Idosos como Dona Hilda ensinam o que é cidadania a prefeitos fura-fila da vacina da covid-19
Hilda Cândida da Silva, idosa de 108 anos de Rio das Flores (RJ), abriu mão de ser uma das primeiras vacinadas contra a Covid-19 na sua comunidade. Quando a equipe de enfermagem esteve na casa dela para aplicar a vacina ela disse “não” e deixou claro que o motivo não foi por medo, mas sim, pela generosidade de pensar no próximo.
Em São José do Egito (PE), Paulo Jucá, secretário de Saúde "furou a fila" e recebeu a vacina sem fazer parte dos grupos prioritários. Não foi um gesto isolado. No município de Itabi (SE), o prefeito Júnior de Amynthas (DEM), de 46 anos, recebeu uma das 31 doses do imunizante que foram destinadas para a região.
No município de Pombal (PB), Abmael de Sousa Lacerda, conhecido como Dr. Verissinho (MDB), prefeito do município furou a fila e se vacinou.
Também em Candiba (BA), o prefeito Reginaldo Prado (PSD), mesmo sem fazer parte do grupo prioritário se vacinou. Em Natal, o prefeito Álvaro Dias (PSDB), só não se vacinou após a reação, ele anunciou a desistência.
A família de Dona Hilda, deve estar sentindo um orgulho imenso pelo gesto de altruísmo de sua matriarca. Na sua comunidade, ela e outras cinco idosas estavam relacionadas para receber a Coronavac. Mas apenas ela abdicou da proteção.
O gesto da centenária brasileira nos remete a pergunta: E o que deve estar sentido, hoje, a família de Paulo Jucá, Júnior de Amynthas e Dr. Verissinho? Assim como a família de Álvaro Dias pela fraqueza de comportamento ao tentar se beneficiar de uma vacina quando não tinham o direito, agora?
Talvez suas esposas, filhos e apoiadores até encontrem justificativa para o gesto desses digníssimos “fura-filas”. No meio de tanta corrupção perpetrada por políticos essa decisão talvez até seja comemorada no clã familiar. Um pequeno delito como esse? O que há de grave? Podem se justificar.
Mas a questão continua perturbadora: se esse tipo de político é capaz de passar na frente de uma pessoa em uma crise sanitária, o que não será capaz de fazer com o dinheiro do contribuinte.
Nos últimos anos, o Brasil foi varrido por uma operação com o nível de complexidade da Lava Jato, com centenas de pessoas presas e condenadas, por extraordinário volume de corrupção.
Mas parece claro que, nos municípios, prefeitos, secretários e vereadores parecem entender que seus pequenos e grandes delitos estão livres da investigação dos órgãos de controle.
Mesmo nas operações de compra de insumos e equipamentos dezenas de gestores públicos resvalaram para a corrupção, sabendo que os órgãos de controle estavam fiscalizando. E muito já foram presos.
Isso é preocupante porque vai consolidando na ideia do cidadão eleitor contribuinte a ideia de todo politico brasileiro é corrupto e capaz de praticar de pequenos gestos como furar uma fila de vacinação a grande desvios de dinheiro público.
Depois de gestos como esses prefeitos e auxiliares, acima relacionados, que nível confiança a população pode ter em algum deles? E isso acaba passando a ideia que todos trabalham assim. Agem assim porque todos são desonestos.
Isso não é bom para a Democracia. Porque dá consistência a ideias de grupos que querem instituições sob o domínio da força. O que abre uma avenida de possibilidades de políticos e grupos políticos populistas.
Quando um prefeito ou secretário assume na frente de auxiliares o gesto de tomar uma vacina que neste momento não está autorizado, com que moral poderá coibir um delito de qualquer um funcionário do seu município. Na verdade, transforma a prefeitura ou a secretária num valhacouto onde cada uma pega a parte julga ter direito.
A aplicação da primeira parte do primeiro grupo da vacinação da covid-19 é uma extraordinária oportunidade de gestores se mostrarem responsáveis. Mas também abre uma grande possibilidade de revelações de fraqueza de caráter.
Poderiam passar aos eleitores, que o escolheram nas últimas eleições. o acerto de sua opção. Mas apenas revelam do que serão capazes de fazer nos próximos quatro anos.
E isso apenas revela a grandeza de caráter de pessoas como dona Hilda Cândida da Silva.