Evergrande será salva pelo governo chinês para não manchar imagem de sucesso da segunda maior economia
Evergrande é um caso interessante para mostrar como a China tem megaempresas muito frágeis e absurdamente alavancadas.
Quem é do tempo do Banco Nacional da Habitação (BNH), certamente, ainda lembra da Encol. Foi a primeira grande construtora brasileira, responsável por uma série de melhoria de processos construtivos e por uma agressiva política de vendas de habitações residenciais.
A Encol era um fato econômico pois fazia prédio bonito e rápido, embora não vendesse barato. Tinham um charme enorme e todo mundo enchia a boca para dizer que morava num Encol. Como as pessoas hoje dizem da Moura Dubeux. Ou num “Maria” da Queiroz Galvão.
- Crise da empresa chinesa Evergrande faz bolsas do mundo despencarem; entenda
- As medidas desesperadas da gigante chinesa Evergrande para evitar falência
- Fundador da Evergrande tenta tranquilizar funcionários
- Evergrande será salva pelo governo chinês para não manchar imagem de sucesso da segunda maior economia
Ela quebrou em 1997 depois que um consórcio de 38 bancos tentou, sem sucesso, encontrar uma alternativa para seus credores. Isso foi após o Banco do Brasil tentar organizar uma intervenção que terminou numa Recuperação Judicial (o nome na época era Concordata), da qual não saiu e faliu em 1999.
Aqui no Recife, por exemplo, a Encol deixou muita gente no prejuízo, pois a Encol acelerou o processo de troca de área, onde o dono do terreno entrega para fazer um prédio e fica com parte dos apartamentos. Mas, depois da falência, parte dos donos desses imóveis reaverem seus terrenos.
A história da Encol serve para exemplificar o risco que um calote da gigante do setor imobiliário chinês Evergrande e seus potenciais efeitos na economia da China.
Assim como Hui Ka Yan, o dono da Evergrande, o empresário Pedro Paulo de Souza, ex-presidente da Encol, era arrojado, boa praça, tinha uma conversa capaz de vender gelo no polo Norte, mas a empresa não era um primor de administração.
A diferença entre Pedro Paulo e Hui Ka Yan é o tempo e o tamanho do negócio. Hui Ka Yan virou o maior incorporador da China com ajuda do governo. Especialmente, para conseguir os terrenos para seus mega conjuntos residenciais.
Pouca gente no Ocidente sabe, mas, sem ajuda do Governo, ninguém avança muito em determinados tipos de empresas e, no caso da construção, isso é estratégico.
Hui Ka Yan só conseguiu os terrenos próximos das cidades em razão da ajuda para as desapropriações. E só por isso que o presidente Xi Jinping deve ajudá-lo.
Os índices das bolsas de segunda-feira (20) em todo o mundo mostraram isso. Podemos dizer que uma possível quebradeira da Evergrande está mais para uma Encol do que o sub-prime americano, em 2008, que teve repercussão mundial. Mesmo que a empresa chinesa provoque um terremoto global.
Em 2008, o que aconteceu com o famoso caso do Leman Brothers foi uma espécie de pirâmide imobiliária onde, a cada nível, o risco aumentava.
Funcionava assim: um sujeito comprava um imóvel e tinha crédito para comprar os móveis e equipamentos.
O mercado entendia que se muda para uma casa nova precisa decorá-la. Então, dava um crédito de 24 meses em que você pagava uma prestação baixinha para pagar os móveis.
O problema é que o empresário que te entregava a casa pronta, pegava o teu contrato e chegava no banco e vendia junto com os demais. Recebia o dinheiro na hora e começava um novo condomínio.
O banco, por sua vez, pegava os contratos, transformava num recebível e repassava para outro banco. O mais ativo nesse negócio era o Leman Brothers. Mas havia uma onda de bancos fazendo isso.
Tudo ia bem até que em 2008 a economia parou, muita gente ficou sem pagar as prestações, foi expulsa de casa e começo uma quebradeira, pois aquela contrato daquela casa estava na Irlanda e Espanha num fundo que era o décimo na lista.
O resto é história. Barack Obama se elegeu com esse pepino, o Leman Brothers desapareceu e o mercado americano deu uma ajustada.
Como se pode ver, não tem muito a ver com a empresa do senhor Hui Ka Yan, que foi pedindo empréstimos em cima de empréstimos até chegar nos US$ 300 bilhões.
No mercado financeiro, se diz que se eu devo US$ 300 e não posso pagar, o problema é meu. Se eu devo US$ 300 bilhões, o problema é do banco. E como na China o banco sempre tem presença do Governo como acionista, o senhor Hui Ka Yan será ajudado pelo governo, que vai lhe tomar o comando da empresa.
Mas a Evergrande é um caso interessante para mostrar como a China tem megaempresas muito frágeis e absurdamente alavancadas. Na verdade, a China continuou fazendo casa para uma população que não podia pagar as prestações ou que não tinha dinheiro para comprar.
O problema é que, se a Evergrande quebrar e fecha, todo o discurso da China sempre crescendo vai por água abaixo. Os analistas dizem que, se ela quebrar, o setor imobiliário teria forte impacto no crescimento econômico chinês, uma má notícia para exportadores de commodities como o Brasil.
Na China, diferentemente do Brasil, a participação direta e indireta do setor imobiliário chinês no PIB – pelos dois estimada – de 29%, é próxima daquela de países como Irlanda e Espanha logo antes de devastadores estouros de suas respectivas bolhas residenciais, na esteira da grande crise financeira global. Daí o impacto nas bolsas.
E como para fazer casa precisa de ferro que se faz com minério de ferro as bolsas caíram. Mas como o governo chines já entrou em ação desconfiança em relação à crise envolvendo a gigante chinesa do setor imobiliário Evergrande estimulou compras na Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, fazendo com que seu principal índice tenha alta de cerca de 2%.
E é claro o resultado é puxado especialmente por ações ligadas ao setor metálico.
Isso é algo inimaginável no Brasil e hoje nos Estados Unidos, depois de um pacote robusto de leis que reorientaram o setor da construção civil imobiliária. Talvez a grande lição da Evergrande é mostrar como a China convive com uma oferta de imóveis que se tornaram inacessíveis, apesar da renda.
O negócio da empresa saiu de ser imobiliário para ser financeiro. A dúvida era como o presidente Xi Jinping vai atuar para reduzir o nível de endividamento das incorporadoras chinesas.
A Evergrande não é um caso isolado, e milhões de pessoas, literalmente, ainda podem perder todas as suas economias. A diferença é que lá o sujeito não pode nem se queixar ao bispo porque o bispo é o avalista.
Mas parece claro que o presidente Xi Jinping entrou no circuito. Ele não quer passar o recibo de que o sistema imobiliário chinês é frágil. Afinal o que são U$ 300 bilhões para um país que tem US$ 3 trilhões depositados em títulos do no BC americano.