Coluna JC Negócios

Precisamos (parar de...) falar (tudo...) sobre Jair Bolsonaro

A amplificação de todas as ações do presidente pela mídia a transformou num canal direto de suas falas pelos canais de rádio, TV, Internet ,mídia impressa e digital.

Imagem do autor
Cadastrado por

Fernando Castilho

Publicado em 13/06/2021 às 13:30 | Atualizado em 13/06/2021 às 15:02
Notícia
X

Marco Maciel, que morreu neste 12 de junho, cunhou uma frase, ao tomar posse com vice-presidente, que virou um mantra de quem chega ao mais alto posto do país, a presidência da República: Deputados e senadores fazem discursos. Presidente da República e vice fazem pronunciamentos. Tudo que falam têm consequências.

Jair Bolsonaro, que estava na Câmara Federal quando Maciel tomou posse junto com Fernando Henrique Cardoso, entendeu o significado e o usa no seu governo com extrema competência. Tudo que ele fala tem o objetivo de ter consequências. Para o bem (dele) ou para o mal para o país como, por exemplo,  podemos dizer em relação ao seu comportamento equivocado sobre a covid-19.

Quem parece não ter compreendido isso é a oposição, a intelectualidade e a mídia, que amplificam tudo que o presidente fala sem um filtro do que é pronunciamento, discurso de candidato a reeleição e pura doutrinação para sua base de apoio que o segue para qualquer destino que ele a deseje levar.

O presidente entendeu - certamente, com ajuda de sua assessoria - que pode transitar facilmente nas redes sociais a partir de uma base solida, como a que possui desde o dia que se elegeu.

Mas o que não contava era que ela viesse de graça de modo que a amplificação das mensagens pela mídia a transformasse numa espécie de canal auxiliar de suas falas pelos canais de rádio, TV, Internet mídia impressa e digital, com o argumento de contestá-las.

O presidente entendeu isso muito bem e estruturou seu governo a partir de uma dominância do chamamos de mídia tradicional, uma vez que seus canais ( redes sociais) vão, necessariamente, reverberar todas as suas falas.

O que muitos formadores de opinião não entenderam é o efeito bumerangue a favor de Bolsonaro quando fazer duras críticas a partir de suas falas.

Para isso, eles buscam estudos, dados consistentes, cognição de informações contraditórias e toda uma construção teórica e empírica para contrapor o discurso de Bolsonaro transformando-o em pronunciamentos quando são apenas discurso. E, de certa forma, dando substância acadêmica às provocações do presidente porque ele chega até a reutilizá-las como contra-argumentos.

É o melhor dos mundos. O presidente faz discursos, provoca os adversários com atos e constrói frases estudadamente provocativas sabendo que elas vão estar em todas as plataformas digitais, às vezes em tempo real.

À custo zero, ele vai consolidando suas posições radicais. Às vezes até usando mesmo a credibilidade da mídia que, de certa forma, virou plataforma de reprodução sua comunicação deliberadamente errática.

Depois de quase 30 meses de Governo podemos dizer que o presidente demonstrou como usar o seu cargo para fazer discurso. Se prestarmos atenção, podemos ver que os pronunciamentos ficaram reservados apenas para ações de governo embora também não menos contestáveis.

O Brasil não tem tradição de filtrar o que vai para o público, distinguindo entre o que é pronunciamento e o que é discurso. Os Estados Unidos fazem isso.

E em duas oportunidades eles radicalizaram nessa defesa. No 11 de setembro de 2001, quando decidiram não mostrar fotos ou vídeos de corpos dilacerados vítimas do ataque perpetrado por radicais há 20 anos. E, recentemente, quando retiraram do ar a transmissão do discurso do presidente Donald Trump quando ele começou a falar mentiras num discurso oficial transmitido em rede nacional.

Mas, no Brasil, o máximo que a mídia fez foi deixar de mandar jornalistas ao cercadinho embora continue usando o conteúdo de suas falas a partir do que é gerado pela estatal Empresa Brasileira de Comunicação. O cercadinho, é importante dizer, é um palanque de discurso. Mas a mídia insiste em o tratar como pronunciamento.

É uma decisão difícil. Como aplicar, em tempo real, esse filtro quando o presidente da República se pronuncia? Quem vai decidir o que é discurso e o que ato de governo?

Tem mais: na guerra de audiência digital, como resistir a oferta de uma atitude que vai render milhões de cliques? A nova realidade digital remunera o que for acessado, independentemente, da qualidade do conteúdo. Vale para o novo hit do Ludmila, como vale para a nova música de Ivete Sangalo. Assim como qualquer fala do presidente Jair Bolsonaro. Ele sabe disso e vem sofisticando esse movimento.

Quem não percebeu isso foram os canais de rádio, TV, Internet mídia impressa e digital, com o discurso de contestá-la. No fundo, virou uma guerra que Bolsonaro já parte ganhando de 3x0.

Calma. Não estamos falando de censura. Se a sociedade brasileira através de dezenas de instituições briga até no STF na defesa da liberdade de informação, não se pode sequer avaliar processos de censura do que o presidente faz e fala. Não pode resvalar para a atitude de ignorar o presidente.

Esse é o grande desafio da parte da sociedade que hoje é oposição ao presidente. Como enfrentar fakenews, desinformação e puro discurso eleitoral quando tenta informar o internauta, ouvinte, leitor e telespectador?

Não é uma missão simples. Informação de qualidade é menos atrativa que uma boa manchete intrigante. O discurso das mídias sociais está estruturado nessa perspectiva. Fazer o leitor clicar e permanecer colado na tela. E isso tem consequências econômicas porque o emissor é remunerado por isso pelo Google.

O problema é que parece claro que a mídia terá de enfrenar o desafio sozinha.

A oposição brasileira, e a maior parte da intelectualidade, infelizmente, ainda são analógicas. No máximo, poderá produzir algum discurso defensivo (explicativo), difícil de ser digerido. Em outras palavras: chato.

No fundo, talvez a oposição a Bolsonaro tenha que aprender com ele. Enfrenta-lo politicamente, mas no campo digital. Se continuar tentando enfrentá-lo tentando explicar os erros do presidente vai perder sempre.

Como não é Governo e, portanto, não tem fé de ofício para fazer pronunciamento, ela tem uma margem para tentar reformatar, atualizar e sofisticar o seu discurso digital para algo tipo comunicação 2.0. E tentar ganhar a batalha de comunicação no território do presidente.

Sabendo que hoje está três casinhas, ou três terabytes, atrás dele.

Tags

Autor