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Do governo liberal de ruptura, sobrou apenas a bandeira do voto impresso

Eleitores de Bolsonaro sabem que após dois anos e meio, o "seu presidente" entregou pouco. Sabem que há uma pressão inflacionária que assusta o andar de baixo, do qual esse pessoal não faz parte

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Fernando Castilho

Publicado em 02/08/2021 às 6:00 | Atualizado em 02/08/2021 às 7:35
Análise
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Depois de 31 meses, período em que os governantes tradicionalmente engrenam uma rotina de inaugurações, publicidade de obras em finalização e estruturação física da campanha de reeleição, o presidente Jair Bolsonaro limitou sua marca presidencial de governo à bandeira do voto impresso.

A bem da verdade, é um debate que só existe nas redes sociais do presidente e na Imprensa, obrigada a cobrir o assunto em função da preocupação da crescente onda de ataques dele ao TSE e aos ministros do STF. O cidadão, eleitor, contribuinte, tem coisas mais sérias para cuidar. A inflação dos alimentos, por exemplo.

 

Mas, de fato, ele impacta no “noticiário” em redes sociais e leva muita gente a falar do assunto, embora a argumentação de insegurança com o modelo de segurança das urnas comece sempre com um “Eu acho”.

É pouco em relação à robustez dos processos já testados e atacados por hackers, inclusive, alguns deles desafiados pelo TSE. Mas vai dizer isso para quem se enrola da bandeira verde amarela, acredita nas lives do presidente e, simplesmente, cuida de retransmitir fake news, sabendo se tratar de uma informação falsa?

O debate político brasileiro - quando entra nesse campo - tem muito de embate religioso neopentecostal e torcida de clube de futebol. Pessoas normais que, há pouco tempo, se dizem tocadas por um chamado, professam uma fé tensa, angustiada e radical, que às vezes assusta até pastores evangélicos.

Torcedores de determinados clubes brasileiros radicalizam um debate tão forte que perdem o respeito dos demais torcedores, pelo extremo a que levam seus argumentos.

Eleitores de Bolsonaro sabem que após dois anos e meio, o “seu presidente” entregou pouco. Sabem que há uma pressão inflacionária que assusta o andar de baixo (do qual esse pessoal não faz parte), que a falta de confiança dos agentes econômicos nacionais e internacionais e sabem que, numa campanha eleitoral tradicional, o “kit” do presidente na sua prestação de contas é facilmente contestável.

O próprio presidente também sabe que não vai ter propostas em cima do que seu governo entregou. É aquele pacote de perguntas perturbadoras: O governo Bolsonaro vai apresentar o que? Alguém consegue listar avanços? E na economia, o Brasil cresceu? No campo social? Na cultura? No setor de meio ambiente? Bom, sempre existem os marqueteiros.

Um bom exemplo foi uma tentativa do então ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, de listar as realizações do presidente quando completou 30 meses. Ramos listou as obras de 900 dias. Alguém lembra de algo marcante?

Isso explica por que o presidente decidiu partir para transformar a tese de violabilidade da urna. O problema é que Bolsonaro chega atrasado nesse debate. Além de atrasado, chegou sem se equipar. Até porque não tem com o que se equipar.

Mas é o que o presidente tem para 2022. E ele aposta tudo na sua rede digital. O presidente sabe que essa rede é pequena, mas competentemente habilitada e motivada. Tipo: precisamos salvar o Brasil dos comunistas. Não podemos permitir que o PT volte ao poder.

Bom, isso funcionou em 2018, numa condição excepcional do trágico incidente da facada. Mas ninguém paga por um mesmo produto duas vezes. E o eleitor só compra um político uma vez.

Ainda assim, o argumento do voto auditável será mantido. Importa pouco o TSE e o STF desmentirem. O presidente vai continuar com a campanha. Porque não sobrou nada além disso.

Ou alguém acha que Jair Bolsonaro iria falar de voto auditável se a economia estivesse bombando; se a performance do Governo no meio ambiente estivesse reconhecida internacionalmente; se a inflação estivesse no centro da meta; se ele liderasse uma ação exemplar na epidemia da covid-19, e se tivesse obtido avanços importantes no socorro às populações abaixo da linha da pobreza? Se tivesse isso, Bolsonaro iria querer falar de urna eletrônica, se tivesse algo para entregar?

O presidente sabe que o pessoal da Bolsa Família não está interessado no tema. Tanto que ele tenta agregar uma melhoria no programa para tentar apoio junto a ela.

Mas sabe que não há qualquer ligação entre o pessoal bem-vestido e perfumado que veste camisa da seleção oficial para defender volto auditável nas tardes de domingo e volta para casa de SUV e as famílias que estão recebendo R$ 375, no máximo.

Ele acha que se juntar a soma dos votos deles com o pessoal das bases digitais, isso o levará ao segundo turno. Embora saiba que são perfis distintos. Bolsonaro sabe que o povo do PBF não se junta com os militantes digitais do presidente.

Entretanto, vai continuar falando de fraude no sistema eleitoral. Ajuda a Imprensa a falar do tema e os tribunais a ficarem irritados. No limite, ele vai radicalizar com passeatas e confrontos de ruas no que for possível.

Ele precisa fazer isso. Se não fizer isso, vai dizer o que para captar votos numa campanha normal?

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