

Publicado em 27/03/2022 às 14:33 | Atualizado em 27/03/2022 às 14:54
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Para quem quiser entender melhor os argumentos de Pernambuco, nesta briga com a União, existem alguma observações já apresentadas à Justiça Federal, no ano passado. O histórico é longo, mas é possível tentar fazer uma síntese das razões do Estado.

Um parecer do governo do Estado cita um decreto de 1891, assinado pelo generalíssimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da Republica dos Estados Unidos do Brazil, tendo ouvido o Ministro da Justiça, declarando que o archipelago de Fernando de Noronha continua a pertencer ao Estado de Pernambuco. Veja abaixo a íntegra

Conforme o documento, é importante lembrar que em 1942, durante a guerra, a União tomara o arquipélago: Veja decreto de Vargas abaixo.

"Não se discute que, na época desse decreto-lei, os bens situados em Fernando de Noronha eram de Pernambuco. Tanto que o artigo 2o do Decreto Lei expressamente determina que eles sejam "transferidos à União".

Depois o estudo dá um salto para a Constituição de 1988, quando deputados como Nelson Jobim tentaram entendimento diverso.

"A questão dos efeitos da regra do ADCT (ato das disposições constitucionais transitórias) relativamente ao domínio do arquipélago foi objeto de específica discussão no período constituinte".

"Veja-se que a tese de Nelson Jobim era que o texto conteria um problema, exatamente porque transferiria a Pernambuco o domínio (quanto ao que ele tinha reservas). Na visão de Inocêncio Oliveira, a transferência fazia parte do que se pretendia com a aprovação do texto. Acontece que o texto NÃO foi alterado nas discussões posteriores, de maneira que a única leitura possível é exatamente a de que o ADCT transferiu (rectius: devolveu) a Pernambuco a propriedade sobre a ilha, que lhe havia sido tomada em 1942".

"Esse histórico narrado em pormenores no Decreto 1371/1891, aliado ao que consta dos anais da Assembleia Nacional Constituinte, não conduzem a outra conclusão senão a de que, ao promover a reincorporação do arquipélago de Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco, o Constituinte Originário não estava a tratar da gestão político-administrativa da área (o chamado domínio eminente), mas da plena propriedade sobre as terras".

"Assim, o que o ADCT (ato das disposições constitucionais transitórias) fez foi devolver esses bens ao Estado de Pernambuco ! Está aí refeita a cadeia dominial", defendeu o estado, ainda no ano passado.


“DECRETO N. 1371 - DE 14 DE FEVEREIRO DE 1891

- Declara que o archipelago de Fernando de Noronha continúa a pertencer ao Estado de Pernambuco.

- O Generalissimo Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brazil, tendo ouvido o Ministro da Justiça, e considerando:

Que o archipelago de Fernando de Noronha recebeu de Pernambuco os seus primeiros povoadores nos primeiros annos do seculo XVII;

Que o governo da capitania de Pernambuco por duas vezes, em 1630 e 1654, expulsou os hollandezes que se haviam apossado da principal das mesmas ilhas, primitivamente denominada S. João por seu descobridor Fernão de Noronha;

Que foi por iniciativa do governador e capitão general de Pernambuco Caetano de Mello e Castro e com auxilio da Camara Municipal do Recife, que a carta régia de 7 de setembro de 1696 tomou as primeiras providencias para o povoamento e fortificação da ilha principal;

Que a carta régia de 24 de setembro de 1700 determinou que a ilha de Fernando de Noronha ficaria pertencendo á capitania de Pernambuco;

Que foi o governador dessa capitania Henrique Luiz Pereira Freire quem defendeu o mesmo archipelago contra a invasão da companhia oriental franceza, que se havia apoderado em 1736 da ilha de Fernando de Noronha, á qual dera o nome de - IsleDelphine -, sendo desalojados os francezes e construidos os fortes dos Remedios, Santo Antonio e Conceição, além de iniciados os trabalhos agricolas pela expedição que o dito governador mandou em 1737 sob o commando do tenente-coronel João Lobo de Lacerda;

Que pelo mesmo governador foi organizado em 1739 o governo militar e economico da ilha, desde então designada - Presidio de Fernando de Noronha;
Que durante todo o regimen colonial o archipelago de Fernando de Noronha continuou sujeito ao governo de Pernambuco;

Que, proclamada a independencia do Brazil, foi o presidente de Pernambuco quem nomeou o commandante do presidio, e expediu as instrucções de 5 de fevereiro de 1824 para a administração local; Que a unica lei patria que autorizou cumprimento de pena na ilha de Fernando de Noronha, a de 3 de outubro de 1833, arts. 8o e 9o, designando-a para degredo dos fabricadores e introductores de moeda falsa e falsificadores de notas, cautelas, cedulas, e mais papeis fiduciarios da nação ou de banco, assim como os decretos n. 196 de 1 de fevereiro e n. 802 A de 4 de outubro de 1890, na parte em que mandam alli recolher além dos moedeiros falsos, os contrabandistas, já estão implicitamente revogados pelo art. 43 do novo Codigo Penal que não admittiu a pena de degredo, e pelas disposições do Titulo VI, capitulos 1o e 2o, e Titulo VII do livro 2o do mesmo Codigo que punem taes criminosos com a prisão cellular;
Que, em virtude do art. 3o, paragrapho unico, n. 2 da lei n. 2792 de 20 de outubro de 1877, deixou de ser a ilha de Fernando de Noronha um presidio militar, reconhecendo o legislador a desnecessidade de continuar a pratica, aliás não autorizada por lei, de mandar para alliréos de crimes militares, condemnados a galés ou trabalhos forçados, visto não proseguirem as obras de fortificação em que dantes eram empregados, e já está revogado o decreto n. 3413 de 11 de fevereiro de 1865;

Que, abolidas as penas de galés e degredo, e não havendo lei alguma vigente que designe Fernando de Noronha para cumprimento de penas, cessaram os motivos pelos quaes em 1877 foi posto esse estabelecimento sob a administração do Ministerio da Justiça, não podendo prevalecer os decretos do poder executivo, que, por conveniências transitorias, autorizaram a transferencia para aquelle presidio de outras classes de criminosos, mencionados nos decretos n. 2375 de 5 de março de 1859 e n. 9356 de 10 de janeiro de 1885 em varios avisos e ordens provisorias;

Que com o systema federativo e posto em execução o Codigo Penal, nenhum Estado ou o Districto Federal póde ter o direito ou a obrigação de condemnar os criminosos a degredo em territorio de outro Estado, só ao Congresso competindo designar uma certa parte do territorio para estabelecimentos da União;

Que o archipelago de Fernando de Noronha pertence a Pernambuco desde 1700, e sempre esteve sob a jurisdicção das autoridades do Recife;

Que o decreto n. 854 de 13 de outubro de 1890, cuja exposição de motivos, na parte em que affirma ser o archipelago pertencente á União Brazileira, só significa que elle constitue territorio do Brazil, como o de todos os Estados, não estando discriminada por lei qualquer fracção territorial que deva pertencer á União, e na parte que suggeria a conveniencia de ficar o archipelago sujeito á autoridade e justiça federal, se fundava na legislação, actualmente revogada, que impunha pena de degredo para a ilha de Fernando de Noronha, deve ser entendido e executado, de accordo com o disposto no art. 224 do decreto n. 1030 de 14 de novembro de 1890, que declarou pertencer a justiça alli constituida ao Estado de Pernambuco, reconhecendo assim o seu direito e jurisdicção no territorio do archipelago;

DECRETA:

Art. 1o O territorio do archipelago de Fernando de Noronha continua a pertencer ao Estado de Pernambuco.

Art. 2o As atribuições conferidas ao Ministério da Justiça, em relação ao mesmo archipelago, passarão a ser exercidas pelo Governador do Estado de Pernambuco, desde que este se organizar, e emquanto de outra forma não determinar o seu poder legislativo, guardadas as disposições da Constituição Federal e leis do Congresso Nacional.

Art.3o Revogam-se as disposições em contrario.O Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Justiça assim o faça executar.Sala das sessões do Governo Provisorio, 14 de fevereiro de 1891, 3o da Republica.

MANOEL DEODORO DA FONSECA

DECRETO-LEI Nº 4.102, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1942

Cria o Território Federal de Fernando de Noronha.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 e nos termos do artigo 6º da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º Fica criado, no interesse da defesa nacional, o território federal de Fernando de Noronha, constituído pelo respectivo arquipélago.

Art. 2º Os bens, situados no Território de Fernando de Noronha, bem como os impostos e taxas, pertencentes ao Estado de Pernambuco, são transferidos à União.

Art. 3º A administração do Território de Fernando de Noronha será regulada por lei especial.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 1942, 121º da Independência e 54º da República.

GETULIO VARGAS

 

“ATA CIRCUNSTANCIADA ATA DA 4a REUNIÃO ORDINÁRIA, EM 14 DE SETEMBRO DE 1988

Às 15h30min compareceram os Senhores Constituintes: Ulysses Guimarães, Bernardo Cabral, Nelson Carneiro, Sólon Borges dos Reis, Roberto Freire, Plínio Arruda Sampaio, Haroldo Lima, José Maria Eymael, Afonso Arinos, Adolfo Oliveira, José Fogaça, Luiz Henrique, Luiz Viana, Marcos Lima, Michel Temer, Nelson Jobim, Humberto Souto, Inocêncio Oliveira, Paes Landim, Ricardo Fiúza, Fernando Henrique Cardoso, Bonifácio de Andrada e Vivaldo Barbosa.

I – ABERTURA DA REUNIÃO O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães): – Está aberta a reunião. Vamos inicialmente tratar dos casos pendentes, que têm prioridade. II – ORDEM DO DIA DISCUSSÃO E VOTAÇÃO DO PROJETO DE CONSTITUIÇÃO "C" – REDAÇÃO DO VENCIDO NO 2o TURNO SUGESTÕES OFERECIDAS PELOS CONSTITUINTES INTEGRANTES DA COMISSÃO
(...)
O SR. CONSTITUINTE NELSON JOBIM: – Por último, Sr. Presidente, levantaria um problema complicado que me foi trazido e que precisa ser suscitado. Refere-se ao art. 20 – "São bens da União": Não me recordo se aprovamos uma sugestão do Relator, pois não tenho o texto S. Ex.a.

O SR. RELATOR (Bernardo Cabral): – Eu o tenho aqui e leio para V. Ex.a.

O SR. CONSTITUINTE NELSON JOBIM: – Por favor, o inciso IV, sugestão de V. Ex.a foi aprovado: "as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as marítimas, excluídas as já ocupadas pelos Estados e Municípios;" O problema todo é esse. Depois, no art. 26, aprovamos: "Incluem-se entre os bens dos Estados: II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; O problema que quero levantar refere-se ao Território de Fernando de Noronha. No art. 15 das Disposições Transitórias ficou dito o seguinte: "Fica extinto o Território de Fernando de Noronha, sendo sua área reincorporada ao Estado de Pernambuco". Ora, Sr. Presidente, o Território de Fernando de Noronha é uma ilha oceânica que, no art. 20, inciso IV, está incluída como propriedade da União. Ou seja, ela é uma ilha oceânica que se inclui nos bens da União. Este o problema tem que ser levantado.

O SR. CONSTITUINTE INOCÊNCIO OLIVEIRA: – Sr. Presidente, pela ordem. A proposta do ilustre líder Nelson Jobim altera todo o mérito do que já foi votado. Além do mais, quando se votou a respeito da Ilha de Fernando de Noronha, tratou-se de Território de Fernando de Noronha. É um caso específico, votado num determinado dispositivo da Constituição. Qualquer modificação nesse sentido irá alterar o mérito. Nós não aceitaremos.

O SR. RELATOR (Bernardo Cabral): – Aliás, V. Ex.a pode ainda recolher mais um argumento. O gênero está na parte permanente, a espécie foi para as Disposições Transitórias, mas V. Ex.a vai ter muita dor de cabeça como isso.

O SR. CONSTITUINTE NELSON JOBIM: – Estou levantando o problema porque quando falávamos em Estados, dissemos "as áreas nas ilhas oceânicas são propriedades e domínio do Estado" e não a ilha, porque a ilha é propriedade da União. Este problema vai ser suscitado, porque o que se reincorporou, a rigor, foi a administração do Território de Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco. Este o ponto em que se vai ter dificuldades.

O SR. CONSTITUINTE PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO: – Nobre Constituinte Nelson Jobim, permita-me dizer que, na interpretação sistemática do texto, a ilha de Fernando de Noronha estará incluída no Estado de Pernambuco. É a interpretação sistêmica. Todas as ilhas, menos a de Fernando de Noronha.
O SR. RELATOR (Bernardo Cabral): – Fica o texto?

O SR. CONSTITUINTE NELSON JOBIM: – Sr. Presidente, estou levantando o problema que me foi trazido e o estou suscitando à Comissão de Redação para lembrar que, não obstante a decisão que se tomou em Plenário, vai surgir este problema em relação ao domínio efetivo da ilha, que não é só a de Fernando de Noronha, mas a de Marajó, de Santa Catarina, de Trindade.

O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães): – Ajuda a Pernambuco. Se ela tiver uma co-responsabilidade, é bom. . O SR. CONSTITUINTE NELSON JOBIM: – Sr. Presidente, farei as demais sugestões na próxima sessão.

O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães): – Concedo a palavra ao Constituinte Paes Landim.

O SR. CONSTITUINTE PAES LANDIM: – Sr. Presidente, confesso que fui surpreendido ontem pelos jornais com a minha indicação, pelo PFL, para compor esta Comissão. Infelizmente, não tive muito tempo para ler detalhadamente o Projeto do eminente Relator, e por isso trouxe apenas três ou quatro considerações. Fico muito feliz porque a primeira consideração que tenho a fazer à douta Comissão de Redação se refere ao último problema aventado pelo nobre Constituinte Nelson Jobim a respeito das ilhas fluviais. Trata-se do art 20, inciso IV. Fico feliz pelo fato de o Líder do PMDB ter suscitado esta indagação. Se eu o fizesse primeiro, como era minha pretensão, o meu nobre amigo, Constituinte Roberto Freire, poderia imaginar que isso era interesse do Governo, quando o problema é constitucional. O inciso do permanente é maior, o outro é transitório. Realmente é uma contradição da maior relevância que, imagino, mais adiante, terá que ser discutida na Comissão de Redação, ou talvez no próprio Plenário. Subscrevo a argumentação do Constituinte Nelson Jobim, porque já elencada entre as minhas.

O SR. CONSTITUINTE INOCÊNCIO OLIVEIRA: – Sr. Presidente, quero dar um pequeno aparte ao meu colega Constituinte Paes Landim. No momento da promulgação da nova Carta, tanto o texto permanente quanto o transitório entram em vigor. Então, nesse momento, as ilhas oceânicas e costeiras pertencerão ao Estado, ao mesmo tempo em que o Território de Fernando de Noronha pertencerá ao Estado de Pernambuco. Então, não há contradição alguma.

O SR. PRESIDENTE (Ulysses Guimarães): – Há mais algum assunto? O SR. CONSTITUINTE PAES LANDIM: – Sr. Presidente, teria mais duas reflexões a fazer, pois encaminharei as demais como sugestão na qualidade de Constituinte”.

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