Reconhecimento nacional

Inspirado em Walt Disney, servidor público pernambucano leva Serviço de Verificação de Óbitos do Recife à inédita premiação nacional

Pernambucano ganha destaque nacional ao ser premiado com trabalho sobre avanços técnicos na informação dos serviços de verificação de óbito

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Jamildo Melo

Publicado em 03/11/2023 às 10:39 | Atualizado em 10/11/2023 às 13:47
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O servidor público Juscelino Nascimento, de 53 anos, funcionário da Secretaria de Saúde do Estado, adora ler biografias e apreender com histórias de vida. Além de conversar com os mortos e pessoas ilustres, Juscelino busca inspiração para a vida e o trabalho.

Nesta aventura, uma das pessoas que chamou sua atenção foi o francês Éric Lenoir, o arquiteto responsável por tornar Paris acessível para cadeirantes. O arquiteto especializou-se em acessibilidade para pessoas com deficiência. Em 2007, ele foi nomeado diretor da Acessibilidade do Município de Paris, onde liderou um programa de reformas para tornar a cidade mais acessível a todos.

O programa de Lenoir incluiu a instalação de rampas e elevadores em edifícios públicos, a criação de faixas de pedestres e calçadas mais largas, e a adaptação de transporte público para pessoas com deficiência. Como resultado dessas reformas, Paris foi considerada uma das cidades mais acessíveis do mundo para pessoas com deficiência.

"Eu li que ele vendou os olhos e andou pela cidade em cadeira de rodas para ter a perspectiva das pessoas que passavam por estas dificuldades", acrescenta Juscelino, maravilhado com a empatia do francês.

A mesma empatia que Juscelino já havia identificado no icônico Walt Disney, criador dos parques temáticos infantis de Orlando, nos Estados Unidos.

"Na construção, Walt Disney colocou acolchoados nos joelhos e andou assim ajoelhado por semanas. Ele queria ter a perspectiva das crianças, queria enxergar como as crianças. Se você notar, até hoje, na Disney, os funcionários adotam o hábito de ajoelhar para falar com as crianças, de modo que elas possam estar no mesmo patamar".

Juscelino não criou um império, mas a inspiração obtida com Walt Disney levou o farmacêutico clínico e a equipe no Serviço de Verificação de Óbito (SVO) do Recife, vinculado à Secretaria Estadual de Saúde, a um inédito reconhecimento nacional.

No próximo dia 08 de novembro, em um hotel em Brasília, em meio a 17ª Expoepi, ao lado de mais dois técnicos, Juscelino vai apresentar o projeto de transformação digital e melhoria de informação em saúde do SVO, já como finalista de uma das dez categorias do prêmio nacional, patrocinado pelo Ministério da Saúde.

Agora em 2023, quatro mil trabalhos de todo Brasil foram inscritos nesta versão da Mostra Nacional de Experiências Bem Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças. Com o fim da pandemia, o prêmio deste ano teve o maior número de inscritos de sua história, uma vez que a pandemia havia levado à suspensão da premiação. O resultado oficial sai na sexta-feira dia 10 de novembro.

Para tirar o projeto do papel, Juscelino usou da mesma humildade ensinada pelo americano.

"Uma frase marcante de Walt é que ele dizia que jamais teria feito os parques só. Você pode sonhar, imaginar, mas é preciso a ajuda de muitas pessoas para tornar o sonho realidade. Levei a mesma ideia para o SVO daqui, uma vez que eu conhecia a logística do processo mas não era de TI. Chamei os desenvolvedores de programas e levei os para viver aquela realidade, para que eles tivessem a sensibilidade de criar um sistema novo, desde a entrada do corpo até a saída. Um deles quase desmaiou quando viu o primeiro corpo todo aberto (em uma autopsia)", conta.

Desde 2016, o servidor já conhecia os desenvolvedores de programa, por terem feito trabalhos conjuntos na área de transporte terrestre (dos corpos) e identificado a necessidade de melhoria dos protocolos.

"Identificamos vários problemas e um deles é que não tínhamos os usuários dentro do sistema (como se fosse possível montar um parque sem o olhar das crianças). Nós incluímos os gestores, os assistentes sociais, os familiares, todos, no processo", afirma, lembrando de dores como ausência de planejamento, inconsistência de dados, qualidade do trabalho, além da própria exclusão dos usuários.

Com os processos manuais, até então em vigor, os médicos patologistas faziam a necropsia e preenchiam os formulários dos protocolos.  Um simples parecer mal preenchido ou mal entendido poderia gerar distorções nas estatísticas.

"Com a digitalização, o ganho maior é para as estatísticas vitais, de números demográficos e epidemiológicos. Quem ganha é a vigilância em saúde, com dados confiáveis para a construção de indicadores para políticas públicas", resume.

Uma história de 100 anos

Lembrado apenas em casos sinistros, como a morte de parentes ou amigos, o SVO do Recife é o segundo serviço mais antigo do Brasil, depois apena do serviço de São Paulo. Ele já funcionou primeiro na Praça do Derby, depois se mudou para Santo Amaro e hoje funciona ao lado da Universidade Federal de Pernambuco, em parcerias com a faculdade de ciências médicas, com o Laboratório de Governança, Gerenciamento de risco e Conformidade (LABGRC-CCSA( da UFPE.

"Eles foram fundamentais neste processo, não apenas por terem elogiado os avanços do processo em termos de governança e gestão pública, mas também pela necessidade de acreditação que nos submetemos, junto ao laboratório da UFPE. Eles corroboraram que os sistemas eram eficientes", afirma.

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Americano escreveu sobre os seus 50 anos criando os reinos encantados da Disney - Reprodução/Internet

Teste na Capital do Agreste

A remodelação já foi testada e aprovada, em um programa piloto, no SVO de Caruaru, estando pronto agora para ser expandido para a capital pernambucana. Por ser uma cidade menor, era possível testar redes de internet e cabeamento, sem comprometer o todo.

"Tudo isto aconteceu em 2020, em meio à pandemia. O segundo módulo de produção já está valendo e continua sendo ajustado continuamente". É de se imaginar a loucura que foi este período porque muitas pessoas morreram em casa, sem que houvesse um médico patologista para fechar a causa.

SES/Divulgação
O SVO de Caruaru foi inaugurado em 2010 e foi o primeiro SVO do Interior - SES/Divulgação

Em busca do ouro

O servidor público conta ao blog de Jamildo que vive o dia da premiação, antecipadamente.

"Eu já me sinto um campeão. Sou bronze garantido (terceiro lugar na premiação) e vou atras do ouro (primeiro lugar). O bom é que o valor da premiação - R$ 20 mil para 3º lugar, R$ 30 mil para 2º lugar e R$ 50 mil para 1º lugar - vai para a Secretaria de Saúde, para ser aplicado na implantação ou melhoria do trabalho"

Longa vida ao SVO

Com o sucesso da iniciativa pública, o projeto desenvolvido em Pernambuco terá chance de ser compartilhado com secretarias de Saúde em todo Brasil. Pernambuco, que nunca se ajoelhou perante os poderosos, como nos ensina a altiva história do Estado, poderá se ajoelhar mais uma vez para agradecer o reconhecimento nacional. Ou como diria Walt Disney, sonhe, mas faça acontecer.

 

Atualização

Nesta sexta-feira 10 de novembro, o resultado final acaba de ser divulgado e o pernambucano venceu o prêmio. Ele subiu ao palco enrolado na bandeira do Estado.

 

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Momento da premiação nacional - Blog Imagem

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