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Por que a morte de Agnaldo Timóteo nos impacta tanto?

Uma das coisas mais interessantes de Timóteo era a sua "extravagância bem-comportada"

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Fernando Castilho

Publicado em 03/04/2021 às 18:30 | Atualizado em 03/04/2021 às 22:28
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O cantor Agnaldo Timóteo morreu na manhã deste sábado, e a divulgação de sua derrota para a covid-19 impactou milhões de pessoas de uma forma tão forte que é quase como se fosse uma pessoa de nossa família.

 

De certa forma, Timóteo era de nossa família. Para alguns mais, para a maioria menos; mas sua presença era tão forte ao longo de seus 60 anos de carreira que nos acostumamos a ter o Timóteo por perto em vários momentos do ano.

Sua morte neste sábado de Páscoa tem, portanto, a força de nos impactar com mais força do que as 330 mil mortes vitimas do coronavírus que o Brasil chora.

São fenômenos colossais e, como esclarecem os neurocientistas, de uma amplitude tão grande que deixam de ter rostos para se transformar, nas nossas mentes, apenas num novo número. Embora saibamos que por trás de cada um deles cessou a história de uma vida importante para cada uma de suas família.

A pandemia é algo tão extraordinário que ficou difícil o nosso cérebro processar tanta informação ruim.

E talvez porque Timóteo, ao longo dos anos, tenha nos dito tantas coisas que gostaríamos de ter dito que nos sentimos tão próximo dele.

Talvez porque tenha cantado músicas que, de alguma forma e em algum momento, tenha nos marcado Timóteo fazia parte daquilo que chamamos memória afetiva.

Uma das coisas mais interessantes de Timóteo era a sua "extravagância bem-comportada" que nos permitia se reconhecer ainda que não tivéssemos coragem de explicitar o que ele dizia.

Como se costuma dizer Timóteo, de alguma forma, “me representa”.

É importante contextualizar a presença de Timóteo fora da música – até porque dentro da arte de cantar, certamente, os críticos farão analises bem mais consistes de sua contribuição que esta aqui.

Timóteo representa o protótipo do cidadão pobre, negro e talentoso que venceu na vida a partir daquilo se se propôs a fazer. E depois disso se aventurou em outras atividades obtendo o mesmo sucesso que no showbiz. Como, entre outras coisas, disputar e exercer um mandato político.

De certa forma, aquela sua célebre ligação do plenário da Câmara - que os servidores tiveram que providenciar uma extensão de 40 metros para que o telefone fosse conectado a tribuna - foi um catarse de milhões de pessoas que, intimamente, se imaginaram dizendo um “Alo mamãe?” expressando um grau de sucesso inimaginável.

Timóteo também representa o protótipo do artista de sucesso que usa sua força de comunicação na mídia para defender bandeiras que somente anos mais tarde se revelariam ícones de movimentos sociais.

O cidadão Agnaldo Timóteo sempre se apresentou como representante da sua cor muito antes de que isso se tornasse uma das bandeiras de maior importância para a sociedade brasileira. Isso, de certa forma, o tornou um percussor de discursos que hoje permeiam nossa sociedade.

É importante observar que Timóteo, agora nos anos recentes, estava defendo, pioneiramente, bandeiras como a valorização da arte de cantar, interpretar e mostrar a voz, quando a Internet turbina uma geração de gente que não deixará, rigorosamente, nada em termos de contribuição à arte musical.

Até porque não tendo sua obra reproduzidos por outros artistas, entrará naquela categoria de música descartável sem continuidade. E Timóteo com seu vozeirão vinha protestando, gritando e alertando que a categoria do cantor romântico estava em extinção no meio dessa valorização ao chamado “junk-music” que se propaga no Youtube e plataformas de streaming.

Ouça a última participação de Agnaldo Timóteo na Rádio Jornal: 

O alerta é importante, mas talvez dessa vez Timóteo tenha exagerado. Como era, reconhecidamente, seu comportamento. Felizmente, também há na internet uma enorme procura por qualidade e por boas vozes, boas músicas e boas letras de uma nova geração de artistas que vão marcar a segunda década do século XXI.

De certa forma, é bom saber que essa nova geração, com uma nova pegada, curiosamente, também canta o romantismo. Algo que, nesses tempos de isolamento doméstico e, tantas perdas de pessoas próximas, nos faz resistir mais a tanta notícia de perdas de pessoas próxima da gente. Como Timóteo tinha se tornado para cada um de nós.

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