Ponte no lugar errado e ciclofaixa estreita. Confira as críticas à retomada das obras da Ponte Iputinga-Monteiro, no Recife
Para ter impacto sobre o sistema viário da capital, especialistas defendem que o local da construção é equivocado. Além disso, a estrutura para mobilidade ativa fica a desejar
Um dia depois de o prefeito João Campos (PSB) anunciar a retomada das obras de construção da Ponte Iputinga-Monteiro, ligação entre as Zonas Norte e Oeste do Recife e que ficou paralisada por sete anos, choveram críticas ao projeto, às adequações feitas a ele e, principalmente, ao valor que custará diante dos benefícios que promoverá para a circulação da cidade. É apontada, inclusive, como um grosseiro equívoco de localização. E as críticas são feitas por especialistas renomados, como o engenheiro e professor de transporte da UFPE, Fernando Jordão, e Germano Travassos, engenheiro civil e consultor em mobilidade urbana.
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Vale lembrar que a Ponte Iputinga-Monteiro foi orçada em R$ 48 milhões e, agora, na retomada, custará R$ 38 milhões, sendo R$ 27 milhões na licitação já realizada e R$ 10,9 milhões investidos anteriormente. A principal crítica é em relação ao local onde o equipamento começou a ser erguido ainda em 2012, na gestão do PT que tinha à frente o ex-prefeito João da Costa. A atual gestão está apenas mantendo a mesma localização. Os técnicos alegam que, dessa forma, a passagem não atenderá da forma correta a chamada Terceira Perimetral do Recife, traçada ainda nos anos 1980 como um dos eixos principais do transporte público de toda a Região Metropolitana do Recife a partir do Sistema Estrutural Integrado (SEI), a integração de ônibus pernambucana.
“A ponte está sendo construída no local errado. Onde está, não dará sequência ao que definimos como Terceira Perimetral. É mais um dos erros e equívocos cometidos pelos gestores por diversas razões, entre elas evitar custos com desapropriações. O erro foi ainda em 2012, quando a prefeitura escolheu o local onde as obras começaram “dessa ponte como sequência da terceira perimetral. A concepção do SEI foi ignorada por completo e, ainda naquela época, alertamos. Onde está, a ponte apenas conectará dois bairros ribeirinhos (Monteiro e Iputinga), que não têm significância para o tráfego da cidade. A proposta da ponte era que ela integrasse um corredor perimetral de transporte público. Da forma correta, a Terceira Perimetral tem muito mais efeito sobre a cidade do que o Arco Metropolitano, por exemplo”, alerta Fernando Jordão, que colaborou, em 1985, como coordenador da futura Linha Sul do Metrô do Recife.
O local correto para construção da Ponte Iputinga-Monteiro seria mais abaixo do Rio Capibaribe, na diretriz da Rua Dona Olegarinha e alinhada com a Rua da Harmonia, até a Avenida Norte. Essas vias, de fato, é que integram a Terceira Perimetral - defende o especialista. “Onde está, a ponte apenas ligará a Avenida Maurício de Nassau (Paralela da Caxangá) à Avenida 17 de Agosto. Vai ser mais um dos equívocos do Recife, como foram a Ponte Joaquim Cardozo, que liga as Ilhas Joana Bezerra e do Leite no ponto errado, e o Viaduto das Cinco Pontas, que não acrescenta nada e será demolido em breve. Nos restará adaptar o sistema viário, o que também custará caro, para dar utilidade a ela”, reforça Fernando Jordão.
MOBILIDADE ATIVA
As críticas não param por aí. Deixando de lado o papel de corredor de transporte, a Ponte Iputinga-Monteiro também é criticada sob o aspecto da mobilidade ativa. Embora a Prefeitura do Recife tenha destacado na retomada das obras que está inovando ao prever a implantação de uma estrutura para bicicletas na passagem, ciclistas criticam o tipo e a largura do equipamento. Vale lembrar, ainda, que a criação de infraestrutura para modais ativos é obrigatória pela Lei de Mobilidade Urbana, de 2012, e que não existia na época em que a ponte foi iniciada.
Pelo projeto atual, serão construídas calçadas e ciclofaixas de 1,5 metro de largura em cada lado. Na visão de quem pedala, será dado mais espaço para o automóvel do que para a mobilidade ativa. Serão 7,20 metros disponíveis para duas faixas de carro, enquanto a ciclofaixa terá 1,5 metro. Outro aspecto é a escolha de ciclofaixa no lugar de ciclovia, que daria mais segurança para quem pedala. Sem controle de velocidade que impeça os veículos trafegarem acima de 40km/h, a ciclofaixa não protegerá o ciclista.
Sobre as calçadas, é alegado que a largura adotada é a mínima exigida por lei. E que ela é insuficiente: se um cadeirante se encontrar com outro na ponte, por exemplo, um deles terá que ceder ao outro porque uma cadeira de rodas tem 70 centímetros.
Entrevista com Germano Travassos
JC - Como o senhor vê a retomada das obras de construção da Ponte Iputinga-Monteiro?
Germano Travassos - Com um misto de tristeza e decepção, pois esta não seria a ponte mais importante a ser construída sobre o Rio Capibaribe.
JC - Na sua opinião, ela será importante para a circulação no Recife ao conectar duas regiões distintas e com poucas ligações como as Zonas Norte e Oeste?
Germano Travassos - Uma ponte é uma infraestrutura viária muito cara e importante para ser construída apenas para ligar os dois lados do rio. Ela tem que estar alinhada com o sistema viário, numa visão mais ampla, articulando e estruturando regiões e não ligando dois bairros.
JC - A Ponte Iputinga-Monteiro é apontada como o trecho que faltava para dar continuidade à Terceira Perimetral do Recife. O senhor concorda?
Germano Travassos - Não concordo. A ponte da Terceira Perimetral estaria alinhada com a Rua Dona Olegarinha, para no futuro se articular com a Rua da Harmonia e chegar à Avenida Norte. O PDTU/RMR (Plano Diretor de Transportes Urbanos) de 2005 simulou a ponte com as duas localizações e os resultados dela articulando a Terceira Perimetral foi amplamente mais viável. Essa informação era do conhecimento do técnico da PCR, que acompanhou o estudo. Não sei porque a PCR prosseguiu com a ideia da ponte no local menos importante.
JC - A Ponte Iputinga-Monteiro foi construída no local errado? Qual seria o local correto?
Germano Travassos - Eu não diria no local errado, mas menos relevante para estruturação do sistema viário do Recife.
JC - Na sua opinião, a Prefeitura do Recife deveria desistir do projeto e refazê-lo no local correto ou manter o que foi construído e adaptar o sistema viário do entorno para facilitar o acesso à ponte?
Germano Travassos - No local noticiado, a ponte ligará apenas a Avenida Maurício de Nassau à Avenida 17 de Agosto/Avenida Apipucos. No local previsto para a Terceira Perimetral, ela articularia este corredor estrutural de Boa Viagem até a Avenida 17 de Agosto, passando pelas Avenidas Recife e San Martin, podendo chegar à Avenida Norte. Esta ligação, além de reduzir o tráfego na Segunda e na Quarta Perimetrais, ainda permitiria concluir um dos mais importantes corredores do SEI - Sistema Estrutural Integrado -, malha fundamental do transporte público da RMR.
A Ponte Iputinga-Monteiro repete o equívoco da Ponte Joaquim Cardozo. Uma pena que também tenha o nome de um grande engenheiro, Jaime Gusmão, ambos defensores da racionalidade e da boa engenharia.
PREFEITURA DO RECIFE
A Coluna Mobilidade tentou de todas as formas conversar com a Prefeitura do Recife antes de produzir esta reportagem, exatamente para pontuar as críticas. Solicitou, inclusive, uma entrevista com a Secretária de Infraestrutura do Recife, Marília Dantas, mas não conseguiu. Foi informado pela gestão municipal que o posicionamento seria apenas por nota oficial. Confira a resposta encaminhada:
“A Autarquia de Urbanização do Recife (URB) esclarece que a Ponte Engenheiro Jaime Gusmão é um importante investimento para a mobilidade da área e suprirá uma necessidade de interligação entre as duas margens, já que não existe nenhuma ponte para veículos num trecho de quase 5 km do rio.
Atualmente, as pontes mais próximas ao longo do Capibaribe nesta região são a ponte da BR-101 e a ponte-viaduto Governador Cordeiro de Farias, que liga os bairros da Torre e Parnamirim. Por exemplo, a nova ponte reduzirá a distância entre o Parque de Exposições do Cordeiro e a Praça de Casa Forte dos atuais 6,7 km (via Torre-Parnamirim) e 8 km (via BR-101) para apenas 4,39 km. Motoristas indo do Parque do Caiara para o Parque Santana hoje precisam percorrer 5,1 km (via Torre-Parnamirim) ou 7,7 km (pela BR-101), distância que cairá para 3,82 km com a nova ponte.
Vale destacar que o sistema viário da ponte, atualmente em fase final de elaboração do projeto executivo, criará uma via semiperimetral ligando a Avenida Maurício de Nassau (Paralela da Caxangá) à Avenida 17 de Agosto. Esta obra incluirá a requalificação de 15 vias do entorno nas duas margens, totalizando 4,5 km. A URB lembra também que ciclofaixa é uma novidade do atual projeto, que não estava previsto no anterior, e terá duas faixas com 1,5m de largura cada, perfeitamente adequadas às necessidades dos ciclistas.
Por fim, a URB acrescenta que já tem estudos avançados para implantação de outras pontes em locais diversos da região, inclusive com travessias exclusivas para pedestres, otimizando a mobilidade na cidade”.
CONFIRA O NOVO PROJETO
Novo Projeto Ponte Iputinga_Monteiro by Roberta Soares on Scribd