INVESTIGAÇÃO

Todos os PMs do Bope presos após mortes no Recife respondem a outros inquéritos

Seis processos criminais relacionados a mortes em intervenções policiais foram arquivados, porque a Justiça entendeu que houve legítima defesa. Um ainda será julgado

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Raphael Guerra

Publicado em 23/11/2023 às 18:49 | Atualizado em 24/11/2023 às 12:08
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Todos os nove integrantes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) envolvidos nas mortes de dois homens na comunidade do Detran, no bairro da Iputinga, Zona Oeste do Recife, na última segunda-feira (20), respondem a inquéritos policiais militares. A informação consta na decisão judicial que determinou as prisões preventivas de seis PMs e a liberdade provisória dos outros três, após audiência de custódia.

Alguns dos militares, inclusive, responderam a processos por homicídios ocorridos em abordagens nas ruas, mas os casos foram arquivados.

O nome do soldado Ítalo José de Lucena Souza, um dos policiais militares presos preventivamente, aparece em três processos judiciais. Um deles é referente à morte de Willian José de Souza, durante uma abordagem policial no município de Ipojuca, no Grande Recife. Além dele, seis PMs respondem na Vara Criminal de Ipojuca. Ainda não houve sentença. 

O outro processo é referente a uma morte decorrente de intervenção policial em Itamaracá, em 23 de fevereiro de 2022. Na ocasião, foram mortos William Nilson Cavalcanti da Silva e José Alexandre Mulatinho. Dez PMs foram investigados, incluindo Ítalo e o soldado Brunno Matteus Berto Lacerda (também preso preventivamente após os óbitos na comunidade do Detran). 

Nesse processo, que tramitou na Vara Única da Comarca de Itamaracá, o Ministério Público opinou pelo arquivamento, sob o argumento de que houve legítima defesa. O juiz concordou com o parecer e decidiu por encerrar o caso. 

CONFRONTO NO RECIFE

Em outro processo, que tramitou na Vara da Justiça Militar, aparecem os nomes de Ítalo, Brunno e do 3º sargento Carlos Alberto de Amorim Júnior, que também teve a prisão preventiva decretada após as mortes no Detran. 

Eles e mais quatro PMs foram investigados pelas mortes de Rivalnildo Francisco Torres, Avelino Rodrigues Souza Neto e Diego Felipe Alves dos Santos após um suposto confronto no bairro da Guabiraba, Zona Norte do Recife, em 2 de fevereiro de 2023. Esse caso também foi arquivado sob o argumento da legítima defesa. 

MORTES EM SERRAMBI

O nome do soldado Brunno Matteus aparece em mais um processo por homicídio, que também foi arquivado sob o argumento da legítima defesa. Ele estava acompanhado de mais dois PMs, quando teriam entrado em confronto com um homem identificado como Sábio José Luis da Silva na praia de Serrambi, em Ipojuca. O caso aconteceu na madrugada de 11 de setembro de 2021. 

O Ministério Público pediu arquivamento alegando que os PMs agiram em cumprimento do dever legal e "em legítima defesa por revidar injusta agressão". A Justiça concordou.  

O nome do 2º sargento Josias Andrade Silva Júnior, que também teve a prisão preventiva decretada, aparece em ao menos três processos por homicídio. No primeiro, ocorrido em 19 de janeiro de 2021, na estrada de Serrambi, ele estava acompanhado de mais três PMs do Bope.

Segundo a investigação, os policiais teriam dado voz de parada a dois homens identificados como Hilquias Antoniento da Silva e José Pedro Santo de Souza, que não teriam estacionado o carro. Houve uma perseguição, troca de tiros e mortes dos suspeitos. O Ministério Público deu parecer favorável ao arquivamento, e o juiz concordou. 

ÓBITO EM BARRA DE SIRINHAÉM

No outro processo, Josias e mais três policiais foram investigados após uma morte durante abordagem ocorrida em Barra de Sirinhaém, em 2 de junho de 2022. O caso foi encerrado sob o argumento da legítima defesa. 

No terceiro processo, Josias e outros três PMs foram investigados após a morte de Diego Carlos da Silva na praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca, em 2 de julho de 2022. Na ocasião, os militares foram cumprir um mandado de prisão e o suspeito teria reagido. O caso também foi arquivado. 

OUTRO PROCESSO

Carlos Fonseca Avelino de Albuquerque, que teve a liberdade provisória concedida pela Justiça, também já responde a processo na Vara da Justiça Militar. Não consta porém, a descrição do crime, que, em tese, teria sido cometido. Nesse processo, há nomes de mais oito PMs do Bope. 

O QUE DIZ A SECRETARIA DE DEFESA SOCIAL?

Por meio de nota, a Secretaria de Defesa Social (SDS) declarou que "os processos anteriores abertos contra os PMs tramitaram e foram julgados pela Justiça. Os casos também foram avaliados pelo Ministério Público, um dos órgãos responsáveis pelo controle externo da atuação policial, que opinou pelo arquivamento dos referidos processos".

A nota da SDS afirmou ainda que "responder a processos durante a vida profissional é um procedimento comum a integrantes das forças de segurança que atuam diuturnamente no combate à criminalidade".

A pasta destacou ainda que conta com a Corregedoria, responsável por regular as atividades desempenhadas por seus servidores, a partir de denúncias por irregularidades nos serviços prestados.

A Corregedoria funciona 24 horas, na Avenida Conde da Boa Vista, 428, na área central do Recife. Denúncias também podem ser feitas pelo telefone 3184 2772 ou por e-mail denuncia@corregedoria.sds.pe.gov.br.

PRISÕES PREVENTIVAS

Em relação às duas mortes ocorridas na comunidade do Detran, foram presos preventivamente os policiais militares Carlos Alberto de Amorim Júnior, Ítalo José de Lucena Souza, Josias Andrade Silva Júnior, Brunno Matteus Berto Lacerda, Rafael de Alencar Sampaio e Lucas de Almeida Freire Albuquerque Oliveira. 

Na decisão, a juíza que presidiu a audiência de custódia destacou que há indícios de autoria e materialidade dos crimes de invasão de domicílio qualificada, descumprimento de missão e de suposta fraude processual.

Os seis PMs estão no Centro de Reeducação da Polícia Militar de Pernambuco (Creed), em Abreu e Lima.

Já os PMs Jonathan de Souza e Silva, Carlos Fonseca Avelino de Albuquerque e Valdecio Francisco da Silva Júnior receberam liberdade provisória, a pedido do MPPE, que entendeu que eles não estavam na casa no momento dos tiros. 

Mas esses policiais terão que cumprir três medidas cautelares: comparecimento ao juíza mensalmente para informar e justificar suas atividades; proibição de acesso ou frequência ao local onde ocorreu o fato e suas proximidades; suspensão de suas atribuições, devendo suas atividades se restringirem à área interna dos seus batalhões e sem uso de arma de fogo. 

Ainda na quarta-feira, horas após a Justiça decretar a prisão preventiva dos militares, a Polícia Militar de Pernambuco anunciou a troca de comando do Bope

O tenente-coronel Wanbergson Correia Melo foi substituído interinamente pelo major José Rogério Diniz Tomaz. Em nota, a corporação informou que a mudança ocorre "em decorrência dos acontecimentos na Iputinga, e com o intuito de assegurar total lisura e transparência nas investigações em andamento".

CÂMERA FILMOU AÇÃO

Imagens mostraram o momento em que os policiais chegaram e arrombaram a porta da casa onde estavam as vítimas. Mulheres e crianças foram tiradas do local e, depois, houve os disparos de tiros. Momentos depois, os militares saíram da residência com os corpos. Participaram da ação dois sargentos, dois cabos e cinco soldados. 

As vítimas foram identificadas como Bruno Henrique Vicente da Silva, de 28 anos, e Rhaldney Fernandes da Silva Caluete, 32. Nenhum PM se feriu na operação. 

Logo após as mortes, os militares do Bope se apresentaram na sede do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), no bairro do Cordeiro, e relataram que os homens foram mortos porque reagiram à abordagem.

Os PMs disseram que, na ação, foram apreendidos 527 gramas e mais 28 pequenas porções de maconha, 150 pedras de crack, uma balança de precisão, dois revólveres calibre 38 e 12 munições - sendo nove deflagradas. 

Eles chegaram a ser liberados após os depoimentos no DHPP. Mas, após análise das imagens da câmera de segurança, a Delegacia de Polícia Judiciária Militar identificou que a versão dos militares não se sustentava e determinou que os PMs fossem autuados em flagrante.

As armas de fogo usadas por todos os policiais foram recolhidas ainda na noite da segunda-feira e passam por perícia no Instituto de Criminalística. O laudo deve sair nos próximos dias. 

INVESTIGAÇÕES EM ANDAMENTO

Há três investigações em andamento para esclarecer a conduta dos policiais envolvidos nas mortes dos dois homens na comunidade do Detran. 

A primeira é um inquérito policial militar, já que o grupo é suspeito de praticar um crime militar (violação em domicílio). 

A segunda é da Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS), que apura o caso no âmbito administrativo. Ao final, a depender da gravidade, os suspeitos podem até ser expulsos da Polícia Militar. 

Por fim, a terceira investigação é da Polícia Civil, responsável por investigar as duas mortes durante a ação dos policiais. O delegado Roberto Lobo, do DHPP, comanda esse inquérito. 

Dois promotores de Justiça também foram designados pela Procuradoria-Geral de Justiça para acompanhar as investigações.

O QUE DIZ OS FAMILIARES DAS VÍTIMAS?

Os parentes disseram que os policiais entraram na casa, renderam e atiraram nas vítimas. "Houve um ato de covardia. A gente não sabe nem o motivo disso. Eles não eram traficantes, não tem nada disso. Não havia mandado de prisão nenhum contra ninguém aqui", contou um irmão de Bruno que preferiu não se identificar.

"Meu irmão estava em casa, tranquilo. Os policiais entraram, mandaram as mulheres saírem com as crianças e depois dispararam os tiros. Ainda atiraram de dentro para fora para simular que meu irmão e o amigo dele atiraram", completou.

Outro parente cobrou um posicionamento do governo do Estado sobre a ação policial. "Não houve troca de tiros. Como houve troca de tiros se houve tempo de tirar as mulheres e crianças (da casa)? Não havia armas, não havia drogas."

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