Cena Política

Marco Maciel era um maquinista de trem que conduziu o país com a discrição de quem carrega algo tão valioso quanto um Brasil

Homens assim ensinam pelo exemplo. O problema é que o exemplo de Marco Maciel é pesado demais para se carregar num mundo político em que o sacrifício tornou-se perda de tempo, dinheiro e votos.

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Igor Maciel

Publicado em 12/06/2021 às 10:41 | Atualizado em 12/06/2021 às 20:27
Análise
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Marco Maciel era um condutor de trens. É comum ouvir, ao se entrar num trem, qual o motivo de estar ali um maquinista, um condutor. Por qual motivo o trem precisa da figura de um condutor, se ele está sobre trilhos que, invariavelmente, o levarão ao destino programado?

O condutor define a velocidade, define quando se chega e, principalmente, como se chega. Ele garante que as máquinas funcionem do jeito que precisam funcionar.

O maquinista é o "resolvedor" de uma questão que é essencial nos trens e na democracia: garantir que todos, independente de terem milhares de assuntos e interesses completamente diferentes, privados ou públicos, cheguem ao mesmo lugar no fim da viagem através da qual serão obrigados a conviver e interagir.

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O ex-senador e vice-presidente da República fazia isso, conduzir a democracia, como um artista, como um artesão que moldava os interesses individuais de todos ao seu redor para que se encaixassem no destino da locomotiva, dentro do que era importante para o Brasil de cada época, dentro de cada problema enfrentado.

Marco Maciel dizia que "a divergência é um princípio vital da Democracia e que, nela, estamos todos fadados a nos entender". Ele era um artífice do entendimento.

Quando os militares assumiram o poder, em 1964, enfrentou duas décadas de ódio dos que queriam parar o trem, porque não havia democracia.

Maciel foi um dos poucos a entender que, se o trem parasse, não haveria Brasil.

Decidiu seguir e tentar conduzir o governo com a influência que foi adquirindo ao longo dos anos.

Esse tipo de desprendimento, de sacrificar a imagem que as pessoas terão de você em nome de um objetivo maior, é algo para poucos.

No meio político, é coisa para quase ninguém.

Não por acaso, conduziu o poder no auge do regime militar e estava presente quando se conseguiu pôr fim a ele, com Tancredo Neves.

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Foi figura essencial nas decisões que garantiram a volta à Democracia, principalmente no momento crítico em que Tancredo morreu.

Os relatos sobre uma reunião entre Fernando Henrique Cardoso, José Sarney e Ulysses Guimarães, para decidir o que fazer naquele momento crítico em que os militares podiam aproveitar para reassumir o poder, são essenciais para entender a dinâmica da atuação de Marco Maciel.

O encontro aconteceu de madrugada e, segundo dizem, já se sabia que Tancredo estava morto, mas ainda não havia sido divulgado. Foram visitar um jurista da época para uma consulta.

Queriam saber quem assumia o governo, já que Sarney era o vice, mas Tancredo não chegou a tomar posse. O temor era porque a constituição em vigor era a do regime militar e alguns militares falavam em continuar no poder com a morte de Tancredo.

FHC e Sarney ficaram do lado de fora, Marco Maciel e Ulysses entraram no escritório e discutiram por horas. Na área externa, Sarney andava de um lado pro outro, amedrontado com o que podia acontecer, repetindo como um mantra, em voz alta, que não podia assumir, que era melhor deixar os militares resolverem.

Em determinado momento, saem da sala e Ulysses diz que o vice deve tomar posse. Sarney insistia que era melhor deixar para os generais resolverem, até que Marco Maciel o chama num canto e o convence.

Ninguém sabe o que ele disse, talvez nunca ninguém saiba. Mas Sarney passou cinco anos como presidente e terminou ali a ditadura.

O condutor do trem estava presente e partícipe, como sempre.

Maciel só se ausentou da locomotiva brasileira quando a mente não mais permitiu. Enquanto podia, acostumou-se a dormir quatro horas por noite e trabalhar, trabalhar muito nas outras 20h, como se tivesse pouco tempo para tantas obrigações. E era verdade.

Hoje, vendo no que o Brasil se transformou desde que ele deixou de poder se dedicar ao país como se dedicava, fica mais fácil entender a importância do sacrifício dele.

Homens assim ensinam pelo exemplo. O problema é que o exemplo de Marco Maciel é pesado demais para se carregar num mundo político em que o sacrifício tornou-se perda de tempo, dinheiro e votos.

Ninguém mais quer ser maquinista e, assim, o trem sempre chega a algum destino, mas ninguém nunca sabe a qual estação, nem em que horário, ninguém sabe até onde as máquinas aguentam ou se aguentam.

Eis a falta que Marco Maciel faz: a de um hábil maquinista.

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