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Governadores dizem o óbvio a Bolsonaro sobre impostos. E o pior é que precisam fazer isso

Não faz sentido governadores escreverem carta ao presidente da República lembrando a sua excelência o artigo 1º da Constituição

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Fernando Castilho

Publicado em 01/03/2021 às 11:00 | Atualizado em 01/03/2021 às 11:57
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Se observarmos, com um pouco mais atenção, o texto da "Nota Pública sobre repasses financeiros aos Entes Federados" divulgada nesta segunda-feira (1º) pelos governadores de 16 estados, podemos classificá-la como um extraordinário conjunto de platitudes no sentido de que é pouco original, desinteressante, sofrível e trivial.

Afinal, não faz mesmo muito sentido chefes dos chamados entes sub-nacionais escreverem uma carta ao presidente da República lembrando a sua excelência o artigo 1º da Constituição, que diz “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.”

Mas o pior é que o documento faz todo sentido diante das afirmações do presidente em ameaçar os governadores de restringir os pagamentos de um novo auxílio emergencial caso tomassem atitudes restritivas me função do agravamento da covid-19.

Presidente pode muito, mas não pode tudo, e parece claro que o objetivo dos governadores foi mesmo de “desenhar” para o presidente que não pode se dar ao luxo de, diante de um quadro tão grave na área de saúde, falar o que lhe vem na cabeça.

E é a partir daí que a carta deixa de ser um conjunto de obviedades legais para relatar o que realmente importa. Especialmente, quando eles dizem que a linha da má informação e da promoção do conflito entre os governantes em nada combaterá a pandemia da covid-19, e que contenção de aglomerações constitui parte do cardápio de ações que deveria estar sendo praticado de forma coordenada pela União.

Do ponto de vista dos estados terem que afirmar isso ao presidente, é de uma necessidade perturbadora. Mas existem momentos na História das nações em que dizer o óbvio se torna importante, não para quem ouve, mas para os que podem escutá-lo.

Esse parece ser o caso do documento. Não faz sentido governadores lembrarem que a estrutura de fiscalização do Governo Federal e do Tribunal de Contas da União tem por dever assegurar aos brasileiros que a finalidade de tais recursos seja obedecida por cada governante local.

Muito menos escreverem cartas para lembrar que no modelo federativo brasileiro, boa parte dos impostos federais (como o Imposto de Renda pago por cidadãos e empresas) pertence aos Estados e Municípios, da mesma forma que boa parte dos impostos estaduais (como o ICMS e o IPVA) pertence aos municípios.

Mas no Brasil de Jair Bolsonaro, isso parece inteiramente necessário. Tipo: Presidente, não é a distribuição tributária se deve a um favor dos ocupantes dos cargos de chefe do respectivo Poder Executivo. E a seguir: Presidente, o senhor tem que entender que valores pertencentes por obrigação constitucional aos Estados e Municípios, como os relativos ao FPE, FPM, FUNDEB, SUS, royalties, não uma concessão política do atual Governo Federal. É direito deles. Entendeu?

O problema é que a questão não se resume em lembrar a Jair Bolsonaro o papel que cada ente tem numa federação. O problema é que, na prática, o presidente tem um comportamento errático quando parece priorizar a criação de confrontos.

Isso tem a ver quando se começa a acontecer - como a partir de janeiro - a queda nos recursos efetivamente repassados para a área de Saúde. Esse é o problema que, efetivamente, o país terá que observar e que mesmo com cartas e dezenas de documentos são enviados a Brasília. Porque depois de dois anos, já se percebe que o presidente não está interessado nessas especificidades da Constituição que jurou defender.

É isso que só torna mais difícil a situação do país para enfrentar o que vem por aí em termos de coronavírus. Mas sempre podemos ter a esperança que o documento dos governadores ajude de alguma forma para evitar novas bravatas de Jair Bolsonaro. Nesse ponto o documento faz todo o sentido. 

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