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Por que as empresas brasileiras estão querendo ter suas ações na Bolsa de Valores de Nova York

Várias das empresas que chegaram à Bolsa de Valores têm em comum o fato de estarem ligadas ao mercado de Tecnologia da Informação

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Fernando Castilho

Publicado em 26/12/2021 às 7:00 | Atualizado em 26/12/2021 às 9:02
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No último dia 8, a startup Nubank estreou na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) valendo US$ 41,7 bilhões, o que, na cotação do dia, equivalia a R$ 232,4 bilhões. Foi um marco porque, ao menos naquele dia, passou o valor de instituições como o Itaú e o Bradesco, os dois líderes no País.

O Nubank tem 48 milhões de clientes no Brasil, México e na Colômbia e aproveitou o IPO para lançar um programa de micro vendas de suas ações (NuSócios), que oferecia um recibo de ação (BDR) a custo zero para os clientes do banco e atraiu 7,5 milhões de pessoas.

O banco liderado pelo colombiano David Vélez, a brasileira Cristina Junqueira e o americano Edward Wible não foi o primeiro. Nos últimos anos, as empresas de pagamento Stone e PagSeguro (UOL) também passaram a ser listadas na Nasdaq, a bolsa de ativos apenas de Tecnologia.

Além delas, tivemos o lançamento da XP Investimentos, que entrou direto na NYSE e hoje tem valor de mercado estimado em US$ 22,61 bilhões. Todas elas têm em comum o fato de estarem ligadas ao mercado de Tecnologia da Informação, cuja leitura para os investidores internacionais tem muito mais perspectivas.

O fato de estarem nas maiores bolsas do mundo lhes permite acessar o que o Head da Mesa de Renda Variável da CMS Investimentos, Eduardo Watanabe, chama de “bolsos mais profundos”.

De fato. Captar recursos no mercado americano, onde metade dos investidores aplicam no mercado de ações, é muito mais fácil do que no Brasil, que é apenas 1,5%. Mas, existem outros motivos. Como a avaliação da companhia quando comparada às demais do mesmo setor. Naturalmente, pela avaliação em dólar ser bem melhor do que em real.

Entretanto, o movimento de valorização das empresas de TI não é um fato histórico isolado.

Quem não se lembra da bolha das empresas “.com” no final do século 20 e que também provocou uma enorme euforia/tristeza quando a bolha estourou?

A FORÇA DO EFEITO FANMG

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Luiz Fernando Araújo CEO da Finacap - DIVULGAÇÃO

Para o diretor executivo da consultoria pernambucana Finacap, Luiz Fernado Correia, esse movimento tem a ver com o que o mercado chama de FANMG (acrônimo formado pelas primeiras letras do Facebook, Amazon, Netflix, Microsoft e Google) e tem funcionado como um possante motor de atração de capitais e desejo de milhares de companhia ao redor do mundo de acessarem capital hoje disponível.

De qualquer forma, a listagem de uma empresa brasileira na NYSE ou na Nasdaq desperta um enorme interesse de várias empresas em buscar o mercado global. Mas existe também a questão da credibilidade do Brasil. Desde 2010 que o País parou de ser atrativo para investidores internacionais.

Para complicar, a eleição de Bolsonaro (e sua associação com Donald Trump) ajudou a afastar o investidor internacional. Não basta só querer. O mercado fora do Brasil olha para o futuro. Mesmo empresas muito bem-posicionadas em mercados maduros teriam dificuldade de se listarem no mercado americano, por exemplo.

Parece claro que o mercado primeiro quer empresa de TI, depois empresas de outras áreas, mas com o foco em TI, e então as outras. De qualquer forma, cada vez mais empresas listadas na B3 se interessam pelo assunto.

Até porque, nos Estados Unidos, o fundador da companhia não precisa ficar sentando-se em 51% das ações para manter o controle, o que, por consequência, lhe permite conquistar muito mais investidores.

BUSCANDO O INVESTIDOR GLOBAL

 

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EDUARDO WATANABE - Head da Mesa de Renda Variável da CMS Investimentos - DIVULGAÇÃO
 

Head da Mesa de Renda Variável da CMS Investimentos, um dos maiores escritórios de consultoria do País e que atua na plataforma da XP, Eduardo Watanabe acredita que o movimento de empresas brasileiras em direção às bolsas americanas está relacionada com o tipo de “bolso” que ele acaba acessando. Aqui no Brasil, ele estaria com um universo bem mais restrito a que a companhia teria, numa bolsa internacional, pelo acesso a investidores e fundos que estão dispostos a investir nesse formato, diz.

Outro ponto importante está na precificação. Então, numa bolsa maior é possível comprar com as concorrentes. No Brasil, a B3 não tem tantas empresas na área. Então, lá fora essa comparação fica bem mais fácil. E isso melhora o investimento das empresas.

Além disso, nos Estados Unidos, você faz a captação numa moeda forte (em dólar). Então, se você faz aqui, com uma moeda como o real — que está fortemente desvalorizada —, essa captação, mesmo se convertida em dólar, não é tão forte como lá fora.

Watanabe não acredita que esse movimento possa se expandir para outros segmentos. Mesmo os que no Brasil atraem muito capital direto, inclusive estrangeiro. Ele esclarece que até em setores como o de energia renovável, isso não deve prosperar. Porque, como o setor trabalha com contratos longos sem dificuldades de crédito, como o de uma startup que ainda é uma aposta, exige decisão do investidor.

O Head da Mesa de Renda Variável da CMS Investimentos analisa que esse é um movimento da área de TI, porque as empresas no exterior estão muito valorizadas e atraindo mais investidores, levando as empresas brasileira a buscar esse “bolso” que lá é bem mais fundo.

VANTAGEM DE ESTAR ENTRE OS MAIORES

 

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Leonardo Milane, Estrategista-Chefe da VLGI Investimentos - DIVULGAÇÃO

 

Leonardo Milane, estrategista-Chefe da VLGI Investimentos, avalia que o que define a opção de um IPO no exterior é a diferença de avaliação das empresas na hora em que ela está num mercado maior.

Ou seja: quanto vale a empresa. Se você está listado na Nasdaq, você é visto como uma empresa de tecnologia, tem potencial de alto crescimento. Então, isso normalmente faz com que sua empresa seja avaliada por um valor mais alto do que no País.

Entretanto, segundo Milane, existe a questão fundamental da liquidez. “Num mercado como o americano, a disponibilidade de recursos atrativos é muito maior. Afinal, o mundo inteiro está vendo”, afirma.

A avaliação dele é corroborada pelo gestor da VLGI no Recife, Daniel Lins Lima, que lembra a questão do tamanho do mercado de ações. Nos Estados Unidos, mais de 50% da população aplica em bolsa. No Brasil, isso agora que está chegando a 1,5%. Então, o sujeito quer se colocar como uma companhia global.

Mas, existe uma questão séria em relação às empresas listadas no Brasil. A restrição a alguns fundos, cujos portfólios proíbem de aplicar em empresas de países que não tenham o Grau de Investimento (o Brasil perdeu essa condição em 2015). Então, se ele está na NYSE, ele já acessa esse dinheiro.

Para o estrategista-Chefe da VLGI, a tendência é mesmo que o pessoal de TI sejam os primeiros a procurar acessar esse capital. A Nasdaq, por ser de TI, é onde todos vão querer estar. Talvez possam (depois de listadas lá) estarem aqui também. Mas, as empresas desse setor, naturalmente, vão procurar.

Para Daniel Lins, o viés tech será preponderante. Ela pode ser uma empresa de educação. Mas para a área tech. E a vantagem, por exemplo, na Nasdaq, é que ali tem investidor específico nesse mercado.

 

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Daniel Lins Lima gestor da VLGI no Recife. - DIVULGAÇÃO

 

Porém, existe uma questão muito importante para uma empresa que precisa captar recursos. No Brasil, as empresas precisam de muito mais ações para controlar a empresa do que nos Estados Unidos. Lá, a posse da ação Golden Share permite ao fundador comandar a empresa sem ter que ter tantas ações na tesouraria.

Ou seja, pode atrair muito mais capital do investidor.

SEM INVESTIDORES ESTRANGEIROS

O diretor executivo da consultoria pernambucana Finacap, Luiz Fernando Correa, observa que o movimento das empresas brasileiras em direção às bolsas americanas guarda semelhanças ao movimento das empresas “.com”, que levaram a bolha no setor, embora o rally dos últimos 10 anos tenha mais a ver com empresas muito mais consistentes no mercado de Tecnologia da Informação que o próprio mercado financeiro chamou de FANMG (acrônimo formado pelas primeiras letras do Facebook, Amazon, Netflix, Microsoft e Google).

Mas, ele adverte que essa nova realidade e atração de recursos de investidores tem a ver com a própria disrupção das atividades normais do cotidiano que essas empresas provocaram. Essas empresas foram responsáveis por 30% da valorização recente das bolsas nos Estados Unidos.

Luiz Fernando, que também é um pesquisador nos movimentos históricos do mercado de capitais, lembra o período dos governos Bill Cinton, onde o mercado de capitais disparou e isso atraiu bilhões de dólares em investimentos. Para ele, o sucesso das empresas de TI acaba funcionando como um mega-aspirador de capitais para o setor de capitais do mundo inteiro.

No caso das empresas do Brasil, ele lembra que as pioneiras foram a Stone e o PagSeguro (UOL), que hoje está avaliada em US$ 8 bilhões. São mais que gigantes no Brasil e abriram esse caminho seguido pela XP, que preferiu fazer seu IPO diretamente na NYSE, culminando com o IPO do Nubank, que chegou e ainda trouxe a inovação de fazer mais de 7,5 milhões de seus clientes acionistas.

Mas ele também concorda com seus colegas de que esse é um movimento muito concentrado em empresas de TI pelo que elas têm de potencial e que acabam virando um espelho para novas empresas brasileiras no segmento.

SONHO DAS FINTECHS

Existe um outro fator que é o de que essas empresas, especialmente fintechs, estão se aproveitado da baixa satisfação dos clientes com os bancos tradicionais e a alta liquidez internacional. Mas ele reconhece que esse movimento não deve atrair muita empresa do Brasil.

Embora esteja de certa forma relacionada à baixa imagem do Brasil nos últimos anos. Ele aproveita para relacionar essa baixíssima credibilidade no final dos anos 90 do século passado, quando o então presidente da Bovespa, Raymundo Magliano, iniciou uma campanha junto aos candidatos (Lula e Serra) de valorização da governança das empresas brasileiras. E mesmo Lula no governo, com o prestígio de Henrique Meirelles, ajudou nisso e a imagem melhorou.

O problema foi que, em 2012, Dilma Rousseff mudou e até a CVM sofreu. A Bovespa foi ao fundo do poço em 2015 e 2016. E isso dura até hoje pela imagem do presidente Jair Bolsonaro no exterior.

A ligação dele a Donald Trump foi lida pelo mercado americano com uma coisa ruim. Então, a alocação do investidor estrangeiro hoje na B3 é muito pequena. Na verdade, esclarece Luiz Fernando, desde 2010 que o Brasil não atrai investidor estrangeiro no mercado de capitais. O que faz as novas empresas buscarem novos investidores, embora esse não seja o motivo principal.

Mas o motivo, insiste, está nas startups. A busca por ser listada na NYSE e na Nasdaq é a possibilidade de acessar capitais internacionais.

É o que faz o investidor brasileiro, que passou a buscar outras opções, inclusive apostando alto nos fundos de empresas dos Estados Unidos, o que acaba levando a que empresas com potencial internacional mirem esse dinheiro.

MIGUEL SCHINCARIOL/AFP
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