DENÚNCIA

Conflitos agrários em Pernambuco: 23 pessoas ameaçadas de morte em 2021, diz Pastoral da Terra

Em entrevista à Rádio Jornal, nesta terça-feira (15), o geógrafo Plácido Júnior afirmou que nem boletins de ocorrência agricultores conseguem registrar nas delegacias

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Raphael Guerra

Publicado em 15/02/2022 às 16:12 | Atualizado em 15/02/2022 às 22:31
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Atualizada às 22h30

Novas denúncias sobre os conflitos agrários registrados em Pernambuco foram reveladas na tarde desta terça-feira (15), no programa Rádio Livre, da Rádio Jornal. Em entrevista, o geógrafo Plácido Júnior, agente da Comissão da Pastoral da Terra, que acompanha há anos as disputas por terras, afirmou que ao menos 23 pessoas foram ameaçadas de morte no Estado em 2021. Desse total, 20 só na região da Zona da Mata, onde está concentrada a maioria das famílias que vivem da agricultura. 

"A Zona da Mata concentra 77% dos conflitos de terra em Pernambuco. Foram 20 pessoas ameaçadas. Mas esses dados são parciais, mesmo assim bastante preocupantes. A impunidade reina na Zona da Mata de Pernambuco", disse.

Plácido ainda afirmou que essas famílias que sofrem algum tipo de ameaça ou violência - como a destruição de suas plantações - procuram as delegacias, mas não conseguem registrar as queixas. "Além disso, não se tem informação de quantas pessoas foram presas, condenadas por esses crimes. Na realidade, nenhuma."

"Outro dado revelador, porque quebra o mito de que conflitos estão relacionados a uma estrutura arcaica de se apropriar da terra, é que 99% desses conflitos da Zona da Mata envolvem empresários. Isso que é interessante", completou Plácido Júnior. 

Levantamento da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco (Fetape), divulgado nesta terça-feira (15) pela coluna Ronda JC, revela que há violentos conflitos de terra em pelo menos oito municípios do Estado.

São seis municípios da Mata Sul: Maraial, Jaqueira, Catende, Barreiros, Tamandaré e Rio Formoso. Itambé, na Mata Norte, e Moreno, no Grande Recife, também fazem parte da lista.

ARTES JC
Conflitos agrários - ARTES JC

Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco informou que "remeteu à Justiça inquérito policial que apurou conflitos agrários no município de Jaqueira, na Mata Sul do Estado. Importante esclarecer que, após esse trabalho, realizado com seriedade e rigor por parte dos profissionais lotados na Delegacia da cidade, as disputas e ações criminosas arrefeceram nesse território". Ao todo, segundo a Polícia Civil, quatro homens foram indiciados. 

MORTE DE CRIANÇA

Em meio ao conflito no Engenho Roncadorzinho, em Barreiros, na Mata Sul, uma criança foi assassinada a tiros dentro de casa, na última quinta-feira. Jonathas Oliveira, de 9 anos, era filho do presidente de uma associação de moradores. A Polícia Civil está investigando o caso. Os pais dele prestaram depoimento nessa segunda-feira (14). O Ministério Público também acompanha o inquérito.

"No Engenho Roncadorzinho, vivem mais de 70 famílias agricultoras, cerca de 400 pessoas. Mais de 150 crianças. Após a falência da Usina Santo André, há 22 anos, essas famílias não foram indenizadas e continuaram morando no local. Sobrevivem da plantação", relatou o advogado da Fetape, Bruno Ribeiro.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), há 10 anos a Agropecuária Javari arrendou o engenho e iniciou o plantio e colheita de cana-de-açúcar. Anos mais tarde, começaram os conflitos.

"A Javari queria expandir o plantio e passou a usar agrotóxicos que contaminavam a água usada pelos trabalhadores. Há três anos, interrompeu o plantio, mas entrou na Justiça para que as famílias fossem despejadas do engenho. Na 1ª instância, a Justiça não concedeu as liminares. Em segunda instância (em outubro de 2021), os desembargadores decidiram enviar para a Vara de Conciliação, para que as partes entrassem em acordo, mas não houve ainda audiência. A morte do menino nos surpreendeu porque, no último ano, não estava havendo conflitos", explicou Ribeiro.

O JC não conseguiu contato com representantes da Javari. 

JAQUEIRA

O conflito no Engenho Barro Branco, em Jaqueira, é um dos que mais preocupa a CTP. No espaço onde funcionava a Usina Frei Caneca, há 19 anos desativada, vivem cerca de 1,2 mil famílias de agricultores. O engenho já foi arrendado várias vezes (área de mais de 4 mil hectares), mas os conflitos e ameaças às famílias tiveram início em 2018.

Entre 2018 e 2019, mais de dez boletins de ocorrência foram registrados na delegacia da cidade pelos moradores, mas a situação só se agravou. Intimidações de seguranças armados e destruição dos plantios passaram a ser frequentes, segundo a CPT. Em 2020, 17 episódios de violência foram documentados e encaminhados às autoridades. No ano passado, cerca de dez.

Em 22 de abril de 2021, famílias da comunidade foram surpreendidas por 14 seguranças fortemente armados, encapuzados, com spray de pimenta e cães de guarda, de acordo com relatos à CPT. O grupo chegou em motos e carros atirando para o alto e para o chão, além de apontarem armas para os agricultores. Ninguém ficou ferido.

"O clima permanece muito tenso. E o governo do Estado precisa intervir", disse Ribeiro.

AÇÕES DO GOVERNO

Procurada pelo JC, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário informou que o Instituto de Terras e Reforma Agrária de Pernambuco (Iterpe) está realizando reuniões e levantamentos topográficos nos municípios de Jaqueira, Maraial e Catende.

Sobre a situação de Jaqueira, a pasta disse que também está fazendo um diagnóstico, realizando reuniões com os posseiros e "mantendo tratativas com a prefeitura, referente a quatro assentamentos, ocupados por integrantes de quatro movimentos sociais, para discutir a concordância dos trabalhos e posterior continuidade das ações". Disse ainda que recursos necessários foram obtidos junto à Secretaria da Fazenda.

Já a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) informou que "vêm realizando articulações com as polícias Militar e Civil a fim de garantir a proteção da família e de todos os moradores da comunidade do Roncadorzinho".

A SJDH afirmou ainda que vem somando esforços com as demais secretarias estaduais, Ministério Público, Poder Judiciário e entidades da Sociedade Civil com a finalidade de "desenvolver uma resolução pacífica para os conflitos agrários, atuando para proteger as comunidades vulneráveis".

 

 

 

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