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TRÂNSITO: congestionamentos nas cidades excluem população de baixa renda dos EMPREGOS

População de baixa renda acessa somente metade de vagas de empregos por causa dos congestionamentos nas cidades

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Roberta Soares

Publicado em 29/09/2023 às 12:17 | Atualizado em 29/09/2023 às 12:21
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Os danos da prioridade ao automóvel em nossas cidades seguem sendo grandes e, por sorte, quantificados. E prejudicando, principalmente, os que menos têm e mais precisam. Em mais um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado nesta quinta-feira (28/9), foi comprovado que a população de menor renda é a que mais é penalizada pelos congestionamentos de trânsito quando busca acessar vagas de trabalho.

A conclusão é do estudo “Os Impactos Desiguais do Congestionamento Urbano no Acesso a Empregos”, que avaliou os danos no acesso a oportunidades de empregos nas 20 maiores cidades do Brasil. O levantamento aborda a questão num prisma pouco explorado na literatura sobre os efeitos de engarrafamentos e busca analisar quais classes sociais são mais impactadas pelo trânsito lento.

SÃO PAULO, RIO DE JANEIRO E BRASÍLIA LIDERAM A INJUSTIÇA SOCIAL

De acordo com o estudo, as cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF) são as mais afetadas pelas limitações impostas pelos congestionamentos na perspectiva de acesso a postos de trabalho. A redução da quantidade média de empregos acessíveis nesses municípios por causa do trânsito carregado é de 40,7%, 35,1% e 24,6%, respectivamente.

Já as capitais Goiânia (GO) e Campo Grande (MS), além da cidade de São Gonçalo (na Região Metropolitana do Rio de Janeiro) são as cidades menos afetadas pelos congestionamentos nesse contexto. São as que tiveram a menor redução de acesso às oportunidades de trabalho: 0,6%, 2,1% e 3,2% respectivamente, na comparação com os horários de trânsito livre.

Arquivo/Agência Brasil
De acordo com o estudo, as cidades de São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF) são as mais afetadas pelas limitações impostas pelos congestionamentos na perspectiva de acesso a postos de trabalho - Arquivo/Agência Brasil

Vale ressaltar que o estudo constatou que os congestionamentos afetam todas as classes sociais, mas geram um impacto maior sobre populações de baixa renda. Nas cidades com mais desigualdades, São Paulo e Belo Horizonte, a população mais pobre tende a ser aproximadamente entre três e onze vezes mais impactada pelos congestionamentos do que a população mais rica.

Na capital paulista, por exemplo, no horário de pico, os grupos de maior renda deixam de acessar 20% das vagas que acessariam com trânsito livre. Para os grupos de menor renda, 56% dos empregos tornam-se inacessíveis por causa dos congestionamentos.

FALTA DE PLANEJAMENTO URBANO DAS CIDADES COLOCA POBRES LONGE DAS OFERTAS DE TRABALHO

Outra constatação do estudo - já conhecida de todos que convivem com o planejamento urbano e a mobilidade urbana - é que as cidades foram planejadas para concentrar as ofertas de emprego nas áreas centrais, enquanto os mais pobres vão morar cada vez mais longe dos centros urbanos.

CONFIRA o estudo na íntegra AQUI

“A diferença que limita o acesso de ricos e pobres em picos de congestionamento está associada à combinação de dois fatores: os padrões espaciais de localização de empregos e classes sociais e os padrões espaciais de congestionamento. Resumidamente, os terrenos mais próximos dos centros de empregos, muitas vezes próximos ao próprio centro das cidades, são mais caros. Por isso, os segmentos de maior renda têm mais chance de ocupar espaços próximos a esses locais”, afirmam os pesquisadores no estudo.

Em contrapartida, populações de baixa renda tendem a habitar áreas periféricas, onde os terrenos são mais baratos. Esses segmentos acabam sofrendo mais com os congestionamentos por terem de percorrer distâncias maiores, por meio de ruas e avenidas com maiores engarrafamentos, para chegar a áreas centrais, onde estão localizados os empregos.

QUEM MORA PERTO DOS EMPREGOS SOFRE COM O TRÂNSITO, MAS PERDE MENOS TEMPO

Guga Matos/JC Imagem
São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília são as cidades mais afetadas por engarrafamentos, reduzindo a quantidade média de empregos acessíveis em até 40% do total de vagas disponíveis - Guga Matos/JC Imagem

O estudo do Ipea esclarece que, embora as áreas centrais e mais próximas de centros de empregos sejam as que concentram a maior parte do sistema viário e, por isso, com mais congestionamentos, as distâncias percorridas são menores.

“O tempo gasto nesses deslocamentos é bem menor porque as distâncias são relativamente pequenas e podem ser percorridas por modos alternativos, como as bicicletas, ou mesmo a pé. Assim, a população de maior renda consegue acessar mais vagas de trabalho porque enfrenta congestionamentos por menos tempo em trajetos mais curtos”, destaca o estudo.

O TRÂNSITO É MENOR NA PERIFERIA, MAS AS OPÇÕES TAMBÉM

Outro elemento que agrava a situação de exclusão da população de baixa renda apontada pelo Ipea é que, embora nas áreas mais remotas das periferias, onde está a população em situação de extrema pobreza, o impacto dos congestionamentos seja relativamente mais baixo, não há oportunidades de emprego.

“O motivo é que essas regiões são tão afastadas dos centros que seus habitantes não têm oportunidade de acesso a empregos mesmo com trânsito livre (considerando o intervalo de tempo de viagem analisado no estudo, de 15 a 45 minutos de viagem de carro). A situação desse grupo de renda pode ser descrita como um deserto de oportunidades”, resumem os pesquisadores.

ENTENDA COMO O ESTUDO FOI REALIZADO

O levantamento do Ipea usou a base de dados de tráfego StreetMap Premium, baseado nos dados de speed profiles da HERE. As matrizes de tempo de viagem com tráfego livre foram calculadas com partida às 4h da madrugada. Para as matrizes de hora-pico, utilizou-se a mediana dos tempos de viagem considerando múltiplas partidas a cada quinze minutos no período que vai das 6h às 8h. O motivo desta abordagem é que se procurou diminuir possíveis vieses gerados por uma escolha arbitrária de um único horário de partida.

Já os dados de localização de empregos formais foram obtidos do Relatório Anual de Informações Sociais (Rais) de 2019 do Ministério do Trabalho. Essas vagas de trabalho foram então geolocalizadas por meio das informações de endereço com o software proprietário ArcGIS Pro e a API do Google Maps.

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