Marco Maciel ia da política à economia como ia da cultura à energia nuclear
Maciel fala com desenvoltura de Suape (que ele ajudou desenvolver) à necessidade de o Brasil ser membro permanente de um assento no conselho de segurança da ONU.
Marco Maciel, o Marco Antonio de Oliveira Maciel, que morreu dia 12 de junho de 2021, em Brasília, foi certamente o político de Pernambuco que mais compreendia a ideia da federação que o Brasil se tornara, onde os interesses e a sensação de pertencimento, mesmo entre as regiões, são tão diferentes que não se pode dizer que o Nordeste é único porque é semiárido. Ou que o Centro-Oeste é um só por abrigar o pantanal.
Isso pode explicar por que o ex-deputado, senador e vice-presidente sustentava uma agradável conversa tanto sobre produção de energia nuclear como sobre a visão de Dom Helder Câmara da pobreza e desigualdade. Ou de conversar sobre desde o modelo de negócios de Suape (que ele rapidamente compreendeu e ajudou a desenvolver) à necessidade de o Brasil ser membro permanente do conselho de segurança da ONU.
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As pessoas conhecem Marco Maciel pela sua importância política, por ter sido presidente da Câmara num dos momentos mais difíceis da democracia brasileira. E pode ter sido um vice-presidente perfeito, como o classifica o ex-presidente Fenando Henrique Cardoso. Mas se esquecem que, para Pernambuco, ele foi certamente uma das pessoas que mais ajudaram o Estado em conquistas importantes, como o Centro Regional de Energia Nuclear.
Ele também cuidou da implantação do primeiro centro de estudos sobre informática, assim como atuou intensamente na estruturação de um sistema de automação de rotinas na Justiça. O modelo de informatização brasileiro, ele articulou com um projeto junto ao Ministério da Justiça, do qual participou o hoje ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Marques Fernandes.
É importante lembra a sua contribuição para o Complexo Portuário de Suape, certamente sua maior aposta como governador, mesmo tendo a consciência de que na sua administração não teria muito o que mostrar.
Foi no seu governo (15 de março de 1979 a 15 de maio de 1982) que Pernambuco tomou o primeiro empréstimo para começar a infraestrutura do complexo. Quando a ideia de ele substituir o Porto do Recife era vista com ceticismo.
Talvez porque Maciel que era um leitor voraz tenha entendido claramente a concepção do Padre Lebret, que sugeriu o projeto no final da década de 1960.
Lebret, dizia o senador, deu a Pernambuco uma visão de importância global que nem mesmo os mais arraigados poetas tinham cantado em verso, já que foi o primeiro a falar da nossa localização para o comercio no Atlântico.
Do primeiro empréstimo à batalha de recursos da União, Marco Maciel nunca deixou de ajudar Suape de alguma maneira. E isso contaminou os que vieram depois dele, de modo que todos os governadores sempre deixam no complexo uma obra construída nos seus mandatos.
É importante observar que Marco Maciel sempre atuou com enorme discrição em assuntos polêmicos e especialmente naquilo que envolvia assuntos interregionais. Sabia que a Paraíba, de Wilson Braga, ex-governador da Paraíba, tem interesses diversos de Pernambuco, como tem Alagoas, do ex-governador Divaldo Suruagy.
Ou que numa mesma sala não cabiam os egos de Antonio Carlos Magalhães (Bahia) e de Cesar Cals (Ceará), dois ex-governadores com que Marco Maciel tratou de Nordeste.
O mais surpreendente nesse comportamento de Marco Maciel era essa preocupação com o que podemos chamar de assuntos gerais. Ele era um leitor voraz de jornais impresso. Recortava e anotava tópicos. Isso lhe permitia encontrar um jornalista e entabular uma conversa tanto sobre a construção de Angra II como sobre a receita do Bolo Souza Leão numa solenidade, enquanto esperava a chegada de uma comitiva internacional. Ou de falar dos preparativos para o bicentenário da Independência do Brasil, no final do ano 2002.
Ah, Marco Maciel podia conversar sobre as vantagens de o ser humano dormir apenas quatro horas ininterruptas para se recuperar mental e fisicamente. Certa vez surpreendeu os jornalistas na Rua das Fronteiras, no Centro do Recife, após visitar Dom Helder Câmara, que, como ele, dormia apenas quatros horas.
Tempo era muito importante. Ele era capaz de usar o tempo de uma checagem emergencial do avião que o levaria de volta a Brasília para dar quatro ou cinco telefonemas interestaduais numa sala qualquer quando o celular não existia.
Mas, além de tudo isso, Marco Maciel era um leitor de dezenas de temas internacionais e de autores internacionais, a ponto de no meio de uma audiência começar a falar da importância da contribuição do Barão do Rio Branco; e também da presença portuguesa nas tradições culturais do Nordeste. Ou ainda de falar do sociólogo Gilberto Freyre - cuja obra leu de fato - e do economista Celso Furtado, com quem conversava sobre economia, embora com pontos de vista diferentes.
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Talvez por isso sua saída definitiva do cenário nesses tempos bicudos faça tanta falta. Marco Maciel transitava silenciosamente no centro do poder. Pouca gente sabia de sua contribuição em temas como a Comissão Nacional de Energia Nuclear ou como a estruturação do que viria ser o Mercosul.
Também era um grande contador de causos e histórias de políticos nordestinos. Uma delas com o então senador Ernani Sátiro, integrante da comitiva brasileira na assinatura do contrato das usinas nucleares na Alemanha no governo Ernesto Geisel, que se perdeu da comitiva oficial, só aparecendo na hora do almoço oferecido pela chancelaria.
Sátiro, que não falava uma palavra de alemão, conseguiu pegar um taxi e chegar a tempo. E, ao ver Marco Maciel, começou a contar sua aventura num tom tão alto que o presidente do parlamento alemão perguntou ao então presidente da Câmara brasileira de quem se tratava. Marco Maciel sorriu e destacou a peculiaridade do senador da Paraíba em se comunicar, ao que o colega de parlamento explicou: senhor Maciel, depois de Adolf Hitler, o senhor Sátiro foi o homem que falou mais alto nesse edifício.