PL DO ABORTO

Fiocruz contra o PL do aborto: "Gravidez resultante de estupro é uma tragédia social de grande impacto na saúde física e mental"

Para instituição, restringir idade gestacional para abortamento legal limita acesso ao direito, pois identificar gravidez, em vários casos, é demorada

Publicado em 21/06/2024 às 11:45 | Atualizado em 21/06/2024 às 11:50
Notícia

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulga nota em que se posiciona contrária ao projeto de lei (PL) que equipara o aborto realizado após 22 semanas ao crime de homicídio.

A instituição vê o PL como um retrocesso e uma ameaça à saúde de mulheres e meninas. "O Estado brasileiro deve garantir acesso a políticas de prevenção, proteção e suporte às vítimas de violência e abuso sexual. A gravidez em vítimas de estupro, sobretudo crianças, exige uma abordagem sensível e baseada em direitos para que os efeitos possam ser minimizados e que lhes seja garantida a chance de uma vida digna", diz a Fiocruz. 

Estima-se que ocorram 820 mil casos de estupro por ano, sendo 80% de mulheres e apenas 4% detectados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). "Destaca-se, nas notificações de violência sexual no SUS, que as maiores vítimas são crianças e adolescentes negras. A gravidez resultante de estupro é uma tragédia social de grande impacto na saúde física e mental, assim como na vida de estudo, laboral e de lazer, especialmente quando a vítima é uma criança."

Vale frisar que, no Brasil, o estupro é uma das únicas situações que permitem a interrupção legal da gravidez, em conjunto com o risco de morte de quem gesta e a anencefalia fetal. Nesses casos, não há previsão de limite de idade gestacional para o procedimento, que deve ser ofertado pelo SUS em serviços especializados e credenciados.

"Mesmo o abortamento sendo permitido nesses casos, a garantia desse direito ainda está muito aquém do desejado. São poucos os serviços de saúde especializados que estão preparados para o procedimento e os vazios assistenciais são gigantescos", alerta, em nota, a Fiocruz. 

Como instituição estratégica do Estado brasileiro para o fortalecimento do SUS, da democracia e das políticas de saúde pública, a Fiocruz se posiciona de forma contrária à proposta trazida pelo PL 1904 e soma-se à mobilização da sociedade para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. "A violência sexual e de gênero configuram um grande problema de saúde pública no País."

Na nota, a instituição ainda destaca que "meninas podem não saber que estão sendo violentadas e que esta violência sexual pode provocar uma gestação. Sintomas do gestar não fazem parte do universo simbólico de crianças, que podem ter dificuldades em identificá-los. Dados sobre violência sexual provenientes da saúde e da segurança pública são unânimes em apontar a prevalência da vitimização por familiares e pessoas conhecidas, ou seja, os abusadores são pais, padrastos, tios, avôs, o que dificulta a revelação de uma violência, o pedido de ajuda e o próprio entendimento sobre a gravidez, além de deixar as vítimas mais expostas à violência psicológica". 

Muitas vezes, há o receio de procurarem o serviço de saúde, pois a gestação em virtude do estupro impacta as mulheres e meninas de diferentes maneiras, o que inclui a vergonha e o medo.

O estudo 'O que os dados nacionais indicam sobre a oferta e a realização de aborto previsto em lei no Brasil em 2019?', publicado na revista científica Cadernos de Saúde Pública, identificou que os estabelecimentos de saúde com registro de aborto por razões médicas e legais e do tipo Serviços de Referência para Interrupção de Gravidez em Casos Previstos em Lei, estavam presentes em apenas 3,6% (200) dos municípios brasileiros. A maioria dos estabelecimentos estava localizado em municípios da Região Sudeste (40,5%).

Mesmo em serviços credenciados para realizar o procedimento, tem-se a dificuldade de os profissionais médicos aceitarem realizar por objeção de consciência, ainda que o estabelecimento de saúde, uma vez
cadastrado, deva garantir a existência de profissionais que o façam.

Assim, a Fiocruz sublinha que a proposta trazida pelo PL 1904, de limitar a idade gestacional para o
abortamento legal em 22 semanas, limita o acesso a esse direito, na medida em que a identificação da gravidez, em vários casos, é demorada.

"O fato dessa vítima ser impedida legalmente de realizar um aborto traz consequências psicológicas que podem ser duradouras e, se tratando de crianças, trazer consequências físicas que incluem a possibilidade de óbito. O PL representa, portanto, mais uma falha na proteção integral, assim como estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, cuja responsabilidade é, inicialmente, da família, mas também do Estado e da sociedade", destaca a nota. 

“A matéria apresentada neste portal tem caráter informativo e não deve ser considerada como aconselhamento médico. Para obter informações fornecidas sobre qualquer condição médica, tratamento ou preocupação de saúde, é essencial consultar um médico especializado.”

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