TRANSPORTE POR APLICATIVO

Uber e 99 Moto: vítimas dos aplicativos de motos aumentam e famílias começam a gritar suas dores

A vulnerabilidade da motocicleta como transporte e a ausência de regras das plataformas para o cadastro dos motoqueiros são questionadas

Publicado em 01/07/2024 às 8:00
Notícia

As famílias das vítimas dos aplicativos de transporte com motos começam a fazer coro no País e algumas têm gritado suas dores. A vulnerabilidade da motocicleta como transporte, principalmente de passageiros, é o principal ponto questionado. Em seguida, a ausência de regras das plataformas para o cadastro dos motoqueiros, atraindo condutores inaptos e imprudentes.

Denúncias não faltam. A família da gerente de loja Fernanda Gabriela Lira, morta de forma muito violenta quando estava como passageira de um app com motos, no dia 19/6, na BR-101, bairro do Ibura, no Recife, faz várias. Todas questionando a imprudência do motoqueiro e a falta de rigidez no cadastro dos profissionais.

“Infelizmente, a vítima foi minha cunhada, que morreu de uma forma extremamente violenta, por imprudência de um motoqueiro. A morte dela mostra que, de fato, a situação está completamente fora de controle. As plataformas precisam ter mais critérios para permitir o cadastro dos motoqueiros. Hoje, não há nenhum”, afirma Ivanilson Leite de Oliveira, cunhado de Fernanda Lira.

Além da perda da cunhada e de estar assistindo ao irmão - marido de Fernanda Lira - quase enlouquecer com a perda da mulher e da vida que planejavam construir juntos -, Ivanilson fala com propriedade porque já foi condutor de aplicativo de moto.

“Não há regras para nada e sabemos que muitos estão, inclusive, alugando perfis para rodar. Estão fazendo a sublocação do cadastro. Alguns motoqueiros estão rodando com a CNH provisória, o que é um risco, todo mundo sabe. É muito fácil se cadastrar. Não pedem ano de moto, modelo e até o EAR. Só visam a entrada do dinheiro, não pensam na vida de ninguém”, reforça. EAR é a sigla para “Exerce Atividade Remunerada”, uma validação que só é conferida quando o condutor tem 21 anos completos e está habilitado.

“No caso da minha cunhada, por exemplo, o motoqueiro foi imprudente. Testemunhas disseram que ele entrou no meio da carreta e do caminhão baú, depois se desequilibrou e bateu com o guidom no baú. Até podia ter experiência, porque pulou e só teve um arranhão, mas foi imprudente. A pessoa não entra no meio de carretas, em uma BR, sem querer. Nunca. E minha cunhada que perdeu a vida”, lamenta.

Thiago Lucas/ Design SJCC
Uber e 99 Moto: Perigo sobre duas rodas - Thiago Lucas/ Design SJCC
Thiago Lucas/ Design SJCC
Uber e 99 Moto: Perigo sobre duas rodas - Thiago Lucas/ Design SJCC
Thiago Lucas/ Design SJCC
Uber e 99 Moto: Perigo sobre duas rodas - Thiago Lucas/ Design SJCC

A família de Fernanda garante que tudo será levado à Polícia Civil, que terá que investigar o caso, e que também pretende acionar judicialmente a plataforma do aplicativo de motos, que não teria prestado nenhum tipo de ajuda até agora. As plataformas Uber e 99 Motos foram procuradas pela reportagem para explicar os critérios de segurança exigidos para o cadastro de motoqueiros parceiros. A 99 sequer retornou e a Uber repassou links que não esclareceram os questionamentos. 

POUCAS EXIGÊNCIAS PARA VIRAR MOTOQUEIRO DE APLICATIVO

A falta de critério para o cadastro dos futuros motoqueiros-parceiros é facilmente constatada nos próprios sites e canais oficiais das plataformas. Até mesmo o uso de capacetes pelos passageiros é relativizado por algumas empresas, que chegam a informar no site ser apenas ‘recomendado’ que o passageiro use o capacete, mas que o condutor não é obrigado a disponibilizá-lo.

Confira o que consta no site da plataforma 99: “Atenção! O capacete é obrigatório por lei.
Sendo assim, motociclistas parceiros (as) e passageiros (as) devem usá-lo em todas as corridas, mantendo a viseira fechada. Vale lembrar que os motociclistas parceiros (as) não são obrigados a fornecer o capacete. Por isso, disponibilizar o item é uma questão opcional. Sendo assim, caso o passageiro e o motociclista parceiro (a) não possuam o capacete, a corrida pode ser cancelada sem penalidades”.

EXIGÊNCIAS PARA AS MOTOCICLETAS SÃO MENORES DO QUE PARA OS PARCEIROS QUE CONDUZEM CARROS

REPRODUÇÃO
Passageira de aplicativo de transporte com motos morreu de forma violenta, na BR-101, no Ibura, no Recife, após evidente inabilidade do motoqueiro, que se colocou entre uma carreta e um caminhão - REPRODUÇÃO

Embora as motocicletas sejam veículos vulneráveis e mortais quando conduzidos com imprudência - para quem não recorda, as motos respondem por mais de 50% das mortes e mutilações no trânsito brasileiro -, os aplicativos de transporte minimizam as exigências para o cadastro dos condutores.

Exatamente para permitir que todo tipo de motoqueiro, mesmo sem a habilidade e o respeito às regras de trânsito, possam virar parceiros.

Confira a série de reportagens UBER MOTO: perigo sobre duas rodas

A ausência de exigências mínimas é ainda mais evidente na empresa 99. A plataforma Uber é um pouco melhor e exige, ao menos, a observação EAR na Carteira Nacional de Habilitação (CNH).

EAR é a sigla para “Exerce Atividade Remunerada”, uma validação que só é conferida quando o condutor tem 21 anos completos e está habilitado, no mínimo, há dois anos na categoria A. Também precisa ter aprovação em curso especializado de motofrete e/ou mototáxi.

No caso da Uber, as exigências para ser um motoqueiro-parceiro são:

Ter CNH de categoria “A”;
Ter a observação EAR na Carteira de Habilitação;
Ter 18 ou mais anos de idade;
Ter os documentos de licenciamento da moto;
Ser cadastrado no app;

REPRODUÇÃO
Passageira de aplicativo de transporte com motos morreu em Vila Velha, no Espírito Santo, após o pneu do veículo furar - REPRODUÇÃO

No caso da plataforma 99, os critérios são ainda mais flexíveis, com exceção da idade mínima para realizar a atividade, que é de 19 anos:

Ter mais de 19 anos;
CRLV da moto;
CNH Definitiva na categoria A ou AB;
A CNH não precisa ter EAR.

MOTOCICLETAS NÃO TÊM IDADE MÁXIMA NEM MODELO PARA CADASTRO, O QUE POTENCIALIZA O PERIGO

Gabriel Ferreira/JC Imagem
A insegurança do serviço, potencializada pela vulnerabilidade das motocicletas e a falta de habilidade na condução dos motoqueiros, tem deixado um rastro de mortes e ferimentos em todo o País - Gabriel Ferreira/JC Imagem
Gabriel Ferreira/JC Imagem
A passageira de um aplicativo de transporte por motos, como Uber e 99 Moto, morreu violentamente depois de ser arrastada por uma carreta na manhã desta quarta-feira (19/6), na BR-101, no Ibura - Gabriel Ferreira/JC Imagem

Quando o recorte são as exigências relativas às condições e idade das motocicletas, o cenário é ainda pior. Enquanto que, no caso dos automóveis, os aplicativos têm idade máxima para aceitar o cadastro na plataforma, no serviço como Uber e 99 Moto isso não é levado em consideração.

Nenhuma das duas empresas impõem idade ou modelo para as motos. No máximo, vetam o uso de alguns tipos totalmente inadequados para o serviço de transporte de passageiros.

As únicas exigências impostas são o uso de veículos de aluguel, ou seja, motos com placa vermelha - apenas as particulares são permitidas. E não são autorizados veículos tipo lotação "01P", que não aceitam transporte de passageiros.

“Não há restrição de idade para o veículo”, afirma a 99 em seu site.

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